Com os estudantes e professores da Universidade Federal da Integração Latino-Americana (UNILA) Luis Carlos Prestes Filho abraça o Monumento Coluna Prestes de Santa Helena, Estado do Paraná. Montagem sobre foto de Luis Carlos Prestes Filho

No marco do centenário da Coluna Prestes, movimento que atravessou o Brasil em uma marcha histórica entre 1924 e 1927, a reportagem conversou com Luis Carlos Prestes Filho, cineasta e especialista em Economia da Cultura e Desenvolvimento Econômico Local, sobre a relevância e atualidade das bandeiras defendidas por seu pai, Luis Carlos Prestes, e seus companheiros militares para o Brasil de hoje.

Ao contatar a reportagem, Prestes Filho estava saindo de uma palestra sobre o assunto, justamente em Santo Ângelo (RS), de onde partiu a Coluna, em 28 de outubro de 1924. Prestes, então comandante do 1º Batalhão Ferroviário de Santo Ângelo, uniu forças com outros revoltosos com o objetivo de se encontrar com remanescentes da Revolta Paulista de 1924, em uma tentativa de dar continuidade ao levante. Assim nasceu a Coluna Prestes, oficialmente conhecida como a 1ª Divisão Revolucionária, ou Coluna Miguel Costa-Prestes.

Assim como em outras ocasiões, em que viajou por pontos de parada dos 25 mil quilômetros da Coluna, o cineasta e músico, circula novamente por algumas dessas localidades marcadas pela passagem de seu pai e demais militares. Muitas dessas localidades ganharam monumentos em homenagem à Coluna, arquitetados por Oscar Niemeyer, a partir da proposta de Prestes Filho e as prefeituras.

Desta forma, ele faz questão de contar que os cem anos não estão sendo esquecidos, mas lembrados de muitas formas. Com debates e conferências, peça teatral, as composições musicais do próprio Prestes Filho e lançamento do livro “São Luiz Gonzaga – Capital da Coluna Prestes”, de Anderson Iura Amaral Schmitz e Lauro Machado de Oliveira, entre outras iniciativas.

Independência e industrialização: desafios que persistem

Para Prestes Filho, a luta dos tenentes pela independência do Brasil em relação ao capital financeiro internacional é uma bandeira que ecoa cem anos depois. “Na época, tratava-se da independência do capital inglês. Hoje, o país continua dependendo do capital estrangeiro, em especial americano, e de exportações de produtos primários, como soja, carne e minérios,” explica. Ele destaca que, embora o governo e estados brasileiros discutam atualmente a necessidade de reindustrializar o país, o tema segue sem uma resolução satisfatória. “Nossa indústria está sucateada há décadas, e seguimos sem um plano efetivo de combate ao desemprego e de incentivo à industrialização,” afirma.

Tecnologia e ciência: o déficit nacional

São Luiz Gonzaga (RS), 27 de outubro de 2024 – O avô do Jorge Duarte, João Schorn de Moraes, foi soldado da Coluna Prestes. A bala que segura é da época e não foi disparada pela revolução. – Foto: Luiz Carlos Prestes Filho (atrás de Jorge)

Outro ponto levantado é a defasagem tecnológica que ainda acompanha o país. “Em 1924, o Exército brasileiro usava armamentos da Guerra do Paraguai. Hoje, embora a tecnologia seja parte do nosso cotidiano, nossa dependência em ciência e tecnologia é alarmante,” diz, enfatizando que não há avanços significativos em termos de independência tecnológica. “A Coluna defendia uma estrutura de país mais autossuficiente, mas hoje dependemos de adubos, sementes, equipamentos e tecnologia estrangeira em praticamente todos os setores.”

Democracia e inclusão de gênero: avanços e desafios

Segundo Prestes Filho, a Coluna Prestes também defendia o voto secreto e o direito ao voto das mulheres, temas fundamentais à democracia. “A inclusão das mulheres na política brasileira avançou, mas ainda é insuficiente. A Coluna já contava com cerca de 50 mulheres em combate, algo extremamente inovador, mas hoje, em pleno século XXI, nossa representatividade feminina nas instituições ainda é muito baixa,” pontua.

Diversidade e representatividade: uma coluna de todos os Brasis

O cineasta destaca ainda a diversidade étnica e religiosa da Coluna Prestes, enfatizando que essa pluralidade ainda é pouco explorada pela historiografia oficial. “Negros, indígenas, espíritas, católicos e outros perfis de brasileiros participaram da Coluna, refletindo um movimento inclusivo e representativo da realidade nacional,” observa. Em sua obra “Lendas: Coluna Prestes”, ele aborda a diversidade étnica e religiosa, e enaltece eventos que buscam aprofundar o estudo dessas temáticas.

