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Homens negros têm três vezes mais chances de morrerem por disparos de armas de fogo do que os brancos. Em uma década, de 2012 a 2022, 79% das vítimas de homicídio do sexo masculino eram negras.

Os dados são baseados em levantamentos do Ministério da Saúde e integram o relatório “Violência Armada e Racismo: o papel da arma de fogo na desigualdade racial”, divulgado na manhã deste terça-feira (20) pelo Instituto Sou da Paz.

De 2012 a 2022, cerca de 38 mil homens foram mortos baleados, sendo a faixa etária de 20 a 29 a mais atingida por esse tipo de crime, com 43% dos casos. Vítimas com idades de 30 a 59 anos somam 40%.

Esses dados indicam que, para cada três homens assassinados no Brasil, dois são mortos por armas de fogo. É justamente na fase produtiva dos homens em que cresce a chances de mortes, já que 43% das mortes ocorrem na faixa de 20 a 29 anos, e 40%, entre 30 e 59 anos.

A pesquisa Violência armada e racismo: o papel da arma de fogo na desigualdade racial está na terceira edição do relatório que chama atenção para o fato da violência armada ser um problema também de causas raciais e de gênero, o que evidencia a necessidade de integrar políticas de segurança pública e políticas sociais para a solução do problema.

Além da alta mortalidade por arma de fogo, eles representam 68% dos atendidos no sistema de saúde em razão de algum tipo de agressão armada. “A desigualdade racial está no cerne da mortalidade por arma de fogo no país”, afirma a diretora-executiva do Instituto Sou da Paz, Carolina Ricardo.

A pesquisa foi realizada entre 2012 e 2022 em todas as regiões brasileiras. Em Minas Gerais, a taxa de homens negros assassinados por arma de fogo, em 2022, mostra que, a cada 100 mil vítimas, 21,6 eram negros e 8,8 não negros, enquanto, em Belo Horizonte, esse número fica em 26 negros mortos e 12 não negros, no total de 100 mil homens vitimados  pela violência.

Para a coordenadora de projetos do Instituto Sou da Paz e uma das autoras da pesquisa, Cristina Neme, os dados mostram a permanência da desigualdade racial entre as vítimas da violência armada. “A população negra é muito mais vitimada pela violência no país, o que demonstra que a desigualdade racial segue como um problema estrutural no Brasil”, afirma.

Ela reforça a constatação de que a população negra sofre com os piores índices sociais, considerando, em um espectro mais amplo, questões como maiores dificuldades quanto acesso à educação, saúde e renda, se comparado aos brancos.

“A violência conecta tudo isso. Mostra que os negros são mais vulneráveis socialmente e mais expostos à violência armada. E isso se mantêm ao longo do tempo. Hoje, o dia especial é um momento de falar sobre os aspectos positivos acerca da participação dos negros no país, mas também sobre a necessidade de se ter políticas públicas eficazes que possam reverter esse quadro de violência, tão grave”, diz Cristina.

O Nordeste continua sendo a região que concentra a maior taxa de homicídios armados, com 57,9 mortes por 100 mil homens. A região é seguida pelo Norte, que tem uma participação proporcional baixa, mas uma taxa alta de 49,1. O Centro-Oeste (27) vem atrás, seguido do Sul (23,2) e do Sudeste (16,1).

As vias públicas concentram 50% das ocorrências dos homicídios, mas esse dado se altera conforme a faixa etária. Essa característica reforça a ideia de que a violência armada no Brasil é altamente visível, gerando impactos diretamente na sensação de segurança coletiva. A rua é o espaço onde ocorre a violência a partir da adolescência, passando pela juventude e vida adulta, na medida que a residência se destaca como local da agressão armada contra crianças e pessoas mais velhas.

Em 2022, foram registradas 4.702 notificações de violência armada não letal contra homens no Brasil. A desigualdade racial também é notada nesse aspecto – os homens negros são a maioria das vítimas em quatro das cinco regiões do país. A análise dos números em termos relativos revela que todas as regiões apresentam taxas de notificação de violência armada não letal superiores para os homens negros.

As informações disponíveis sobre a autoria da agressão armada indicam que a maior parte das pessoas que cometem a agressão é desconhecida, o que representa 46% dos casos. Já as pessoas conhecidas são 17% e 7% policiais. A idade das vítimas também altera o perfil dos agressores. Os autores conhecidos têm uma  maior participação nos casos de violência armada contra crianças – eles representam 32% dos algozes. Já entre os adolescentes e adultos jovens, os policiais respondem por 9% das agressões. 

O levantamento do Instituto Sou da Paz foi divulgado hoje, 20 de novembro, Dia da Consciência Negra. A data reverencia o povo negro fazendo uma alusão à morte de Zumbi dos Palmares, líder do Quilombo dos Palmares, como resistência contra a escravidão. “A data é um símbolo de luta, resistência e orgulho. Esse é um momento para reforçar a luta contra o racismo e a necessidade de honrar as contribuições africanas na formação da sociedade brasileira”, diz o professor de história do Centro Universitário de Brasília (CEUB), Edson Violim.

Segundo o docente, as raízes africanas são uma parte essencial da identidade e da história do Brasil. “O nosso jeito de ser, enquanto brasileiros, não veio da Europa, mas sim da África. A cultura negra está presente na nossa culinária, música e esporte”, acrescenta.

Por outro lado, mesmo em tempos atuais, combater o racismo e o preconceito deve ser uma luta de todos os brasileiros, sobretudo pela herança mista da população. “Negar o racismo no Brasil é tapar o sol com a peneira. Ele existe, sim, e precisamos combatê-lo. Precisamos enfrentar essa questão com seriedade e manter a luta contra o racismo. Esse flagelo ainda marca nossa sociedade”.

Fonte: Página 8