Os trabalhadores submetidos à escala 6×1 têm muitos traços comuns entre si. As semelhanças vão além das jornadas de trabalho abusivas – uma exploração que se estende por seis dias de trabalho na semana, com direito a um único dia de folga. Em alguns casos, o padrão é 10×1.

Mostrar o dia a dia desses brasileiros foi o objetivo da pesquisa “O Que Esconde a Escala 6×1 – Roubo de Tempo e Cotidiano dos Trabalhadores Precarizados”. O estudo, realizado pelo Observatório do Estado Social Brasileiro, em parceria com o Sindicato dos Comerciários do Rio de Janeiro, foi divulgado na semana passada.

“Todos os dias, nos hipermercados, farmácias, shoppings, aeroportos, postos de combustíveis, padarias e outros tantos estabelecimentos do conhecido setor de varejo, trocamos olhares com essas pessoas”, aponta a pesquisa. “Ainda assim, não nos sensibilizamos com a exaustão das jornadas de trabalho extenuantes e dos mais variados mecanismos de assédio e disciplinarização do tempo laboral.”

Os pesquisadores aplicaram um questionário on-line a 3.027 trabalhadores da escala 6×1, em 394 municípios, de dezembro de 2024 a fevereiro de 2025. Conforme explica o Observatório, “essa escala tem maior incidência em setores como o varejo, o que inclui, grosso modo, o comércio e os serviços. Isso se dá em função da natureza das atividades realizadas nesses estabelecimentos, que podem funcionar nos finais de semana e feriados e em horários variados”.

Trabalho transitório

Uma das constatações da pesquisa é que mais jornada não pressupõe mais renda para o trabalhador – ao contrário. Dos grandes setores da economia, o comércio é o segundo pior em termos de remuneração média, abaixo apenas da agropecuária. Esse dado já era verificável na Rais (Relação Anual de Informações Sociais), que traz dados sobre o trabalho formal no Brasil.

Entre esses trabalhadores, há uma quantidade representativa de estudantes. O trabalho no comércio parece ser transitório – até que o estudante se forme e possa buscar emprego em sua área. Nada menos que 68% dos trabalhadores da escala 6×1 estudam – e a maioria deles (73%) vai às aulas à noite.

“O varejo converteu-se na porta de entrada dos jovens pobres no mercado de trabalho”, resume a pesquisa. “O corpo que reabastece as gondolas de hipermercados é o mesmo que frequenta as salas de aula. É, também, o mesmo corpo subtraído do convívio familiar e do lazer. É, majoritariamente, o corpo jovem, pardo e negro; e, a depender da função, é predominantemente feminino.”

Mulheres jovens e negras sobressaem nesse segmento. “Sendo mulheres, a vulnerabilidade, seguida dos riscos de adoecimento, são ainda maiores”, agrega o estudo. Entre os respondentes, os negros são majoritários: 43,8% se declaram pardos, e 19,3%, pretos. Já 35,5% são autodeclarados brancos.

Nas 20 funções que mais empregam no comércio, 42,77% dos trabalhadores têm menos de 30 anos. São 24,3% com idade entre 18 e 24 anos, além de 18,47% entre 25 a 29. Embora “inseridos nos mais baixos degraus de precarização do trabalho”, trata-se de “jovens que, não raro, são arrimos de família”.

Sem vida saudável

Para estudar e trabalhar, esses brasileiros ainda gastam tempo com deslocamentos diários. As distâncias médias percorridas por dia ultrapassam 60 quilômetros. Uma a cada cinco desses trabalhadores mora num município e trabalha em outro. Em São Paulo, se a opção for o transporte público (ônibus, trem ou Metrô), o tempo médio de deslocamento para todas as atividades diárias é de 2h47. Com isso, não há tempo para uma vida minimamente saudável.

Segundo o estudo, quem estuda e trabalha na escala 6×1 acaba por “suprimir o tempo das refeições, do repouso ou dos estudos, o que prejudica a saúde, demandando cada vez mais afastamentos periódicos do trabalho. É isso, e não a redução da carga horária, que reduz a produtividade”.

Para piorar, o vínculo de trabalho é instável, haja vista a taxa de rotatividade no comércio, com seus elevados índices de admissão e demissão de funcionários. A pesquisa indica uma razão para o fenômeno: “tanto as condições de trabalho quanto a falta de expectativa de mobilidade funcional, associadas à baixa remuneração, tornam a permanência nesse setor pouco atrativa”.

A pesquisa mostra que tamanha exploração requer um discurso retórico à altura – uma narrativa que seduza o trabalhador. “As empresas não oferecem apenas emprego, mas ‘oportunidades’. Os trabalhadores agora são ‘colaboradores’. O sindicato, substituído pelo ‘time da empresa’, não é essencial sequer para as negociações salariais”, sugere essa nova gramática empresarial.

Mas o sucesso do Movimento Vida Além do Trabalho (VAT) – que desencadeou uma campanha nacional contra a escala 6×1 e novos projetos de redução da jornada no Congresso – mostra que a manipulação tem limites. “A juventude pobre se mobiliza porque sofre e adoece”, desafiando o sistema corajosamente. “A fábula do esforço individual já não ilude a camada mais precária da classe trabalhadora, que, inconformada, protesta nas redes sociais e nas ruas.”