Cúpula Social do G20 tem início no dia 14 de novembro, no Rio de Janeiro com cerca de 50 mil pessoas no evento que vai detalhar os trabalhos desenvolvidos ao longo de quase um ano pela sociedade civil e movimentos sociais. Foto: Agência Brasil

Em um marco histórico para a presidência brasileira no G20, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva lançou o “G20 Social”, uma iniciativa que incorpora a participação social na cúpula dos países mais ricos do mundo. O evento ocorre entre os dias 15 e 16 de novembro, no Rio de Janeiro, e se organiza em torno de três eixos principais: Combate à Fome, Pobreza e Desigualdade; Sustentabilidade, Mudança Climática e Transição Justa; e Reforma da Governança Global. Esses temas, já discutidos pela sociedade civil brasileira na plataforma digital “Brasil Participativo”, terão seus resultados apresentados pelo presidente Lula aos líderes globais na cúpula de líderes do G20.

O G20 Social é um movimento sem precedentes, um esforço para trazer temas frequentemente ignorados ou colocados em segundo plano nos encontros globais para o centro das discussões. Em coletiva recente com jornalistas de veículos progressistas independentes, Renato Simões, secretário nacional de Participação Social da Secretaria-Geral da Presidência da República, destacou a importância dessa consulta pública e detalhou os preparativos do evento, promovido pelo ministro Márcio Macedo. A iniciativa mobiliza movimentos sociais e representantes da sociedade civil organizada, que terão espaço e voz para influenciar diretamente as pautas do evento.

Durante a coletiva, Simões destacou que o G20 Social é um reflexo do compromisso do presidente Lula em dar protagonismo aos desafios globais de justiça social e ambiental. Segundo o secretário, a construção dos debates começou no início de 2024, com grupos de engajamento do G20 que ampliaram sua atuação com a participação ativa da sociedade civil brasileira. “São temas que o presidente Lula escolheu em uma relação muito próxima com a sociedade civil brasileira,” ressaltou Simões, reiterando o ineditismo da iniciativa.

Assista a íntegra da entrevista:

Uma cúpula de participação social ampla

O G20 Social, que contará com a presença de cerca de 170 atividades autogestionadas, espera receber de 5 a 7 mil pessoas, entre elas líderes de movimentos sociais, ativistas, representantes de governos e mídia para debates, exposições culturais e feiras de agroecologia e economia solidária. “Teremos feiras que irão expor a produção da agricultura familiar, mostrando na prática o impacto da agroecologia”, disse Simões. Além disso, o evento contará com a presença de tecnologias sociais desenvolvidas no semiárido brasileiro, como o programa de cisternas, que teve origem nas lutas dos movimentos sociais do Nordeste.

O gestor público confirmou que o presidente Lula participará da cúpula, com detalhes sobre sua agenda a serem divulgados nos próximos dias. No total, espera-se que entre 20 e 30 mil pessoas passem pelas feiras, shows e debates ao longo do evento.

Para facilitar a cobertura jornalística, foi disponibilizado um sistema de credenciamento para a imprensa, além de uma sala de coletiva e estúdios de mídia pública.

Plataforma “Brasil Participativo”

A consulta pública acontece na plataforma “Brasil Participativo”, onde qualquer cidadão pode acessar os temas do G20 Social e enviar sugestões para os debates. Renato Simões destacou que o objetivo é mobilizar amplamente a sociedade para contribuir em questões globais através de uma interface digital que já foi utilizada para o Plano Plurianual (PPA) e o Plano Nacional de Cultura.

“Qualquer pessoa pode acessar e participar, colocando propostas, votando e debatendo os temas que pautaremos na cúpula do G20. É um processo que conecta o que estamos fazendo aqui, nos territórios onde as pessoas vivem, com as grandes discussões internacionais,” afirmou Simões, enfatizando a importância de engajamento e da transparência no processo.

