Fiasco democrata reconduz Trump à Casa Branca após campanha racista
A mídia – fazendo as vezes de um inexistente, nos EUA, “TSE” – anunciou na manhã de quarta-feira (6) que o candidato republicano e ex-presidente Donald Trump venceu as eleições, superando, tanto no colégio eleitoral (277 a 224) quanto no voto popular, com cinco milhões de vantagem, a vice de Biden e candidata democrata, Kamala Harris, e de lambuja, levou também o Senado, além de se manter à frente também na Câmara de deputados, contrariando as pesquisas que asseveravam, até à véspera, que a disputa estava empatada.
Assim, estamos testemunhando um colapso histórico do Partido Democrata, antecipado na tentativa de trocar Biden pelo riso encenado de Kamala Harris, algo como mudar a turbina do avião em pleno voo, operação que flopou e não trouxe de volta os eleitores.
Após o anúncio da AP, um “clima fúnebre” se espalhou no QG democrata e Kamala sequer conseguiu discursar. Ao final do dia, tanto Biden quanto Kamala telefonaram para Trump, reconhecendo sua vitória e se prontificando para a transferência de poder.
Trump ganhou em cinco Estados-pêndulo (Geórgia, Wisconsin, Michigan, Carolina do Norte e Pensilvânia) e está a caminho de vencer nos outros dois (Arizona e Nevada), enquanto Kamala ficou atrás dos totais de votos conquistados por Biden em 2020 em praticamente todos os Estados e condados dos EUA. Vai levar dias para definir a situação na Câmara.
72 MILHÕES DE VOTOS A 67 MILHÕES
Diante da improvável suposição de que 72 milhões de eleitores hajam, especialmente, se entusiasmado pelo histórico de biliardário, fascista, xenófobo, racista e assediador contumaz, Trump, talvez seja mais proveitoso analisar porque o enxerto de Kamala só fez agravar a débâcle que se insinuava desde julho, quando uma performance desastrosa de Biden em um debate fora de época – antes das primárias – acabou levando à renúncia da candidatura.
Embora os contos de terror de Trump de imigrantes que “comem cachorros de estimação” ou despejados de “presídios e hospícios na fronteira sul” hajam tido ressonância em certas orelhas – para as quais sempre soou como música ditos como ‘índio bom é índio morto’ ou ‘lincha o escravo fugido’ -, não é isso que explica que, depois de esconjurado por assaltar o Capitólio para fraudar e virar a eleição que perdera e após o desastre no enfrentamento da pandemia, o biliardário e especulador imobiliário, que se fantasia de protetor dos pobres, dê tal volta por cima.
Desde os anos Clinton, com exceção da euforia de 2004 com a invasão do Iraque, os republicanos não venciam os democratas no voto popular. Hillary vencera por diferença de 3 milhões de votos e Biden, por sete milhões.
A PERGUNTA QUE NÃO QUER CALAR
Possivelmente a explicação esteja na situação vivida pela população dos EUA, que se sentiu traída por Biden e suas promessas de “mudança”. Comício após comício Trump fazia a seguinte pergunta aos participantes: “Você economicamente está pior ou melhor que há quatro anos?”, registraram as agências de notícias. Ao que se vê, as urnas falaram. “É a economia, estúpido”, como ficou marcado quando Clinton derrotou Bush Pai.
Pesquisas de boca de urna confirmam tal veredicto. Dois terços dos eleitores consideraram situação da economia “não tão boa/ruim”, com apenas 35% endossando. Para pouco menos da metade dos eleitores sua própria situação econômica estava “pior do que há quatro anos”, o dobro dos que sentiam ter melhorado sob Biden.
75% disseram que a inflação causou dificuldades familiares no ano passado. Mais de 70% declararam estar zangados ou insatisfeitos com o estado do país, com apenas 7% dizendo-se entusiasmados. Em maio, a aprovação de Biden já tinha despencado para 36%.
