Coluna de fumaça sobe em Beirute após explosão de bomba atirada por jatos israelense | Foto: Reprodução

Completa um ano o genocídio perpetrado por Israel contra os palestinos em Gaza – e que estendeu ao Líbano nas últimas duas semanas -, em meio ao maior isolamento do regime supremacista desde 1948 e à indignação no mundo inteiro com tal barbárie e apoio à libertação palestina.

Nas altas rodas israelenses, a temeridade chegou ao ponto de declarar guerra à ONU, proclamando o secretário-geral Guterres como “persona non grata” por se pronunciar contra a escalada, notoriamente voltada para mergulhar a região em uma guerra generalizada, de forma a manter o apartheid incólume, escapar do veredicto da Corte Internacional de Justiça e resolver problemas domésticos com corrupção.

Aquela “Ofensiva do Tet” palestina de 7 de Outubro – cuja raiz, percebeu Guterres, era “uma ocupação sufocante por 56 anos” na maior prisão a céu aberto do planeta – acabou por transformar radicalmente o quadro no Oriente Médio, trazendo de volta à cena internacional o cumprimento, ainda que tardio, da decisão de 1948 que, ao criar Israel, também declarou o direito palestino a seu Estado soberano, ainda por cumprir.

Tal qual nos idos de 1968 a Ofensiva do Tet original decretou a falência da fantasia reacionária de que seria eterno o jugo colonial sobre o Vietnã e seu povo. Como revelado em tantos episódios da luta anticolonial, expressado por Brecht em seu famoso poema: “Do rio que tudo arrasta se diz que é violento/ mas ninguém diz violentas/ as margens que o comprimem”.

Um mês antes do levante de Gaza, na Assembleia Geral da ONU de 2023, o primeiro-ministro Netanyahu havia exibido um mapa, em que não existia qualquer vestígio da Palestina, de um Israel “do rio ao mar” que estaria prestes a se concretizar, apagando a soberania palestina da história, com “normalização” sem “paz por terra”, sob os ‘acordos de Abraão’ impulsionados por Trump e mantidos por Biden.

“A região está mais silenciosa do que há décadas”, chegou a se gabar o conselheiro de Segurança Nacional de Biden, Jake Sulivan, em um ensaio para a revista Foreign Affairs.

Agora, como registrou David Hearst, do Middle East Eye, “a Palestina tornou-se a causa número um de direitos humanos do mundo e está no topo da agenda de esforços para garantir a justiça internacional”.

“Como resultado de sua guerra, Israel perdeu o Sul Global e grande parte do Ocidente também.”

“A Palestina tornou-se a causa número um de direitos humanos do mundo e está no topo da agenda de esforços para garantir a justiça internacional, com casos em andamento no Tribunal Penal Internacional e na Corte Internacional de Justiça.”

E finalmente teve assento na Assembleia Geral da ONU, no caminho para isolar e, depois barrar, o veto dos EUA há décadas à existência real do Estado Palestino.

Contra os “animais humanos” – não haveria “palestinos inocentes”, isto é, civis -, o regime apodrecido pela fusão com a fina flor do Kahanismo (a mais escrachada ‘modalidade’ de fascismo israelense) e com os assaltantes de terra da Cisjordânia, deixou de lado qualquer consideração com a proporcionalidade e a decência, jogando pela janela a empatia do mundo inteiro pelos descendentes das vítimas da maldade do nazismo, ao se mostrarem ao mundo cometendo, em pleno século 21, contra os palestinos, perversidade em tudo análoga.

Um quadro dantesco. 42 mil mortos, a maioria mulheres e crianças, de acordo com o ministério da Saúde de Gaza, mais 95 mil feridos e mutilados. Segundo a prestigiosa revista médica britânica The Lancet, que já fizera tal cálculo no caso da invasão do Iraque pelos marines, o extermínio em Gaza alcança 189 mil mortos, quando são incluídas as mortes indiretas, por causas como a fome, falta de assistência médica, morte sob escombros e desamparo. Pelo menos mais 11 mil estima-se que estejam sob os escombros deixados pelos bombardeios israelenses com as bombas norte-americanas.

Quase 6% da população de Gaza: eis a dimensão do extermínio. Mais de dois milhões de pessoas tangidas de suas casas a tiro, bomba ou ameaça. Gaza está reduzida a 42 milhões de toneladas de escombros, segundo a ONU, cujo reparo levará décadas. Os bombardeios não pouparam escolas, hospitais, mesquitas, universidades, estações de tratamento de água, ou abrigos.

Soldados que exibem suas taras pelo TikTok. Centros de tortura normalizados e exaltação aos torturadores. O maior número de jornalistas já morto em qualquer conflito no mundo. Médicos, paramédicos e ambulâncias bombardeados.