A atualidade das bandeiras da Coluna

Luis Carlos Prestes Filho vê as bandeiras da Coluna Prestes como um chamado à reflexão sobre as questões estruturais ainda pendentes no Brasil. “A Coluna nos faz olhar para trás e perceber que, apesar de vivermos numa época diferente, muitos dos problemas ainda são os mesmos. Precisamos encarar a necessidade de reindustrializar o país, fortalecer nossa ciência e tecnologia, proteger os direitos dos trabalhadores e consolidar nossa democracia,” conclui.

Com uma programação que se estende por várias cidades brasileiras, incluindo Santo Ângelo e Foz do Iguaçu, para ele, as comemorações do centenário da Coluna Prestes são um convite a reviver a história e a refletir sobre o país que queremos para o futuro.

Leia o que disse o entrevistado sobre a importância e a dimensão da Coluna para as novas gerações, já que é um fato que soa tão distante para a juventude de hoje, mesmo sendo muito perene em suas pautas políticas:

A gente tem que olhar para as bandeiras da Coluna e ver sua atualidade, porque no Brasil de 1924, os tenentes lutavam para que o país conseguisse uma independência do capital financeiro internacional. Na época, era a independência do capital inglês. Tem até no primeiro manifesto do papai. Os tenentes entendiam que não podiam mais continuar com a dependência do capital financeiro americano. Então, cem anos se passaram e essa bandeira continua atual.

Bem, outro ponto muito importante, muito atual, é o ponto da industrialização do país. Passaram 100 anos, os tenentes entendiam que o Brasil tinha que começar a produzir e exportar produtos de valor agregado e nós continuamos sendo exportadores de produtos primários: soja, carnes e minérios. É o que garante a balança comercial brasileira. Em 100 anos nós não conseguimos resolver essa questão, e hoje, o governo federal e vários governos estaduais discutem que nós temos que começar a trabalhar para reindustrializar o país, porque há 30 anos que a nossa indústria está sendo sucateada. Então, você vê, de novo, uma pauta parecida.

Outra coisa: os jovens militares, pois o papai estava com 26 anos, eles tinham vergonha da situação do exército brasileiro. Você tinha tropas com armamento da época da Guerra do Paraguai, isso em 1924. Então, tinha acontecido já a Primeira Guerra Mundial, a Europa demonstrou um grande desenvolvimento tecnológico e, na verdade, o exército brasileiro estava vivendo totalmente de uma situação de um atraso completo.

Então isso nos remete a pensar na questão científica e tecnológica. Por exemplo, eu e você estamos nesse momento conversando através de satélites e de celulares em que a única coisa brasileira que tem nisso tudo é a nossa conversa. O resto, os aplicativos, o satélite, o aparelho que você segura, nada é brasileiro. Agora, se a gente pegar, por exemplo, na área da agricultura, você vai ter o adubo russo, as sementes da Monsanto. Os equipamentos que vão fazer colheita, os tratores e colheitadeiras, também são de empresas estrangeiras. Então, na verdade, tanto nas fábricas, no polo automotivo de São Paulo, que nós tanto divulgamos como uma coisa importante para o desenvolvimento econômico brasileiro, como no campo, a dependência tecnológica é total. Então nós temos que investir em ciência e tecnologia. De novo, uma pauta atual.

Também é recorrente o debate sobre a lisura das eleições. Vira e mexe, isso acontece no Brasil. E na época os tenentes lutavam pela bandeira de ter eleições secretas. As eleições eram abertas, eram a bico de pena, um padre ou um coronel podia fiscalizar quem votava em quem. E a mulher não tinha direito ao voto.

Então o tema mulher também é muito atual hoje. Passaram-se cem anos e nós vemos que poucas mulheres, no Congresso Nacional, nas Assembleias Legislativas dos Estados, das Câmaras de Vereadores, mas também dentro da Federação das Indústrias, da Federação do Comércio, da Associação Comercial, nos movimentos sociais… quer dizer, nós tivemos avanços, pois a mulher vota, desde 1930, mas a mulher não votava. Era uma bandeira da Coluna Prestes, o voto da mulher.

Mas o tema mulher é muito atual. E é interessante que na Coluna Prestes participaram cerca de 50 mulheres. E essas mulheres tiveram papel não somente de enfermeiras, mas muitas delas foram para a frente de batalhas, pegaram em armas. Então a Coluna Prestes demonstrou a importância que a mulher pode efetivamente, inclusive numa guerra, desempenhar o mesmo papel que um homem. Então essa questão da igualdade.

