Otimista, Haddad defende ajuste não-recessivo, mas critica impulso fiscal com pleno emprego
Haddad destaca otimismo com economia brasileira e avanços em reformas, durante conferência com agentes financeiros, em São Paulo
O ministro da Fazenda Fernando Haddad
Durante a Safra Brazil Conference 2024, encerrada em São Paulo nesta quarta-feira (25), o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, destacou a necessidade de um ajuste fiscal que garanta crescimento econômico sem recessão. Em sua fala, Haddad rejeitou a divisão entre ortodoxia e heterodoxia econômica e criticou a pressão por aumento de gastos públicos em um cenário de pleno emprego.
Ele destacou que, com a economia crescendo a 3,2% e em pleno emprego, não faz sentido insistir em um impulso fiscal adicional. “Me mostra um livro que diga que em pleno emprego eu tenho que dar impulso fiscal”, desafiou Haddad.
Haddad sublinhou que, após uma década de impulso fiscal, a economia brasileira está em um momento propício para reduzir esses estímulos. O governo planeja ajustes nas despesas no segundo semestre de 2024. Ele criticou o modelo fiscal que predominou na última década, onde o Brasil, mesmo com altos déficits, teve crescimento econômico limitado. “Fazer 2% de déficit primário para crescer 1,5% é tudo errado”, pontuou. Ele também enfatizou a importância do crescimento econômico como um aliado no fechamento gradual da “cunha” entre receitas e despesas, facilitando o ajuste fiscal.
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Haddad reforçou o compromisso do governo com um ajuste fiscal que não comprometa os avanços sociais. Ele mencionou que os benefícios fiscais, que triplicaram nos últimos 15 anos sem o retorno esperado, estão sendo revistos. “Estamos fazendo um ajuste justo”, afirmou, destacando a colaboração do Congresso no processo.
O ministro demonstrou otimismo com o desempenho da economia, destacando o crescimento acima das expectativas, a queda da inflação e a melhoria no cenário de emprego. Haddad destacou a revisão positiva da nota de crédito do Brasil por agências de risco e relatórios recentes do FMI, que revisaram o PIB potencial do país.
Haddad também abordou a revisão de gastos públicos, com ajustes no orçamento já em planejamento para 2025. Ele ressaltou o compromisso em combater a fome, destacando a redução no número de pessoas no mapa da fome, de 33 para 9 milhões.
O ministro também falou sobre a importância de decisões judiciais e políticas que considerem as consequências econômicas. Ele enfatizou os desafios que herdou ao assumir a pasta, mencionando a queda das receitas do governo e o aumento de despesas contratadas, como o salto no Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb) e a revisão da vida toda do governo Fernando Henrique Cardoso, ressaltando que o equilíbrio fiscal deve ser prioridade em futuras deliberações. “Receita caindo, despesa contratada subindo… Muita coisa aconteceu dessa maneira. E eu não estou reclamando, só constatando um fato”, declarou.
Apesar dos avanços, Haddad reconheceu que há desafios a serem enfrentados, como questões climáticas e a necessidade de reformas adicionais. Ele expressou otimismo com o futuro da economia brasileira, mas alertou para a paciência necessária nas negociações com o Congresso e outros atores políticos.
Por fim, o ministro destacou a confiança no orçamento de 2024, criticando práticas de maquiagem fiscal adotadas em gestões anteriores, como o adiamento de pagamentos de precatórios, que gerou um acúmulo alarmante de dívidas.
A Safra Brazil Conference reuniu líderes empresariais, investidores e membros do governo, com o otimismo de Haddad com a recuperação econômica brasileira sendo um dos principais destaques do evento.
Ajuste fiscal com responsabilidade social
Haddad destacou que o governo está comprometido com um ajuste fiscal que não prejudique o crescimento econômico e os avanços sociais. Ele mencionou que o Brasil está revendo benefícios fiscais que triplicaram nos últimos 15 anos, sem o retorno esperado em termos econômicos e sociais. “Nós estamos fazendo um ajuste justo. Um Congresso conservador entendeu que não dava para manter aquele conjunto de benefícios sem aferição dos resultados econômicos e sociais”, explicou o ministro, elogiando a colaboração do Legislativo nesse processo.
O ministro da Fazenda expressou seu otimismo em relação à economia brasileira. Desde o início de sua participação na Conferência, Haddad destacou o crescimento acima das expectativas, a redução contínua da inflação e a melhora no cenário de emprego. Ele também frisou os avanços nas reformas econômicas e a importância da responsabilidade fiscal e do consequencialismo nas decisões políticas e jurídicas.
Ele explicou que o governo está tomando medidas para calibrar os programas sociais sem prejudicar o combate à fome. “Herdamos o país com 33 milhões de pessoas no mapa da fome, e ainda temos 9 milhões, mas 24 já saíram”, disse o ministro. Segundo Haddad, o ajuste nos programas sociais será feito de forma cuidadosa, com o objetivo de evitar que ninguém volte para o mapa da fome, ao mesmo tempo em que busca um equilíbrio fiscal mais rápido.
Otimismo, controle inflacionário e crescimento
“Penso que estamos num momento de otimismo com a economia brasileira, sobretudo no mundo. Várias agências de risco revisaram nossa nota de crédito, e há uma expectativa bem fundamentada de que isso continuará acontecendo no próximo ano”, afirmou Haddad. Ele citou ainda relatórios recentes do Fundo Monetário Internacional (FMI) que foram “generosos” com a economia brasileira, revisando o PIB potencial do país.
