Tribunal Constitucional da Geórgia valida eleição e desbanca ‘revolução laranja’
O Tribunal Constitucional da Geórgia validou as eleições parlamentares de outubro, vencidas pelo partido “Sonho Georgiano”, ao rejeitar na terça-feira (3) recurso apresentado pela oposição contra o resultado, o que é parte da tentativa de impor uma “nova eleição”, agora sob controle de Bruxelas e de Washington, a pretexto de “fraude”.
O plenário do tribunal decidiu contra as alegações e disse que a decisão é final e não poderá ser revisada ou apelada.
Há uma semana, a Geórgia tem vivido sob manifestações diárias de oposicionistas, que lembram pogroms e tentam repetir o roteiro de mais uma revolução laranja, movimento de arruaceiros que já funcionou em 2003 na ex-república soviética do Cáucaso, e já visto na Iugoslávia no ano 2000, na Ucrânia em 2004 e 2014 e em outros lugares, quando a ordem é incendiar o país vítima até que se possa virar a mesa, seja com “nova eleição”, ou, mais rápido, um golpe.
Como dizia Kissinger, no processo de preparação da derrubada do presidente Allende, era preciso agir para “corrigir” a “irresponsabilidade” do povo chileno que o elegera. Em suma, sob a ordem unipolar, eleição só vale quando dá o resultado que Washington almeja.
Aliás, de tanto repetirem a receita mundo afora, os EUA acabaram provando do próprio veneno, quando Trump passou a clamar que era o vencedor e que fora vítima de fraude eleitoral – o que funcionou como trampolim para seu retorno agora à Casa Branca.
A “ucranização” da Geórgia fracassou, afirmou o primeiro-ministro Irakli Garibashvil – apesar do respaldo de Washington e de Bruxelas e do papel da atual presidente, Salome Zourabichvili, cujo mandato termina ainda este mês, convocando à virada de mesa.
Zourabichvili, por si só, é um retrato falado da ingerência externa na Geórgia. Nascida na França, foi embaixadora de Paris na Geórgia durante a “revolução das rosas”, virou a seguir “ministra das Relações Exteriores” georgiana e acabou virando “presidente”.
Ela diz que não reconhece o resultado dessas eleições e que “continuará presidente” após o fim do mandato. Segundo ela, “reconhecer essas eleições é o mesmo que aceitar a entrada da Rússia aqui e a subordinação da Geórgia à Rússia”.
Da cadeia, o condenado por corrupção e arbítrio, o ex-presidente Mikheil Saakashvili, também conclamou ao golpe.
Quando o Ministério Público da Geórgia lançou uma investigação sobre as acusações de “fraude”, Zourabichvili e outros autonomeados denunciantes não compareceram nem apresentaram quaisquer provas.
Recontagem dos votos por amostragem, realizada pela Comissão Eleitoral Central, após as alegações dos derrotados, das cédulas de cinco seções em cada distrito eleitoral, para verificação de dados, confirmou os resultados iniciais. Na eleição, estiveram presentes observadores da OSCE, da União Euroasiática e de outros países.
A vitória do partido “Sonho Georgiano” foi saudada pela China e por países vizinhos, como a Hungria, a Armênia, a Turquia e o Azerbaijão. Instado por jornalistas, o porta-voz do Kremlin, Dmitry Peskov, enfatizou que a Rússia não interfere nos assuntos internos de seu vizinho e pediu que outros também não interfiram. “[Esta é] a escolha do povo georgiano – é crucial que nenhum terceiro interfira nos resultados desta eleição”, disse ele.
As eleições do dia 26 de outubro foram vencidas pelo partido Sonho Georgiano (SG), com 53,9% dos votos, que no essencial concorreu capitalizando sua política de “não ucranização” da Geórgia, posta em vigor desde 2022, apesar das pressões muito diretas de Washington e Bruxelas. A oposição, somados os votos de quatro agremiações, ficou com 37,8%. 11 partidos concorreram.
Vendo o que está ocorrendo na vizinha Ucrânia, é compreensível que a grande maioria da população da Geórgia não queira a “ucranização”, nem a guerra, e por isso prefira o SG à frente do governo.