Então, a Coluna Prestes pode nos ajudar a olhar para trás e ver que ainda nós temos que caminhar muito. Mas de fato, hoje nós vivemos numa época diferente, de qualquer maneira. O Brasil, em 1889, proclamou a República. Até 1989, nós vivemos 100 anos de golpes e contragolpes, somente em 45, 46, 47, tivemos em 100 anos, 3 anos de democracia plena. Hoje nós estamos atravessando um ciclo de 30 anos de democracia. Então, eu acho que a bandeira que a Coluna também levantava da democracia, é uma bandeira que está aí vigorando 30 anos hoje, no Brasil, finalmente. Mas os riscos que nós sofremos, como a democracia brasileira é muito jovem, ela também é muito frágil. Claro que nós temos uma Constituição, que é a Constituição de 1988, que promoveu muitos avanços, principalmente na área da cidadania, na defesa do cidadão, mas sabemos que a democracia sofre ataques constantes. O risco de que se passe por cima das conquistas é muito grande.

Na Coluna Prestes, não vou dizer que isso era abertamente, mas nas entrelinhas do movimento, quando a gente fala da industrialização do país, claro que estava ali escrita a necessidade de você ter uma legislação de proteção da classe operária, dos trabalhadores em geral no Brasil. E nós temos um quadro hoje, após a vitória do neoliberalismo grassando no mundo a partir dos anos 1990, com o fim da União Soviética, do campo socialista, nós temos uma precarização do mercado de trabalho. Então, nós estamos dando passos pra trás numa situação onde o trabalhador, ele começa a ficar tão desprotegido como ela era na década de 1920. As vitórias, as conquistas sociais estão sendo destruídas, vilipendiadas pelos sucessivos governos e não há uma reação efetiva na defesa do trabalhador.

Mas eu quero aqui falar também de duas ou três coisas que são importantes, que a gente não pode esquecer. A primeiro delas é a questão da diversidade. A Coluna Prestes foi uma marcha que contou com a diversidade. Eu já falei aqui da presença das mulheres, mas também quem lê o diário do Ernesto Moreira Lima vê que estava presente a diversidade religiosa. Nós temos o Miguel Costa e outros que se declaram espíritas. A Coluna Prestes realizava missas católicas campais em muitas cidades que entrou. Então você tem o respeito do espiritismo, o respeito do catolicismo, mas você também tem, quando se fala de espiritismo, você sabe que na década de 20, espíritas eram aqueles que também professavam as religiões afro-brasileiras.

Quando nós lemos o relato do Lourenço Moreira Lima, nós vemos que, na verdade, os negros eram os mateiros que recolhiam as ervas para fazer a bebida que os soldados da Coluna bebiam, porque em determinado momento não tinha mais chimarrão, não tinha mais erva-mate, o café era inacessível. Então a bebida que se tinha era esse chá que se fazia na Coluna, que se chamava xibél. Essa bebida é a bebida que alimentou os soldados da Coluna, mas então, claro que eram os mateiros, possivelmente descendentes de índios, ou descendentes de negros.

A diversidade étnica e a diversidade religiosa é um tema que hoje nós podemos olhar e é um tema que muito pouco foi explorado entre aqueles historiadores que contaram a história da Coluna Prestes. Por outro lado, nós temos que falar, quando eu falo aqui da diversidade religiosa, diversidade étnica, eu tenho que falar que muitos soldados da Coluna eram negros. Na minha obra, Lendas, Coluna Prestes, que eu escrevi há dois anos atrás, é um poema para orquestra. Eu toco nesse tema da diversidade étnica da Coluna. É um tema importantíssimo da gente estudar hoje. Sobre a participação dos negros na Coluna Prestes, nunca ninguém escreveu, não se tem um livro específico sobre isso.

Hoje nós temos aí o espetáculo que aconteceu em São Paulo: A Coluna Prestes, Encruzilhadas da Esperança, onde o grupo apresentou esse tema ao longo de todo o espetáculo. E também saiu recentemente um texto na Folha de São Paulo, mostrando fotografias de soldados negros na Coluna Prestes e falando sobre alguns soldados, entrevistando descendentes de alguns soldados negros. Então esse tema também é um tema importante.

Assim, a revisita dos 100 anos da Coluna Prestes é muito importante. Eu penso que a Coluna Prestes, de certa maneira, nos incentiva a fazer uma reflexão sobre esses temas todos, sobre as bandeiras defendidas a cem anos. Então, a Coluna termina sendo muito atual por conta dessas questões.

Eu me sinto muito feliz de estar aqui hoje, nesse momento, em Santo Ângelo. Antes disso, estive em Foz do Iguaçu, em Santa Helena, lugares também que foram impactados pela marcha da Coluna Prestes. A Coluna Prestes passa na região do oeste do Paraná em abril de 1925. Então, eles estão preparando os eventos lá para abril do ano que vem. Então, eu penso que essa visita aos locais, o encontro com historiadores, com populares, com descendentes da Coluna Prestes, são um momento também muito importante porque nós estamos pensando também no Brasil de hoje, no Brasil atual, nesse Brasil que precisa resolver problemas estruturais.

(por Cezar Xavier)