Com o G20 Social antecedendo a reunião de líderes mundiais, a expectativa é que o Brasil destaque globalmente o papel da sociedade civil na resolução de problemas urgentes. Para Simões, a realização de uma consulta pública aberta, com a participação popular e apoio de organizações internacionais, é um modelo de governança inclusiva que o Brasil deseja mostrar ao mundo.

Simões ressaltou como o evento pode criar redes de cooperação duradouras entre movimentos sociais de diversas partes do mundo. O Brasil, ao sediar o G20 Social, busca não apenas ampliar o protagonismo de suas próprias organizações sociais, mas também conectar pautas prioritárias do Sul Global, com a expectativa de que outros países, como a África do Sul e os Estados Unidos, mantenham e fortaleçam a inclusão dos movimentos sociais em futuras cúpulas do G20.

Agenda robusta e intercâmbio de experiências

A organização do evento priorizou movimentos com trajetórias de articulação internacional, como a Central Única dos Trabalhadores (CUT), a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB) e a Marcha Mundial das Mulheres. Além disso, o G20 Social permitirá a participação aberta ao público via plataforma digital.

Um dos temas centrais é o papel da democracia, que Simões pontua como ameaçada pela “crescente vertente autoritária, em alguns casos, de natureza neofascista, que está presente no mundo inteiro”. Durante o evento, movimentos sociais compartilharão experiências bem-sucedidas, como o modelo chinês de fixação de agricultores em pequenas propriedades produtivas com suporte digital, permitindo conexão e escoamento de produtos para centros urbanos. Esta experiência exemplifica soluções possíveis para promover a sustentabilidade e mitigar a desigualdade ao mesmo tempo.

Desafios e continuidade da mobilização

O secretário Simões destacou que, mesmo diante de propostas ousadas, os movimentos sociais enfrentam obstáculos no G20. Há resistência de governos de orientação autoritária dentro do grupo, o que representa um desafio contínuo para a incidência das pautas progressistas. Contudo, a expectativa é de que o Brasil e, futuramente, a África do Sul, conduzam uma transição para fortalecer a inclusão social no G20, pavimentando um caminho para que, eventualmente, o encontro dos líderes também se veja pressionado a dar espaço e atenção às demandas da sociedade civil global.

Desafios de pactuação de consensos globais

Simões apontou que temas como os conflitos na Palestina e na Ucrânia, além de outras guerras regionais, serão discutidos em busca de consensos. Ele ressaltou que o objetivo é construir um diálogo abrangente que respeite a diversidade e represente múltiplas perspectivas globais, sem desconsiderar temas complexos ou polarizadores.

“Participação social é tensão”, afirmou Simões, realçando a importância de um apelo conjunto por cessar-fogo, que aparece em rascunhos de textos para o evento. O secretário enfatizou que o formato do G20 Social difere de conferências tradicionais: “Não é como uma conferência em que delegados eleitos votam. É um encontro onde militantes debatem e constroem consensos que vão para o texto final”. O evento conta com mais de 90 documentos protocolados por organizações, que servirão de base para o debate e a pactuação dos temas a serem apresentados na declaração final.

Simões foi questionado sobre as metas concretas do G20 Social em um cenário global mais multilateral, comparando-o ao Fórum Social Mundial de 2001, realizado em um contexto de hegemonia unipolar. Simões respondeu que o G20 Social se inspira na autogestão de atividades, como aconteceu nos fóruns sociais anteriores, sem impor uma tutela direta aos movimentos. No entanto, diferencia-se pela sua estrutura híbrida: “É uma pactuação entre governo e sociedade civil que produz um resultado, algo permanente”, explicou.

Outro ponto levantado diz respeito à relação entre o G20 Social e o BRICS, especialmente considerando o cenário em que Brasil, Índia e África do Sul assumem consecutivamente a presidência do G20, o que fortalece o papel do Sul Global nas políticas globais. Simões destacou que a interação entre o G20 e o BRICS favorece o diálogo entre sociedades civis desses blocos, gerando um aprendizado mútuo: “A nossa expectativa é que o próximo ano seja muito rico também”, concluiu, mencionando a COP30, que ocorrerá em Belém, como uma grande oportunidade de ampliação da participação da sociedade civil nas políticas climáticas.

