Morte violenta causada pelo Estado na ditadura deverá constar em certidões de óbito
O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) aprovou, nesta terça-feira (10) — dia em que foram celebrados os 76 anos da Declaração Universal dos Direitos Humanos —, resolução determinando que sejam retificadas as certidões de óbito de pessoas reconhecidas pela Comissão Nacional da Verdade (CNV) como mortas ou desaparecidas durante a ditadura militar. A determinação atende a uma proposta do Ministério dos Direitos Humanos.
“É um acerto de contas legítimo com o passado”, disse o presidente do CNJ e do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Luís Roberto Barroso, durante a sessão. Ele destacou, ainda, que “a pessoas questionam o termo golpe, mas esse é o nome que, em ciência política e na teoria constitucional, se dá à destituição do presidente da República por um mecanismo que não esteja previsto da Constituição”, argumentou.
Segundo ele, a medida alivia, de certa forma, a dor dos sobreviventes e das famílias que sofreram com a perseguição política que se seguiu ao golpe.
Com a medida, no campo da causa mortis dessas pessoas, passará a constar a informação de “morte não natural, violenta, causada pelo Estado a desaparecido no contexto da perseguição sistemática à população identificada como dissidente política no regime ditatorial instaurado em 1964”.
Antes dessa determinação, não havia informações como a data e o motivo do falecimento, apenas a observação sobre a Lei 9.140/1995, que reconhece como mortas as pessoas desaparecidas em razão de participação ou acusação de participação em atividades políticas no período de 2 de setembro de 1961 a 5 de outubro de 1988.
Na avaliação da presidente da Comissão Especial de Mortos e Desaparecidos Políticos e procuradora da República Eugênia Gonzaga, “isso sempre foi muito ofensivo. Resolvia problemas burocráticos, mas não reparava, não dizia a verdade”.
De acordo com o texto aprovado, as lavraturas e retificações das certidões de óbitos durante a ditadura serão baseadas nas informações constantes do Relatório Final da Comissão Nacional da Verdade (CNV).
Para a ministra dos Direitos Humanos, Macaé Evaristo, a decisão reaviva a importância da Comissão da Verdade, criada há 13 anos por decisão da presidenta Dilma Rousseff — ela própria vítima dos horrores da ditadura —, para investigar as violações de direitos humanos ocorridas à época. Ao longo dos anos de governo de Jair Bolsonaro, apoiador de ditaduras e da tortura, no entanto, a Comissão praticamente foi extinta.
“É pelo direito das famílias durante a ditadura militar que estamos dando um passo de cura, de reafirmar a democracia, de insistir que todos têm direito à verdade, e todas as instituições democráticas precisam ser defendidas”, declarou Macaé.
A deputada federal baiana Alice Portugal, do PCdoB — partido que mais perdas sofreu durante a ditadura — a decisão do CNJ “é um marco na história brasileira”. Ela salientou que “não podemos enterrar o passado, pois a memória é nossa melhor defesa contra retrocessos e pelo fortalecimento da democracia”.
Companheira de bancada, a deputada Jandira Feghali (PCdoB-RJ) também enalteceu a medida. “É um passo crucial na luta por justiça e na reparação histórica, resgatando a memória de tantas vidas silenciadas pelo autoritarismo. Como defensora da democracia, reitero meu compromisso em manter viva essa memória. Para que nunca se esqueça, para que nunca mais aconteça”.