Também o crescimento econômico foi abaixo da média global: 2,5% em 2023, contra a média de 3,2% e muito longe do crescimento de países como a China e a Índia.
“INFLAÇÃO PSICOSSOMÁTICA”
As proclamações por Biden e Kamala de que a economia ia muito bem não convenceram os eleitores, que sofreram sob a alta dos aluguéis e a escalada de preços dos alimentos e energia. Com preços entre 20% a 30% mais caros do que há quatro anos. Até uma nova expressão surgiu, a “shrinkinflation”, a inflação por meio da redução do peso e manutenção do preço.
Como registrou o editor de Counterpunch, Jeffrey St. Clair, “a insatisfação com a economia pós-pandemia é evidente há pelo menos dois anos”. Mas Biden e Harris “não fizeram nada para resolver a questão central da eleição”, exceto dizer às pessoas que a dor econômica que estavam sentindo “era psicossomática”.
Aliás, perda de poder aquisitivo que também gerou a maior onda grevista nos EUA em décadas. É do Counterpunch também a observação de que, entre as famílias com até US$ 100 mil de renda anual, enquanto Biden em 2020 ganhou de Trump “por 70% a 29%”, nesta eleição Kamala praticamente empatou com Trump por “48% a 49%”.
St. Clair lembrou, ainda, que Kamala “esperou até às últimas duas semanas da campanha para pediu um aumento no salário mínimo federal” (que está congelado desde 2009), enquanto em Missouri, onde Trump venceu, os eleitores aprovaram o aumento do salário mínimo estadual para US$ 15 a hora até 2026 e licença médica remunerados aos trabalhadores.
JUROS: “MUITO POUCO E MUITO TARDE”
Mas a perda de poder aquisitivo também teve como agravante a escalada dos juros mantida por Biden ao longo de três anos de seu mandato, num país em que o cartão de crédito é a última tábua de salvação para muitos, o que também repercutiu na alta das hipotecas, tornando mais e mais difícil o sonho da casa própria e elevando o risco de perda das hipotecadas.
O corte de juros, foi, como costumam dizer os comentaristas, “muito pouco e muito tarde”: de 0,5 ponto percentual, em setembro deste ano, na primeira diminuição desde março de 2020, quando a pandemia começou (depois de mais de uma década de juro zero ou negativo no pós-crash de 2008).
O PREÇO DA CUMPLICIDADE
Também não é nenhum segredo que uma parcela importante do eleitorado se sentiu atingida pela política de Biden, da qual Kamala não se diferenciou, de cúmplice, fornecedor de bombas e pagante do genocídio em Gaza. Um genocídio que não para há um ano, crianças, mulheres, hospitais, gente na fila da comida, o primeiro genocídio da história transmitido por streaming, pior ainda que as fotos de Mi Lai ou da menina vietnamita nua na estrada, queimando por causa do napalm em 1969.
Assim, Kamala perdeu no condado onde fica Dearborn, uma “área 90% muçulmana que Biden venceu por 88% dos votos há quatro anos”, por 27,6% a 46,8% de Trump. A verde Jill Stein obteve ali 22,1%. O jornalista lembrou, ainda, que na convenção que aclamou Kamala candidata, um orador antigenocídio teve sua fala banida, mesmo “disposto a fazer um discurso manso, não conflituoso e pré-aprovado”.
O que explica que Kamala haja sido seguida, nos comícios, pelo coro de “Kamala/ you can’t hide/you defend genocide” [Kamala/ você não pode esconder/ que você defende o genocídio].
A OPÇÃO AZOV
Kamala também não quis se diferenciar da política de guerra por procuração da Otan contra a Rússia na Ucrânia, em que Biden forneceu bilhões e toneladas e mais toneladas de armas ao regime neonazista de Kiev, enquanto Trump se arvorava de denunciante de que, se Kamala vencesse, levaria o mundo à III Guerra Mundial, nuclear, e prometendo, inclusive, “parar com as guerras”.