O G20 Social, que carrega a herança do Fórum Social Mundial, busca consolidar um espaço de convergência entre sociedade civil e governos, promovendo um entendimento mais profundo e democrático dos desafios globais. A expectativa é que essa colaboração híbrida entre movimentos sociais e governos influencie as decisões e compromissos futuros, tanto no G20 quanto em outros blocos, como o BRICS e eventos como a COP30, ressaltando a relevância das vozes do Sul Global.

Foco na agroecologia e combate à fome

Simões ressaltou que, apesar dos desafios e das divergências internas, o governo se mantém comprometido em criar pontes entre as demandas dos movimentos sociais e as diretrizes do G20, especialmente nas áreas de combate à fome, segurança alimentar e promoção da agroecologia. “Não pedimos que nenhum movimento abandone suas bandeiras históricas”, afirmou o secretário. Segundo ele, o governo busca uma “relação de respeito e democrática” com as entidades, onde as divergências são discutidas em um ambiente de construção coletiva.

Um dos temas centrais na discussão foi o agravamento da insegurança alimentar em cenários de conflito, com destaque para a crise humanitária na Palestina. A ONU alertou recentemente que quase 50% da população de Gaza enfrenta insegurança alimentar severa, um contexto que contradiz a ideia de um pacto global contra a fome.

Simões aproveitou para reforçar que a participação dos movimentos sociais é essencial na criação de alternativas ao modelo agrícola brasileiro, apontado por muitos como um dos grandes causadores da fome e dos problemas ambientais no país. O governo lançou recentemente um Plano Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica, medida há muito reivindicada pelos movimentos sociais, que pedem uma mudança estrutural no setor agrícola.

“O modelo agrícola concentrador de terras e baseado em agrotóxicos é um sistema superado, mas superar politicamente esse modelo ainda é uma batalha para os movimentos camponeses”, declarou o secretário, reconhecendo que, apesar de avanços significativos, muitos dos pontos defendidos por essas organizações ainda enfrentam resistência dentro do próprio governo.

Reforma tributária global e distribuição de renda

Outro ponto discutido foi a tributação sobre grandes fortunas, um tema recorrente nas reuniões do G20, mas que ganha força novamente pós-pandemia, à medida que novos bilionários surgiram em meio à fome e à morte. O secretário observou que a “taxação dos super ricos” é um dos temas de governança do G20 Social, visando destinar esses recursos a áreas sociais e ambientais, respeitando a autonomia de cada país sobre suas políticas fiscais. A expectativa do governo, segundo Simões, é que este tema seja devidamente abordado na reunião do G20 de 18 e 19 de novembro.

Desmonte da comunicação pública

Simões apontou um desafio: sem uma comunicação eficaz, tais temas permanecem distantes da população em geral. Ele destacou o papel essencial da comunicação no engajamento popular e na compreensão pública sobre as metas e esforços do governo e movimentos sociais no G20 Social.

Simões relembrou o desmonte enfrentado pela comunicação pública no país, herdado de gestões anteriores, o que resultou em dificuldades para sustentar uma comunicação pública digital robusta. Ele observou que a estratégia de disseminação digital, promovida na época pelo “gabinete do ódio”, não utilizava recursos estatais, mas sim uma estrutura privada. Isso trouxe um desafio atual ao governo em ampliar a comunicação digital, enquanto tenta reconstruir uma base de comunicação pública efetiva.

A Secretaria de Comunicação (SECOM) e a Secretaria-Geral da Presidência, conforme explicado por Simões, têm tentado superar esse desafio ao abrir diálogos, como esta entrevista coletiva do Canal da Resistência, para envolver o público e promover uma comunicação mais inclusiva. “Esse diálogo está sendo mantido pela SECOM e outras iniciativas, mesmo com as limitações impostas pelo desmonte anterior”, disse Simões.

(por Cezar Xavier)