O plano estaria sendo articulado pela embaixadora dos Estados Unidos em Tegucigalpa, Laura Dogu, com o objetivo de criar uma divisão dentro das Forças Armadas do país.

Presidenta de Honduras, Xiomara Castro

A crise diplomática entre Honduras e os Estados Unidos atingiu um novo patamar após a presidenta hondurenha, Xiomara Castro, denunciar publicamente um suposto golpe de Estado em andamento, orquestrado com a ajuda de Washington. Segundo a mandatária, o plano estaria sendo articulado pela embaixadora dos Estados Unidos em Tegucigalpa, Laura Dogu, com o objetivo de criar uma divisão dentro das Forças Armadas do país.

Em uma declaração pública, Xiomara Castro alertou que o golpe estaria sendo planejado por “forças obscuras” que buscam desestabilizar seu governo socialista e democrático. “Quero dizer-lhes que está sendo traçado um plano contra o nosso governo, ontem atacaram o comandante-chefe das Forças Armadas e o Ministro da Defesa do nosso país”, afirmou a presidenta, referindo-se ao general Rossvelt Hernández, chefe militar leal ao seu governo.

Horas antes, o ministro das Relações Exteriores de Honduras, Enrique Reina, havia revelado em entrevista ao canal de televisão local Televicentro que a inteligência do país detectou uma conspiração para dividir as Forças Armadas. De acordo com Reina, a embaixadora dos EUA estaria oferecendo apoio a um grupo dissidente dentro das forças armadas em troca de uma insurreição contra Hernández.

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Narrativas enviesadas e desestabilização midiática

Além das acusações de interferência militar, Xiomara Castro denunciou uma tentativa de desestabilização através de “narrativas enviesadas” promovidas por veículos de comunicação nacionais e estrangeiros. Segundo ela, essas narrativas buscam ligar funcionários de seu governo ao narcotráfico, baseando-se em informações divulgadas por mídias norte-americanas e em declarações da embaixadora Dogu.

“O plano para destruir este governo socialista e democrático está em curso. As forças obscuras de 2009, com o apoio dos mesmos meios de comunicação nacionais e internacionais, estão se reorganizando”, declarou Castro, relembrando o golpe de Estado que derrubou seu marido, o ex-presidente Manuel Zelaya, em 2009.

A embaixadora Dogu, em declarações controversas, sugeriu que o chefe das Forças Armadas de Honduras, Roosevelt Hernández, e o ministro da Defesa, José Manuel Zelaya, poderiam estar envolvidos com o narcotráfico, uma acusação que gerou indignação e desconfiança por parte do governo hondurenho. Xiomara Castro, em um discurso transmitido em rede nacional, afirmou que essas acusações eram parte de um plano maior para desestabilizar seu governo e promover um golpe de Estado, similar ao ocorrido em 2009, que depôs seu marido, Manuel Zelaya.

A decisão de cancelar o tratado de extradição

A situação se intensificou com a decisão de Honduras de cancelar unilateralmente o tratado de extradição com os EUA, uma medida vista por Castro como essencial para proteger a soberania nacional e prevenir interferências externas. A reaproximação da Venezuela, um país que enfrenta duras sanções e pressões internacionais, especialmente por parte dos Estados Unidos, também contribui para o tensionamento.

No dia 29 de agosto, o governo de Honduras tomou a decisão drástica de cancelar o tratado de extradição com os Estados Unidos. Esse acordo, que permitia a transferência de cidadãos hondurenhos para serem julgados nos EUA, era visto como uma ferramenta crucial na luta contra o narcotráfico, especialmente durante o governo anterior de Juan Orlando Hernández. O ex-presidente hondurenho foi extraditado para os EUA e condenado por tráfico de drogas, o que evidenciou a importância do tratado.

Entretanto, para o governo de Xiomara Castro, o acordo começou a ser percebido como uma ameaça à estabilidade política interna. Segundo o chanceler hondurenho, Enrique Reina, o tratado poderia ser usado como uma “arma política” contra membros do governo atual, especialmente após as declarações da embaixadora dos EUA em Honduras, Laura Dogu, insinuando ligações entre altos oficiais hondurenhos e cartéis de drogas.

Em agosto de 2024, uma reunião entre autoridades hondurenhas e o ministro da Defesa venezuelano, Vladimir Padrino López, serviu como estopim para a crise. López é uma figura controversa, sancionada pelos EUA por supostas ligações com o narcotráfico, embora as provas concretas dessas acusações ainda não tenham sido apresentadas.

A reação internacional e as implicações para a soberania

A decisão de cancelar o tratado de extradição foi criticada por setores da oposição hondurenha, que acusaram Xiomara Castro de tentar proteger membros de sua família e aliados políticos das investigações dos EUA. No entanto, para o governo hondurenho, a medida é uma defesa necessária da soberania nacional. O chanceler Reina apelou ao princípio da autodeterminação dos povos e à não interferência em assuntos internos, princípios consagrados na Carta das Nações Unidas.

A crise também levanta questões sobre as relações de Honduras com outros países, especialmente a Venezuela. A reaproximação de Tegucigalpa com Caracas representa uma mudança significativa na política externa hondurenha, que anteriormente era mais alinhada com os interesses dos EUA na região. Essa nova postura desafia o status quo e coloca Honduras em uma posição delicada na geopolítica latino-americana.

O presidente da Venezuela, Nicolás Maduro, manifestou seu apoio a Xiomara Castro, condenando a suposta tentativa de golpe. Em seu programa semanal “Con Maduro Más”, o líder venezuelano afirmou que o ataque a Xiomara é também um ataque à Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos (Celac), organização que atualmente é presidida por ela.

Maduro destacou que os Estados Unidos estão tentando dividir a América Latina e o Caribe, visando enfraquecer a Celac e impor suas agendas neocoloniais. “O objetivo dos gringos é destruir a Celac”, declarou Maduro, reiterando seu apoio e solidariedade à presidenta hondurenha. Ele ainda elogiou a “coragem e valentia” de Castro na defesa da soberania de Honduras contra as “pretensões imperiais” dos EUA.

A crise diplomática entre Honduras e os Estados Unidos é um exemplo contundente das complexas relações de poder na América Latina, onde a influência dos EUA e a defesa da soberania nacional frequentemente colidem. A possibilidade de novas tensões ou até mesmo de um conflito interno em Honduras causam alarme no governo e na estabilidade nacional, devido ao histórico de golpismo na região, sob o apoio americano. O desenrolar dos próximos eventos determinará o equilíbrio de forças na região e o papel dos Estados Unidos nas dinâmicas políticas internas de Honduras.

(por Cezar Xavier)