Foto: reprodução/STF

Dois recursos do Ministério Público Federal (MPF), que tratam da responsabilidade de agentes do Estado por crimes cometidos durante a ditadura militar, foram acatados pelo ministro Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal (STF), nesta terça-feira (18). As denúncias são relativas às mortes de Carlos Danielli, dirigente do PCdoB, e do operário Joaquim Alencar Seixas.

Nas duas ações, o MPF contesta decisões de instâncias inferiores da Justiça que rejeitaram as denúncias com base na Lei da Anistia (Lei 6.683/1979).

Ao tomar a decisão, Fachin entendeu que os processos discutem a legalidade constitucional da aplicação da Convenção Americana de Direitos Humanos no ordenamento jurídico brasileiro, o que justifica o processamento do recurso extraordinário para melhor exame do tema.

O recurso jugado apontava que a Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), ao reconhecer a responsabilidade do Estado brasileiro pela detenção arbitrária e ilegal, a tortura e o desaparecimento forçado de 70 pessoas, “decidiu ser incompatível a Lei de Anistia frente a Convenção Americana”. A referência à CIDH diz respeito ao julgamento do Caso Gomes Lund, em 2010, sobre o extermínio da Guerrilha do Araguaia pelos militares no início dos anos 1970.

Um dos Recursos Extraordinários com Agravo (ARE) admitidos por Fachin trata de denúncia do MPF contra três agentes acusados de homicídio qualificado e abuso de autoridade contra Carlos Nicolau Danielli, torturado e morto em 1972, no DOI-Codi (Destacamento de Operações e Informações – Centro de Operações de Defesa Interna) de São Paulo.

Inicialmente, a denúncia foi apresentada contra o coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra e os delegados Dirceu Gavina e Aparecido Laertes Calandra. Com a morte de Ustra, em 2015, o processo seguiu só com os outros dois. Em 2023, Gavina também faleceu.

Em janeiro deste ano, após decisão do Conselho Nacional de Justiça para que sejam retificados todos os atestados de óbito das vítimas da ditadura, a causa mortis descrita até então na certidão de Danielli (anemia aguda traumática) foi finalmente corrigida para que a verdade fosse restabelecida. No documento, passou a constar morte “não natural, violenta, causada pelo Estado brasileiro no contexto da perseguição sistemática a população identificada como dissidente política do regime ditatorial instalado em 1964”.

Já a outra acusação envolve cinco pessoas, entre policiais e médicos legistas, acusados de homicídio qualificado e falsidade ideológica contra Joaquim Alencar Seixas, torturado e morto em 1971.

Com o falecimento de quatro dos denunciados, o processo continuou só com relação ao médico Pérsio José Ribeiro Carneiro, acusado de inserir informação falsa no laudo do exame de corpo de delito a fim de assegurar a ocultação e a impunidade do crime de homicídio.

STF e Anistia

A decisão converge com o posicionamento adotado mais recentemente por ministros do STF. Na sexta-feira (14), o Supremo decidiu que vai analisar se a Lei da Anistia alcança os crimes de ocultação de cadáver cometidos durante a ditadura militar e que permanecem até hoje sem solução.

Ao reconhecer a repercussão geral, o STF decide julgar a matéria de fundo debatida no recurso, e a decisão de mérito a ser tomada posteriormente pelo plenário deverá ser seguida pelas demais instâncias do Poder Judiciário em casos semelhantes.

No caso dos autos, o relator é o ministro Flávio Dino, a quem coube submeter a questão ao plenário virtual. Ao expor sua posição, Dino destacou que “a manutenção da omissão do local onde se encontra o cadáver, além de impedir os familiares de exercerem seu direito ao luto, configura a prática do crime, bem como situação de flagrante”.

Outro caso que está sendo analisado pela Corte é o desaparecimento do ex-deputado Rubens Paiva, que tem sua história e a de sua família contada no filme “Ainda Estou Aqui”, de Walter Salles. Também neste caso, o foco é analisar o alcance da Lei da Anistia. O relator é o ministro Alexandre de Moraes e o julgamento, em plenário virtual, acontece até esta sexta-feira (21).