A alta tecnologia fazendo sua estreia em grande estilo no genocídio, com algoritmos de AI acelerando a carnificina. Serial-assassinatos políticos, num grau de dar inveja aos nazistas. Ataques a comboios humanitários, reduzidos a 10% de antes da invasão, com a fome grassando a ponto de mães darem aos filhos ração de animal e grama. Falta de remédios, com cirurgias feitas sem anestesia.

Na agressão ao Líbano, o regime Netanyahu realizou uma onda de atentados usando dispositivos de uso civil, como bipes e walkie-talkies, com centenas de pessoas mutiladas nos olhos e mãos. Depois, os bombardeios e assassinatos políticos.

Também chama a atenção a opção do regime Netanyahu de priorizar a devastação de Gaza à volta dos reféns através de um acordo de cessar-fogo. Registre-se que os reféns palestinos mantidos por Israel – os presos mantidos indefinidamente sem acusação formal – são cerca de 10 mil.

No mundo inteiro, jamais foi tão ampla a solidariedade para com os palestinos, com as novas gerações descobrindo a altivez da luta por seu Estado e direitos. As manifestações contra o genocídio são as maiores desde os atos contra a invasão do Iraque, e lembram os protestos contra a Guerra do Vietnã.

E se aprofunda a percepção de que é imperioso estabelecer um Estado palestino soberano, nas fronteiras de 1967, contíguo e viável e com capital em Jerusalém Oriental, como salientou o chanceler russo Sergey Lavrov em discurso ao Conselho de Segurança da ONU.

É particularmente notável como a juventude norte-americana tem abraçado a solidariedade aos palestinos, apesar de toda a pressão contrária por parte do establishment. Manifestações contra o genocídio e pelo cessar-fogo nas quais a comunidade judaica participou intensamente, com grupos como Voz Judaica pela Paz e IfNotNow.

No interior de Israel surge a resistência ao fascismo, à carnificina e assalto a terras palestinas na Cisjordânia: já são 180 organizações humanitárias com a participação conjunta de árabes e judeus, sendo as principais B’Tselem (especializada em denunciar o apartheid na Cisjordânia), famílias enlutadas (com a participação de 700 famílias judias e árabes), De Pé Juntos, Uma Terra Para Todos e Bloco da Paz (fundado pelo ativista e saudoso deputado Uri Avnery).

Portanto, em Israel, a aposta de Netanyahu na guerra e no apartheid amplia as divisões existentes na sociedade israelense, como mostrado pelos protestos contra a subordinação do judiciário aos supremacistas mais furibundos e contra a corrupção de Netanyahu e, depois, pela volta dos reféns. Sem a extrema-extrema-direita, os dias em liberdade do primeiro-ministro estariam contados, e ele não tem pressa nenhuma em acabar com a guerra, ao contrário aposta, montado em dezenas de bilhões de dólares em armamento e munições enviadas pelo governo de Biedn, na conflagração regional, tendo ameaçado abertamente o Irã de ataque nuclear em plena Assembleia Geral da ONU, para depois declarar o secretário-geral, Antonio Guterres “pesona non grata” e proibir sua entrada em Israel.

De acordo como Jerusalem Post, desde o início do confronto, 1.664 israelenses foram mortos, dos quais 706 eram soldados, 17.809 ficaram feridos e cerca de 143.000 pessoas foram evacuadas de suas casas. E a economia está sob enorme stress. “Entre maio e julho, as saídas dos bancos do país para instituições estrangeiras dobraram em comparação com o mesmo período do ano passado, para US$ 2 bilhões”.  No final de agosto — um mês antes de Israel atacar o Líbano – o Instituto de Estudos de Segurança Nacional estimou que apenas um mês de “guerra de alta intensidade” no Líbano contra o grupo militante, com “ataques intensivos” na direção oposta que danifiquem a infraestrutura israelense, poderia fazer com que o déficit orçamentário de Israel disparasse para 15% e seu PIB encolhesse até 10% este ano.

No final de semana, multidões saíram às ruas nas principais cidades da Europa, África e Américas em apoio aos palestinos e libaneses, pelo cessar-fogo e contra o apartheid. Milhares em Londres, Paris, Roma, Madrid, Cidade do Cabo, Nova Iorque, Washington, Santiago do Chile e Caracas.

Na África do Sul, no centro da Cidade do Cabo, milhares de pessoas manifestaram-se agitando bandeiras palestinas e entoando slogans como “Israel é um Estado racista”.

40 mil na capital inglesa denunciaram que o primeiro-ministro Starmer “tem sangue nas mãos”, pediram cessar-fogo agora, suspensão total do envio de armas a Israel e bradaram “Tirem as mãos do Líbano”. Marcha em Roma pediu o fim do genocídio. Em Paris, Lyon e Tolouse, mais solidariedade aos palestinos e libaneses. “Um ano de genocídio”, denunciou protesto em Berlim.

Fonte: Papiro