Israel impede entrada de alimento ao norte de Gaza há dois meses, denuncia ONU
A ajuda humanitária para o norte de Gaza, onde Israel concentrou uma ofensiva terrestre em 6 de outubro deste ano, foi em grande parte bloqueada nos últimos 66 dias, informou a ONU nesta terça-feira (10). Isso deixou entre 65 mil e 75 mil palestinos sem acesso a alimentos, água, eletricidade ou cuidados de saúde.
A ONU confirmou que todas as suas missões alimentares para o norte foram barradas, obrigando o fechamento de todas as cozinhas e padarias, fazendo disparar a desnutrição entre crianças, mulheres grávidas e lactantes.
A denúncia da ONU foi seguida por um relatório de alerta da organização humanitária inglesa Oxfam a qual destacou que “muitas crianças estão presas e morrerão”, condenou a Oxfam.
“Estamos vivendo um momento sombrio na história, pois Israel está submetendo a milhares de homens, mulheres e crianças à fome como arma de guerra, enquanto os líderes mundiais assistem, cientes de tudo, e escolhem não fazer nada”, afirmou o diretor executivo da Oxfam Internacional, Amitabh Behar, frisando que “nossa equipe em Gaza tem tentado, desesperadamente, por quase dois meses, alcançar civis famintos, mas foi bloqueada por Israel”.
A Oxfam e seus parceiros são barrados pelo exército genocida, alertou Behar, e seu socorro não chega a localidades densamente povoadas como Jabalia, Beit Lahia e Beit Hanoun.
“A limpeza étnica de Israel na província do norte de Gaza comprova mais uma vez que o país age com total impunidade, ignorando as normas do direito internacional. Israel está construindo infraestrutura para uma presença militar de longo prazo – uma anexação de fato da terra –, destruindo qualquer esperança restante de uma solução justa e pacífica”, acrescentou o dirigente da organização, presente em mais de 90 países.
A ONU acrescenta que, com suas missões alimentares para o norte também barradas, seus organismos de ajuda são forçadas ao fechamento de todas as cozinhas e padarias, e também à suspensão do trabalho de assistência nutricional, incluindo os programas de apoio à desnutrição infantil e para mulheres grávidas e lactantes. O governo Netanyahu impediu até mesmo o envio de médicos de emergência da ONU, bem como o fornecimento de combustível para manter em funcionamento os serviços de água e saneamento.
Conforme relatou um funcionário da Oxfam, “o norte de Gaza está isolado, há apenas caos, confusão, fome e morte”. “Ninguém pode ajudar essas pessoas – ninguém – sem comida, sem eletricidade, só há fome. É horrível pensar nisso”.
Presente no território palestino desde os primeiros anos da ocupação israelense, a Save the Children, ONG que defende os direitos da criança em todo o mundo, fortalece a voz contra o escárnio. “A situação no norte de Gaza não é adequada para a sobrevivência humana e, no entanto, sabemos que há cerca de 130.000 crianças menores de 10 anos presas nessas condições, sem mencionar as milhares de crianças mais velhas e suas famílias”, declarou Jeremy Stoner, Diretor Regional da Save the Children.
“A guerra em Gaza é uma guerra contra as crianças. Não há maneira mais simples de ilustrar isso do que olhar para as pessoas que compõem os números de mortes – mais de quatro em cada 10 pessoas mortas em Gaza são crianças. Dessas crianças, a maioria tem de cinco a nove anos. Essas são crianças que deveriam estar aprendendo a ler e andar de bicicleta. Elas não deveriam acabar em necrotérios”.
“A ajuda humanitária a Gaza atingiu o ponto mais baixo de todos os tempos, com a situação terrível no norte de Gaza sendo a ponta de um iceberg terrível. O acesso humanitário seguro deve ser garantido imediatamente para permitir que alimentos, água, suprimentos de inverno e assistência médica cheguem àqueles que estão presos na zona da morte no norte. A comunidade internacional deve se mobilizar e garantir que isso aconteça, em linha com suas obrigações. Sem acesso e um cessar-fogo, estamos condenando crianças a perecer no inferno na Terra”, sublinhou.
Presentes no local, ativistas da organização não governamental Juzoor para Saúde e Desenvolvimento Social relataram que os recentes bombardeios israelenses alvejaram um abrigo para sem-teto administrado pela entidade, “causando pânico e caos” e um dos seus 15 postos de saúde, “destruindo equipamentos e queimando medicamentos”. Além disso, foi destruída uma instalação que armazenava alimentos e medicamentos gerenciada pela organização, esclareceu seu diretor, doutor Umaiyeh Khammash.