Assim, a cínica estratégia eleitoral de Biden/Kamala de combinar uma agenda imperialista implacável e genocida com apelos à política identitária e exortações à democracia mostrou-se um completo fiasco, com Trump logrando fazer incursões importantes entre os jovens, os negros e os latinos.
GERAÇÃO Z
Entre os jovens eleitores, Trump venceu por 9%, em comparação com uma derrota de 30 pontos para Biden em 2020. Ele conquistou a maioria dos eleitores latinos na Pensilvânia, a maioria dos eleitores jovens em Michigan e a maioria dos homens latinos na Carolina do Norte, e dobrou seu apoio entre os eleitores afro-americanos em Wisconsin. Ali, segundo pesquisa de boca de urna, Trump passou a ter cerca de 20% dos votos negros; quatro anos antes tivera apenas 8%, registrou o World Socialist.
St. Clair fez uma suposição sobre porque isso aconteceu, apontando que Kamala “desempenhou seu papel como uma promotora durona em uma época de tiroteios policiais recordes – não é de admirar que seu apoio a homens negros e hispânicos tenha entrado em colapso”.
A mobilização contra a criminalização do aborto, que jogou um papel na disputa eleitoral, não podia, porém, diante da ordem de problemas com que o país se defronta, se tornar a questão que virava o jogo eleitoral – o que fora conseguido em 2020, diante da comoção causada pelo assassinato de George Floyd por um policial racista, sufocado com o joelho por nove minutos, à luz do dia. Kamala venceu bem entre as eleitoras mulheres, mas não o suficiente.
O VAZIO DE KAMALA
O editor da Counterpunch também não vê como Kamala podia se sair de forma diferente numa eleição como essa. “Ela não podia dizer honestamente que havia feito uma campanha vigorosa que defendia os pobres, os oprimidos e os sem voz ou que lutou pela paz e pela dignidade humana e para consertar a crise ambiental”, disse St. Clair sobre a “corrida condenada”.
Visto de fora, ele acrescentou, “toda a campanha de Harris parecia ser sobre salvar um sistema econômico (neoliberalismo) que ela descreveu falsamente como ‘democracia’, que não está funcionando para grandes segmentos da esquerda e da direita; ao mesmo tempo, ela e Biden estavam desrespeitando um sistema internacional de leis para armar e financiar um genocídio em Gaza. As hipocrisias eram transparentes demais para serem sustentadas”.
A pretensão marqueteira de apresentá-la como a “mudança” também não tinha o menor espaço na realidade, como mostrado na entrevista de Kamala no Stephen Colbert show, que pretendia ser um impulso à sua campanha.
“Sob uma administração Harris, quais seriam as principais mudanças e o que permaneceria o mesmo?”, perguntou Colbert, ajeitando a bola para Kamala chutar.
A resposta foi no melhor estilo Rolando Lero: “Claro. Bem, quero dizer, obviamente não sou Joe Biden. Então essa seria uma mudança. Mas também acho importante dizer que faltam 28 dias, não sou Donald Trump.”
Em outra entrevista, no que obviamente seria uma eleição de “mudança”, como assinalou St. Clair, quando Kamala teve a chance de se diferenciar de Biden, ela disse que não havia “nada em que ela pudesse pensar” que faria diferente. Que falta faz um teleprompter às vezes…
“CICATRIZAR AS FERIDAS”
Apesar de, em seu discurso da vitória, Trump haver alardeado que iria “cicatrizar as feridas” dos Estados Unidos, o país permanece profundamente dividido e é difícil ver nele a mínima condição para tal. Ele também prometeu uma “nova época de ouro”.
O que está em contradição contra a realidade da época atual, de desmanche do mundo unipolar sob ordens de Washington, ou dito menos poeticamente, a ditadura norte-americana sob o planeta que se seguiu à queda da União Soviética. E instauração de um mundo multipolar, mais fraterno, seguro, menos desigual e pleno de soberania, como vislumbrado na recente cúpula dos BRICS em Kazan.
