Deputados usaram extintores contra tropas que entraram na Assembleia Nacional | Foto: AFP

O aspirante a ditador da Coreia do Sul, Yoon Suk Yeol, horas depois de ter decretado a lei marcial, cercado a Assembleia Nacional em Seul com tropas e a ver derrubada por unanimidade pelos parlamentares, anunciou que está convocando uma reunião de seu gabinete esta quarta-feira (3) para formalizar a suspensão do arbítrio, como determina a constituição sul-coreana, e já retirou os militares.

Yoon, cuja aprovação mal chega a 19% enquanto sua primeira-dama está sob investigação por corrupção e tráfico de influência, tentara a virada de mesa na noite de segunda-feira para terça-feira, alegando proteger o país dos comunistas norte-coreanos e dos “agentes antiestatais”, mas a insanidade não emplacou, graças à pronta resistência do povo sul-coreano e da Assembleia Nacional, barrando o golpe, segundo indicam as agências de notícias.

Ele tentara arrastar os militares sul-coreanos para sua aventura, mas agora diz que irá cumprir o artigo 77 da Constituição sul-coreana que obriga o presidente a acatar a derrubada da lei marcial pelo parlamento. Segundo Yoon, só demorará o necessário para que haja o número mínimo de ministros para assinar a revogação, como a lei determina.

O líder do oposicionista Partido Democrático, Lee Jae-myung, que detém a maioria na Assembleia sul-coreana, disse que os deputados do partido permanecerão no salão principal até que Yoon suspenda formalmente sua ordem.

Os deputados levaram cerca de 2h35 para votar a derrubada da lei marcial de Yoon, revogada por consenso entre os 190 presentes – oposicionistas e governistas – que tinham conseguido chegar ao prédio da Assembleia Nacional, assim que o aspirante a ditador surpreendeu o país com sua bravata.

O presidente da Assembleia, Woo Won Shik, declarou a lei marcial “inválida” e afirmou que os legisladores iriam “proteger a democracia com o povo”. O plenário irrompeu em aplausos e vivas, que puderam ser ouvidos pela multidão que aguardava a decisão nas imediações. Após a votação, policiais e militares foram vistos deixando o terreno da Assembleia.

A repórteres, Lee afirmou que os legisladores do Partido Democrata, “incluindo eu e muitos outros, protegerão a democracia e o futuro de nosso país e a segurança pública, vidas e propriedades, com nossas próprias vidas”. Nas eleições de 2022, Lee perdeu para Yoon por escassos 0,7% dos votos.

Jo Seung-lae, um legislador democrata, revelou que as imagens das câmeras de segurança após a declaração de Yoon mostraram que as tropas se moveram de uma maneira que sugeria que estavam tentando prender Lee, Woo e até Han Dong-hoon, o líder do Partido do Poder Popular de Yoon. Han, aliás, foi uma figura essencial para obter a unanimidade na derrubada da lei marcial.

Antes da votação, alguns manifestantes entraram em confronto com as tropas, mas não houve relatos imediatos de feridos ou grandes danos materiais. Pelo menos uma janela foi quebrada quando as tropas tentaram entrar no prédio da Assembleia. Uma mulher tentou, sem sucesso, puxar um rifle de um dos soldados, enquanto gritava “Você não se envergonha?”.

Agora, Yoon pode experimentar a angústia de aprendiz de feiticeiro: em frente à Assembleia, centenas de pessoas, agitando faixas, pediram seu impeachment, o que já vinha acontecendo antes, e pode se intensificar. Nas eleições de abril, o partido de Yoon sofreu uma grande derrota.

O decreto de lei marcial de Yoon era uma fabricação ridícula: de acordo com a constituição da Coreia do Sul, o presidente pode declarar a lei marcial durante “situações de guerra, semelhantes a guerras ou outros estados de emergência nacional comparáveis” que exigem o uso de força militar para manter a paz e a ordem”.

Tudo o que havia ocorrido na véspera era que a Assembleia Nacional tinha impichado um procurador da patota de Yoon, por omissão na investigação sobre a primeira-dama, e tinha minorado os cortes dos gastos sociais da lei de orçamento apresentada pelo governo, voltada para satisfazer os banqueiros e liberar dinheiro para a guerra, com o objetivo de facilitar a constituição de uma “Otan asiática”, como vem articulando a potência que ocupa o sul da Coreia há sete décadas.

Se a lei marcial tivesse emplacado, o acuado Yoon fecharia o parlamento, proibiria protestos e greves e estaria com as mãos livres para censurar e reprimir em massa.

Yoon se elegeu em 2022 após ganhar notoriedade durante o processo de impeachment por corrupção da então presidente conservadora Park Geun-hye, encenando drenar o pântano em Seul e é visto como uma espécie de Trump sul-coreano. Ele também se dedicou a destruir qualquer laço com a Coreia do Norte, por mínimo que fosse, e trouxe navios de guerra nucleares norte-americanos de volta aos portos sul-coreanos.

Em Washington, a Casa Branca disse que os EUA estavam “seriamente preocupados” com os acontecimentos em Seul. Um porta-voz do Conselho de Segurança Nacional disse que o governo Biden não foi notificado com antecedência sobre a lei marcial.

Falando em um evento com o embaixador do Japão em Washington, o vice-secretário de Estado dos EUA, Kurt Campbell, reiterou que a aliança EUA-Coreia do Sul é “férrea” e os EUA “apoiarão a Coreia em seu tempo de incerteza”. Declaração que ele achou por bem amenizar, dizendo esperar que as atuais disputas fossem resolvidas “pacificamente e de acordo com o Estado de Direito”.

Fonte: Papiro