Assim, os suprimentos médicos escassearam e cerca de 10.000 crianças não receberam vacina contra a poliomielite.
Apesar de tudo, e dos dez funcionários mortos por Israel, enfatizou Khammash, “a equipe da Juzoor” é mais forte do que nós e envia mensagens dizendo que, graças a Deus, ainda há algo que podemos fazer”, continuando a oferecer suporte aos centros médicos que permanecem abertos. Emocionado, descreveu pessoas passando fome e crianças morrendo de desnutrição.
Entre os horrores descritos está o de um homem de Beit Hanoun que sobrevive com seu filho numa escola arruinada, tendo que peneirar insetos da farinha para fazer massa e acender fogueiras dentro de uma sala de aula para não atrair a atenção dos drones militares israelenses. Outra pessoa contou à Oxfam que “havia um senhor idoso numa cadeira de rodas, cuja cadeira ficou presa na areia. Os soldados ordenaram que seguíssemos em frente, sem ele”.
As transferências forçadas para a região vizinha ao redor da cidade de Gaza, ao sul, provocaram uma enorme superlotação, agravando as já terríveis condições, com pessoas conseguindo fazer apenas uma refeição por dia, composta de um único item. “São condições semelhantes à fome, um estado realmente alarmante”, relataram.
Em toda Gaza, incluindo o sul, uma média de 37 caminhões de ajuda entraram por dia no mês passado e 69 caminhões por dia na primeira semana de novembro, enquanto antes de 7 de outubro, 500 caminhões de ajuda e itens comerciais cruzavam a fronteira diariamente e agora até esse parco socorro está sendo bloqueado.
Diante do terrorismo de Estado, “a Oxfam exige um cessar-fogo imediato, incondicional e permanente”, além do acesso imediato à ajuda humanitária para toda Gaza, com os palestinos devendo ter liberdade para retornar às suas casas e reconstruir suas vidas em paz, livres da ocupação sionista.
A coordenadora da ONU para Assuntos Humanitários e Reconstrução em Gaza, Sigrid Kaag, declarou a repórteres após uma reunião fechada do Conselho de Segurança da ONU, terça-feira (10), que os civis que buscam sobreviver em Gaza enfrentam uma “situação absolutamente devastadora, que só tende a se agravar”.
Falando de uma das escolas da Agência da ONU de Assistência aos Refugiados Palestinos (Unrwa), em Deir Al-Balah – onde seis mil pessoas estão abrigadas -, Louise Eateridge, descreveu famílias dormindo em pisos frios e molhados [é inverno em Gaza, onde a temperatura varia de 20 a oito graus} e alerta sobre a gravidade da situação.
Mãe amparada por uma organização parceira da Save the Children no norte de Gaza, Ruba descreveu que está “presa com os pequenos, sob bombas implacáveis, foguetes e balas, sem ter para onde correr. Minha mãe está paralisada, e não posso deixá-la para trás. Meu irmão foi morto, meu marido foi levado, e não sei se ele está vivo. Nossa casa foi destruída sobre nossas cabeças, e sobrevivemos por um milagre”.
“Sem comida, sem água limpa e com medo constante, meus dois filhos desenvolveram erupções cutâneas, e minha filha está sangrando, mas não há remédios, nenhuma ajuda e absolutamente nada que eu possa fazer. Eles choram e me perguntam por que não podemos simplesmente ir embora, por que o pai deles não está conosco, por que não podemos voltar a uma vida normal”, relatou Ruba.
Após 14 meses de bombardeios intensos, Gaza se tornou o local com o maior número de crianças amputadas per capita do mundo, tendo inúmeras delas sido submetidas a cirurgias sem anestesia para a extração dos seus membros. A Unrwa apontou que muitos menores não têm acesso a serviços de reabilitação para lidar com o terrível impacto de ferimentos que vão alterar para sempre suas vidas.
Antes da guerra, em média uma em cada cinco famílias tinha pelo menos uma pessoa com deficiência e quase metade delas eram crianças. Com a agressão israelense, os palestinos que necessitam de cuidados especiais estão sofrendo em silêncio com a epidemia de lesões traumáticas.
A Organização Mundial da Saúde (OMS) avalia que uma em cada quatro pessoas feridas durante a guerra sofreu lesões permanentes e necessitarão de serviços de reabilitação, incluindo cuidados para amputações e lesões na medula espinhal.
Fonte: Papiro