O regime Biden tentou ser um bunker da preservação desse mundo unipolar, apostou tudo na guerra por procuração na Ucrânia, decretou a mais extensa guerra econômica à Rússia, a ponto de por em risco o galho em que o império está sentado, o dólar, como disse o chanceler russo Lavrov, e atuou incansavelmente, em meio a tropeções em escadas de avião ou em palcos, para provocar a China no Estreito de Taiwan e estender a guerra tecnológica, além das articulações para a “Otan asiática”.
A eleição também foi festejada na Bolsa de Wall Street, com o índice Dow Jones subindo 3,4%, o recorde desde novembro de 2022. O índice Russel 2000 teve alta de 4,7%.
ESTADO PROFUNDO
Agora, a bola estará com Trump, com a Rússia tendo observado que as decisões nos EUA são mesmo é do Estado Profundo, entra governo sai governo e que não há como parar a guerra sem que as causas profundas tenham sido resolvidas.
O que se aplica a deter a expansão da Otan e o respeito aos de fala russa, no caso da Ucrânia, e ao Estado Palestino, no caso do Oriente Médio e, em última instância, a preservação do princípio da segurança coletiva indivisível. Boatos sobre a candidatura de Mike Pompeo a chefe do Pentágono não ajudam muito.
A desindustrialização dos EUA foi uma decisão de sua própria elite, em prol da hiperfinanceirização sob controle norte-americano e não será revertida apenas por uma guerra de tarifas, mas a solução terá que ser buscada pelos próprios norte-americanos, que impuseram a todos a globalização sob o molde que prevaleceu e agora reclamam.
A diplomacia chinesa parabenizou Trump pela eleição, com a chancelaria augurando relações marcadas “pelos princípios do respeito mútuo, coexistência pacífica e cooperação benéfica para todos”.
TRUMP EM SEU LABIRINTO
Apenas há um século outro presidente, após não ser reeleito, conseguira o feito, agora igualado por Trump, de voltar a ser o inquilino da Casa Branca. Uma proeza, considerando os indiciamentos a que foi submetido pela Justiça sob Biden e inclusive uma inédita condenação. Agora, deve tudo ser varrido para debaixo do tapete.
Chama a atenção também os dois episódios de atentado, o mais grave deles em que um participante de comício foi morto a tiro, e que lhe rendeu uma foto emblemática, ao estilo Iwo Jima, Trump ladeado por agentes secretos e com a orelha ferida de raspão. Na época, chegou a ser dada como a foto da vitória.
Anteriormente à promessa de “curar as feridas” dos EUA, Trump prometeu dar um trato no “inimigo interno”, seja lá isso o que for. Já no seu discurso, Trump agradeceu ao bilionário Elon Musk pelo apoio naquela que foi a mais cara campanha eleitoral da história dos EUA, chegando à cifra de US$ 16 bilhões de dólares. Por decisão da Suprema Corte de 2010, despejar dinheiro nas campanhas – isto é, comprar votos ou subornar preventivamente – faz parte da “liberdade de expressão” dos magnatas.
A eleição também propiciou ao mundo, que de certa forma se acostumara às preleções de Washington sobre “eleições democráticas”, ver como o sistema norte-americano é profundamente parcial e sequer dotado de um sistema de justiça eleitoral digno desse nome, onde o partido no poder na hora da eleição é que “coordena” a lambança, com cada Estado tendo suas próprias regras onde a cédula é decidida no famigerado colégio eleitoral e não no voto popular.
Levando em conta que o governo de Biden também foi o da maior onda grevista em décadas e das manifestações contra o genocídio, espalhadas pelas universidades e cidades do país, engana-se quem acha que o fascismo vai nadar de braçada nos EUA.
Fonte: Papiro