Rejeição a projeto de arrocho derruba primeiro-ministro francês | Foto: Alain Jocard/AFP

Barnier/Macron impusera orçamento para 2025 que, entre outros achaques, sequer repunha a inflação nas aposentadorias, agora também rechaçado. Governo só durou 90 dias.

Com o voto de 331 deputados a favor da moção de censura, a Assembleia Nacional francesa derrubou nesta quarta-feira (4) o primeiro-ministro Michel Barnier e seu governo macronista. Barnier deverá passar à história como “O Breve”, pois seu governo só durou 90 dias. Horas antes da votação, desde Riad, capital da Arábia Saudita, onde se encontra em visita, o presidente Emmanuel Macron dissera “não acreditar” no voto de censura, enquanto Barnier, na véspera, pela tevê, asseverava ainda ser “possível” sua sobrevivência.

Eram necessários 289 votos para a destituição, basicamente assegurados pelos partidos da Nova Frente Popular – insubmissos, comunistas, socialistas – e da Reunião Nacional, de extrema-direita, e alguns aliados.

A votação se deu em consequência de que, na falta de votos para aprovar na Assembleia francesa o orçamento para 2025, o primeiro-ministro Barnier o impôs sem votação, sob amparo do artigo 49.3 da constituição, instituído sob Charles de Gaulle.

Assim, está destituído o governo Barnier e fica sem efeito seu projeto de orçamento, que ainda terá de ser aprovado. Tanto o partido de Marine Le Pen quanto a Nova Frente Popular apresentaram moções de censura, mas como maior força na Assembleia, foi a resolução da NFP que foi a votação.

Na história da V República, apenas uma única vez houve a destituição de um primeiro-ministro por voto de censura, há 62 anos, quando Charles de Gaulle era presidente.

Por incrível que pareça, a corda começou a roer diante da sofreguidão de Barnier/Macron de tirar modestos 3 bilhões de euros dos aposentados, só corrigindo metade da inflação.

Aliás, uma ninharia diante dos recursos que Paris destina aos bancos e à escalada das guerras (e com Macron ameaçando enviar tropas para a Ucrânia). Ao todo, os cortes propostos chegavam a 60 bilhões, 80% disso nas costas dos trabalhadores e dos serviços públicos.

Isso, com o país tendo vivido as maiores manifestações em uma década contra a reforma previdenciária de Macron – o adiamento da idade mínima de aposentadoria para os 67 anos -, e com eleições presidenciais em 2027, às quais Macron não pode mais concorrer, mas Marine Le Pen, Jean-Luc Melénchon e outros já estão no páreo.

Sem essa mordida de 3 bilhões de euros na carne dos aposentados – e de vários outros gastos sociais -, insistiram Barnier/Macron, seria impossível reduzir o déficit público de 6,1% do PIB [o dobro da “norma de 3%” da União Europeia] e para evitar que a trajetória da dívida pública francesa ficasse “insustentável”.

Em suma, a pretexto da austeridade fiscal, o governo Macron segue comprometido até às vísceras em atender aos bancos e à ganância dos especuladores com a dívida pública francesa, bem como em manter estufados de euros os dutos que enchem as burras em Kiev com dinheiro e armas, isto é, com a guerra de expansão da Otan a leste.

Nada surpreendente em um arrivista, que depois de operar para os Rothchilds, transitou pelos socialistas de Holland, virou ministro, criou sua legenda de aluguel de “centro”, virou presidente, e agora a conta começa a chegar.

Ex-negociador europeu para o Brexit, Barnier só havia virado o primeiro-ministro por causa de que Macron, depois de perder a eleição para o Parlamento Europeu, resolveu antecipar as eleições legislativas na França, aposta que deu errado e ele voltou a perder. Quando foi a Nova Frente Popular que ficou em primeiro, recusou um governo de coabitação [presidente de um partido/primeiro-ministro da oposição], o que deveria ter ocorrido de acordo com a tradição política francesa, optou por se pendurar na aquiescência de Le Pen para instaurar um governo de minoria.

Horas antes, antecipando a decisão, a RN havia declarado que “não há saída para um governo que regressa ao fio do macronismo, que se recusa a ter em conta a emergência social no final do mês e que ignora a necessidade de reativar o crescimento”. Segundo Barnier, ele fizera concessões, como não aumentar os impostos sobre a eletricidade. Na busca de angariar votos na RN, o orçamento também cortava a assistência médica aos imigrantes.

Como Macron dissolveu o parlamento em junho, ele não pode dissolvê-lo até junho de 2025 e terá que redigir um orçamento com a atual Assembleia, fraturada entre as facções NFP, pró-Macron e RN. A Assembleia profundamente dividida tem menos de um mês para elaborar um novo orçamento antes do início de 2025 ou votar para estender o orçamento de 2024.

A derrota na Assembleia Nacional faz com que as conclamações pela renúncia do próprio Macron, que já vinham ocorrendo frequentemente, ganhem mais força. Conclamações que Macron diz ser “ficção política” e “absurdas”.

Em uma declaração no X, Mélenchon disse que “os membros da LFI e a Nova Frente Popular propuseram muitas emendas e propostas [ao orçamento de Barnier]. Eles vieram de um programa, aquele que o povo francês preferia nas eleições de junho e que muitas vezes foi aprovado pela própria Assembleia Nacional [durante as negociações orçamentárias]. É uma ruptura com as políticas impostas por Macron desde que assumiu o cargo, políticas que gastam seu tempo enriquecendo os ricos e empobrecendo os pobres”

“Estamos em uma zona de penumbra da qual é hora de sair, porque este país se recusou a dar ao partido de Macron uma maioria parlamentar, porque a Assembleia não deu sua confiança ao governo que ele nomeou e porque não há maioria para aprovar seu orçamento. Portanto, a pessoa que é responsável por isso tem de assumir a sua responsabilidade”, exigiu Mélenchon.

E completou: “Devemos devolver o poder ao povo, no respeito das regras que nos são impostas pela Constituição. … O presidente deve renunciar.”

“Esta noite, meu sentimento não é de satisfação. Há seriedade na escolha que fizemos, disse o deputado Landes. Mas este é o fracasso do método Barnier, uma vez que nunca procuramos o menor compromisso. Contra a frente republicana, contra a escolha dos eleitores em 7 de julho, Michel Barnier recorreu exclusivamente a Marine Le Pen. Devemos fazer desta moção de censura um momento de abalo moral, de rebote, para o bloco central que terá de escolher entre o RN que o liderou pelo nariz ou a esquerda que está aberta ao compromisso”, disse por sua vez o presidente da bancada socialista, Boris Vallaud.

Já o vice-presidente da Assembleia Nacional e ex-ministro de Macron, Roland Lescure, lamuriou-se sobre a falta de cumplicidade, nessa hora, de parte da RN: “Maquiavel com pés pequenos que brinca com o dinheiro dos franceses”.

Na véspera, a deputada da NFP, Clémence Guetté, diante da entrevista com o ainda primeiro-ministro, já advertira: “Lamentável, Barnier implora a Le Pen que salve sua posição, ao vivo na televisão. Este circo já dura demais: deixem todos ir embora. A macronia dá um espetáculo no final do seu reinado”.

Fonte: Papiro