Dilma falou à imprensa brasileira logo após receber maior honraria do estado chinês a estrangeiros, a Medalha da Amizade. Foto: Reprodução

A ex-presidenta Dilma Rousseff, atual presidenta do Novo Banco de Desenvolvimento (NDB), também conhecido como Banco dos Brics, compartilhou sua visão sobre as oportunidades e desafios que o Brasil e o mundo enfrentam em uma coletiva realizada na Casa de Hóspedes do Estado, Diaoyutai, em Pequim, China. Na entrevista publicada pelo Brasil de Fato, Dilma destacou temas centrais como a possível adesão do Brasil à Iniciativa do Cinturão e Rota, o papel do NDB, o uso de moedas locais em transações internacionais, além de reflexões sobre o crescimento da extrema direita no mundo.

A entrevista ocorreu em 29 de setembro, específica para a imprensa brasileira presente, logo após Dilma receber a Medalha da Amizade, a mais alta honraria concedida pela China, um reconhecimento por sua contribuição ao fortalecimento das relações entre Brasil e China. Dilma, que deverá deixar o cargo no banco em julho de 2025, ofereceu uma análise abrangente sobre temas econômicos globais e a posição do Brasil em meio a essas dinâmicas.

Nova Rota da Seda: uma oportunidade estratégica para o Brasil

Dilma enfatizou a importância de o Brasil explorar as oportunidades da Nova Rota da Seda, iniciativa chinesa que visa melhorar a infraestrutura global e promover a cooperação econômica entre os países. Com investimentos de mais de US$ 1 trilhão nos últimos 10 anos, a Iniciativa oferece parcerias em setores-chave como infraestrutura, tecnologia e industrialização.

A Iniciativa Cinturão e Rota é um megaprojeto de cooperação internacional promovido pela China. Dilma destacou que o Brasil deveria buscar uma parceria estratégica nessa iniciativa, que já movimentou trilhões de dólares em projetos de infraestrutura, como rodovias, portos e aeroportos. Segundo a ex-presidenta, o Brasil não deve perder a chance de usufruir das possibilidades oferecidas pela iniciativa, sobretudo no que tange à industrialização e à transferência de tecnologia.

Segundo a ex-presidenta, o Brasil pode tirar proveito dessa cooperação internacional ao buscar a criação de parques industriais e tecnológicos, com transferência de tecnologia e apoio a setores como segurança alimentar e desenvolvimento sustentável. Dilma ressalta que a Nova Rota da Seda não exige exclusividade, permitindo que o Brasil mantenha outras parcerias simultâneas. “O Brasil tem que aproveitar todas as oportunidades que se lhe aparecem”, afirmou.

A ex-presidente enxerga na iniciativa uma forma de superar a velha divisão internacional do trabalho, que relegava os países em desenvolvimento ao papel de produtores de commodities, enquanto as nações desenvolvidas fabricavam produtos de maior valor agregado.

O papel do NDB e a desdolarização

À frente do NDB, Dilma detalhou as prioridades do banco para os próximos anos, com ênfase em projetos de infraestrutura sustentável e o uso crescente de moedas locais nas transações. A proposta de desdolarização, ou seja, a diversificação de moedas utilizadas em negociações internacionais, foi abordada como uma maneira de reduzir a dependência do dólar e diminuir os impactos das variações nas políticas monetárias dos EUA.

O NDB já iniciou projetos de financiamento em moedas locais, como o uso do rand na África do Sul e dos pandabonds na China. Para Dilma, essa prática se tornará cada vez mais comum entre os países membros do banco, beneficiando diretamente o setor privado. A ex-presidenta prevê que o NDB continue a expandir suas operações e a incorporar novos membros, como a Argélia, que recentemente se juntou à instituição.

Combate às mudanças climáticas e transferência de tecnologia

Outro ponto crucial discutido foi o compromisso do NDB com o desenvolvimento sustentável. Dilma mencionou o investimento em energias renováveis, como eólica e solar, além de projetos inovadores, como o biodigestor de alta capacidade que transforma lixo orgânico em fertilizantes, resultado de uma parceria entre universidades chinesas e brasileiras. Esse enfoque visa não apenas combater as mudanças climáticas, mas também ajudar os países emergentes a alcançar maior autonomia tecnológica.

A transferência de tecnologia foi destacada como um dos pilares para que o Brasil e outros países do Sul Global alcancem um novo patamar de desenvolvimento industrial. Dilma defendeu a importância de investimentos em educação e ciência, citando o programa Ciência Sem Fronteiras como exemplo de um esforço anterior para ampliar a capacitação técnica no Brasil.

Crescimento da extrema direita e os riscos do anticomunismo

Dilma também refletiu sobre o avanço da extrema direita no mundo, alertando para o perigo de discursos baseados no anticomunismo e na Guerra Fria. Para Dilma, o Brasil não deve cair nessas armadilhas ideológicas, mas sim buscar um caminho próprio que respeite as lições da história e promova um desenvolvimento inclusivo conforme suas necessidades. Ela elogiou a China por sua capacidade de aprendizado contínuo e adaptação, destacando a valorização da educação como um dos pilares do sucesso do país.

Ao comparar com os Estados Unidos, Dilma mencionou como a extrema direita tem fomentado uma visão de “soma zero”, onde o avanço de um grupo é visto como perda para o outro, criando divisões sociais prejudiciais. Para ela, a construção de um futuro compartilhado, como proposto pelo presidente chinês Xi Jinping, deve ser uma meta global.

Rousseff encerrou a entrevista com uma visão otimista sobre o futuro do Brasil, acreditando que o país tem potencial para se reindustrializar e se tornar um protagonista na Quarta Revolução Industrial, desde que aproveite as oportunidades de cooperação internacional. Para ela, o Brasil precisa estar aberto à transferência de tecnologia e investir em educação, como forma de superar os desafios do desenvolvimento.

A entrevista de Dilma Rousseff oferece uma visão clara sobre o papel que o Brasil pode desempenhar no cenário internacional, ao mesmo tempo em que ressalta a importância da cooperação Sul-Sul e da diversificação das parcerias globais. Com uma abordagem pragmática, Dilma destacou a necessidade de investimentos em tecnologia, sustentabilidade e educação, temas que considera centrais para o futuro do país.

Dilma Rousseff deve deixar o comando do NDB em julho de 2025, mas sua visão sobre a importância da cooperação internacional e do fortalecimento das economias emergentes deixa um legado significativo.

(por Cezar Xavier)