No essencial, o “Sonho Georgiano” venceu as eleições porque, apesar de todas as contradições com Moscou, desde 2022 recusou as pressões para abrir uma “segunda frente” na guerra por procuração para expansão da Otan contra a Rússia, rechaçou entregar a Kiev as armas de procedência soviética que detém e se negou a aplicar sanções. Desde 2008, Geórgia e Rússia estão com as relações cortadas.
A manifestação desta quarta-feira (4) em Tbilisi, capital da Geórgia, foi a primeira que se encerrou espontaneamente, sem ser corrida pela polícia.
Resta ver se o relâmpago vai cair duas vezes no mesmo lugar. Em 2003, a “revolução das rosas”, após cerco do parlamento por uma multidão, forçou a renúncia do desmoralizado presidente Eduard Shevardnaze, e o “segundo turno” tirado da cartola sagrou vencedor Mikheil Saakashivili, um serviçal de Washington e Bruxelas.
De acordo com o manual das “color revolutions”, o Parlamento Europeu não reconheceu as eleições de outubro, ajudando a criar o cenário para os “protestos”. As pressões da máfia de Bruxelas se intensificaram, com ameaça de corte de aportes da União Europeia à Geórgia, que atualmente tem a condição de “candidata ao ingresso”, dado em 2023, quando buscavam enquadrar a Geórgia na guerra na Ucrânia e nas sanções contra a Rússia.
A candidatura não significa ingresso, como mostra o longo purgatório da Turquia, há muito mais tempo na fila e sem qualquer perspectiva de solução.
Kobakhidze descreveu a situação da Geórgia como sendo “chantageada” pela UE: tornando o início das negociações de adesão e o apoio orçamentário dependente da renúncia da Geórgia ao que considerou elementos essenciais de sua soberania.
No mesmo dia em que ele fez esse comentário, o Parlamento Europeu aprovou a sua última resolução sobre a Geórgia, apelando a uma repetição das eleições com um controle liderado não pela OSCE, mas pela UE, bem como a sanção e o congelamento de bens de uma longa lista de funcionários e juízes georgianos.
Já o novo relator permanente do Parlamento Europeu sobre a Geórgia foi ainda mais longe, exigindo novas eleições organizadas pela comunidade internacional, que fazem lembrar o Afeganistão ou o Iraque ocupados.
Além disso, a UE declarou em junho – e novamente após as eleições de outubro – que estava “interrompendo” a adesão da Geórgia indefinidamente, citando as leis da Geórgia sobre financiamento estrangeiro para ONGs e sobre a “proteção dos valores familiares e de menores” como razões. E que cancelaria € 121 milhões de apoio orçamentário.
A assim chamada Lei da Transparência da Influência Estrangeira, inspirada em uma legislação que vigora há décadas nos EUA, obrigou ONGs que recebem dinheiro do exterior a tornar público quem são os doadores e quanto. Na maioria dos casos, dinheiro da Usaid, de think tanks europeus, da Fundação Soros e congêneres. Já os agraciados reclamaram das restrições à sua liberdade de venderem a Geórgia a Washington ou Bruxelas, considerando-as uma inominável “arbitrariedade”.
Em reação, o governo da Geórgia anunciou a suspensão “até 2028” das negociações para ingresso na UE e que não iria aceitar aportes europeus, meio ao estilo “as uvas estão verdes”.
Em 30 de novembro, os EUA suspenderam sua parceria estratégica com a Geórgia, citando ações “antidemocráticas” do partido no poder e que a interrupção do processo de adesão à UE tornaria o país “mais vulnerável” à Rússia.
No dia seguinte, em 1º de dezembro, a nova Alta Representante da UE para Relações Exteriores e Política de Segurança, Kaja Kallas, ex-primeira-ministra da Estônia, uma russófoba histérica, sinalizou que a UE poderia impor sanções à Geórgia alegando a resistência aos arruaceiros pró-Otan. Foi W. Bush que, em 2008, anunciou seu “convite” à Ucrânia e à Geórgia para serem anexadas.
Fonte: Papiro