26.03.2024 – Presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva e o Presidente da República Francesa, Emmanuel Macron, junto à Sumaúma, a maior árvore da Amazônia, na Ilha Combu. Belém – PA. Foto: Ricardo Stuckert / PR

O tão aguardado acordo entre o Mercosul e a União Europeia, concluído após 25 anos de negociações, estabelece compromissos inéditos nas áreas ambiental e democrática, marcando uma nova era nas relações comerciais entre os dois blocos.

Com mecanismos para suspender o pacto em caso de violações ao Acordo de Paris sobre mudanças climáticas ou rupturas democráticas, o texto sinaliza uma tentativa de equilibrar interesses econômicos com responsabilidades globais. No entanto, desafios de implementação e críticas sobre sua eficácia colocam em perspectiva as dificuldades de harmonizar agendas distintas.

Aspectos ambientais e compromissos do acordo

Um dos pontos centrais do acordo é a inclusão de cláusulas ambientais robustas, que vinculam o cumprimento do tratado ao Acordo de Paris. Essa inovação reflete o peso crescente das questões climáticas nas negociações comerciais internacionais. O texto reafirma que ambos os blocos devem trabalhar pela redução de emissões de gases de efeito estufa e pela adaptação aos impactos climáticos, sempre respeitando as diferenças entre países desenvolvidos e em desenvolvimento.

No entanto, a implementação efetiva dessas obrigações suscita dúvidas. Organizações como o Greenpeace alertam que o acordo pode incentivar o desmatamento, especialmente na Amazônia, ao aumentar a demanda por produtos agrícolas. O pacto prevê a criação de um Subcomitê de Comércio e Desenvolvimento Sustentável, responsável por monitorar o cumprimento dessas normas e recomendar ações em casos de descumprimento.

Adicionalmente, um mecanismo de compensação foi incluído para proteger o Mercosul de eventuais impactos de novas regulamentações ambientais europeias que possam restringir o acesso de seus produtos agrícolas ao mercado europeu. Caso leis ambientais prejudiquem o livre comércio, o bloco afetado terá direito a compensações comerciais, como aumento de tarifas em outros setores.

Proteção democrática como pilar central

Outra inovação significativa é a vinculação do acordo a princípios democráticos e de direitos humanos. O texto prevê sanções em caso de golpe de Estado ou violações graves desses princípios em qualquer dos países signatários. Esse dispositivo é especialmente relevante em um cenário geopolítico em que ameaças democráticas têm emergido em diversas partes do mundo.

Por exemplo, a cláusula apresenta uma salvaguarda contra possíveis retrocessos ambientais e democráticos, seja em um cenário hipotético de abandono do Acordo de Paris por um governo futuro no Brasil ou de enfraquecimento do controle ambiental na Amazônia. A União Europeia também estará sujeita a sanções caso descumpra compromissos climáticos ou sociais.

Críticas e perspectivas

Apesar das inovações, o pacto enfrenta críticas significativas. Países como França, Polônia, Itália e Holanda resistem à sua ratificação, apontando preocupações com os impactos ambientais e concorrenciais. O temor europeu é que o acordo incentive práticas insustentáveis no Mercosul, enquanto as economias do bloco sul-americano temem um uso abusivo das cláusulas ambientais como pretexto para protecionismo comercial.

Além disso, o texto reconhece que políticas ambientais não devem comprometer a produção de alimentos, em especial nos países em desenvolvimento. Essa concessão reforça o princípio de responsabilidades comuns, mas diferenciadas, fundamental para que países como o Brasil possam equilibrar ações climáticas com a dependência econômica de sua agroindústria.

Um longo caminho pela frente

Embora celebrado como uma vitória diplomática pelo governo brasileiro, o acordo enfrenta um árduo caminho até sua implementação. Ele ainda precisa ser ratificado pelos parlamentos dos países membros dos dois blocos. A resistência interna na União Europeia, aliada às complexidades de adaptação às exigências climáticas, sugere que sua operacionalização será lenta e cheia de desafios.

No entanto, o pacto estabelece um importante precedente: o de que os compromissos ambientais e democráticos não são apenas apêndices, mas elementos centrais nas relações comerciais do século 21. Se implementado com rigor, o acordo pode inaugurar um modelo de cooperação que alinha crescimento econômico a valores globais, mas o risco de que se torne uma arma de disputa protecionista ainda preocupa ambos os lados.

(por Cezar Xavier)