Haddad projetou que o Brasil tem condições de crescer acima de 2,5% nos próximos quatro anos, seguindo o mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. “Acho que na média vai dar mais de 2,5%”, disse o ministro, destacando que o país tem condições de se alinhar ao crescimento mundial.
Além do crescimento econômico, Haddad ressaltou que a inflação brasileira está em queda pelo segundo ano consecutivo e deve continuar declinando em 2024. “A inflação será mais baixa este ano do que foi no ano anterior, e não há nenhuma razão para imaginar que a do ano que vem não será mais baixa que a deste ano”, afirmou. Apesar do otimismo, ele destacou que questões climáticas, especialmente relacionadas à alimentação e à energia, podem representar desafios futuros.
O papel do consequencialismo nas decisões políticas e jurídicas
Haddad destacou uma mudança significativa no papel do Judiciário e do Legislativo na economia, mencionando o princípio do consequencialismo — a necessidade de considerar as consequências econômicas das decisões judiciais. “As decisões judiciais têm que considerar as consequências econômicas. Não é só uma formalidade; você tem que pesar o que vai acontecer com toda a sociedade”, explicou. Ao citar o Fundef e a revisão da vida toda, ele ressaltou a importância de olhar para o futuro ao invés de revisitar questões passadas que podem afetar a estabilidade fiscal do país.
O ministro também elogiou a implementação de mecanismos que garantem que o Legislativo, ao aprovar novas leis, respeite os princípios da Lei de Responsabilidade Fiscal. “Agora, o Legislativo sabe que, se for aprovar uma renúncia fiscal ou um novo programa, tem que indicar a fonte de recursos”, afirmou Haddad.
Desafios e otimismo cauteloso
Apesar dos avanços, Haddad ressaltou que ainda há obstáculos a serem superados, especialmente em relação às questões climáticas e à necessidade de reformas adicionais. O ministro foi claro ao afirmar que seu otimismo vem dos obstáculos já superados e que o governo está no caminho certo, embora precise de “muita paciência” e capacidade política para negociar com o Congresso e outros atores.
“Eu sou muito otimista com a economia brasileira, mas é preciso ter no radar os obstáculos que ainda estão por ser superados. O ânimo tem que vir dos obstáculos que já foram vencidos, para você continuar caminhando”, concluiu o ministro.
Bom orçamento de 2024 e crítica à maquiagem fiscal
Haddad expressou confiança em relação ao orçamento para o próximo ano. Segundo o ministro, o cenário fiscal para 2024 é consideravelmente melhor do que o enfrentado em 2023. “Eu estou muito mais confortável com o orçamento do ano que vem do que estava com o orçamento deste ano. Muito mais”, afirmou Haddad, destacando que, em 2023, herdou uma peça orçamentária sem sua participação direta e baseada em previsões técnicas que não poderiam ser alteradas de forma arbitrária.
Haddad detalhou o temor inicial do governo de que os gastos previdenciários pudessem ultrapassar os limites orçamentários estabelecidos, o que, em sua visão, não se concretizou de maneira tão severa quanto o esperado. Ele destacou a importância das diligências do Ministério da Previdência, que evitaram o acúmulo de indenizações elevadas decorrentes de atrasos no reconhecimento de direitos. Essa atuação preventiva ajudou a mitigar o crescimento dos precatórios previdenciários, que atingiram um patamar alarmante de R$ 100 bilhões.
O ministro também criticou as práticas anteriores de adiamento de pagamentos, que resultaram em uma judicialização crescente e, consequentemente, no aumento dos precatórios. Segundo ele, o não pagamento de benefícios e o acúmulo de dívidas levou à criação de uma série de expedientes fiscais prejudiciais ao país, como a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) do calote dos precatórios.
Haddad fez questão de apontar isso como uma “maior maquiagem” realizada nos últimos anos: a prática de não pagar benefícios e empurrar as despesas para frente, criando uma fila de precatórios que explodiu nos últimos anos. Ele ainda criticou a falta de reconhecimento desse problema por parte de antigos gestores do governo.
“Para convencer a sociedade de que você é mais duro, você começa a tomar uma série de providências que vão arrebentando as contas no futuro imediato. O que nós estamos fazendo? Nós estamos zerando esse problema para ver se a curva de precatórios começa a cair”, afirmou Haddad, enfatizando que a atual gestão está comprometida em corrigir esses erros e negociar soluções responsáveis, inclusive com o Supremo Tribunal Federal (STF).
O ministro também mencionou a decisão de 2017, conhecida como “tese do século”, que, por 6 votos a 5 no STF, teria evitado que a dívida pública do Brasil fosse 10% do PIB maior. Para Haddad, essa é uma demonstração clara de como a seriedade nas decisões judiciais e fiscais pode ter impacto profundo nas contas públicas.
Compromisso com a justiça social e o controle fiscal
Apesar das críticas ao passado, Haddad ressaltou os avanços da atual gestão na busca por um orçamento mais equilibrado e voltado para a justiça social. Ele afirmou que, em junho de 2023, o governo conseguiu firmar compromissos importantes com os ministérios voltados para a área social, buscando soluções que beneficiem a população como um todo, especialmente as camadas mais pobres, que sofrem com os efeitos dos juros altos e da inflação.
“Estamos comprometidos em promover justiça social e atender às demandas da população que mais sofre com a situação econômica. Isso tem sido parte do nosso sucesso parcial: respeitar os ritos e seguir os processos, mas com determinação para avançar a agenda”, concluiu o ministro.
Gargalos na produtividade e inovação econômica
Haddad também fez uma análise sobre os desafios e oportunidades para o crescimento econômico do Brasil, focando principalmente na produtividade, na educação e nas reformas estruturantes. O ministro destacou a falta de crescimento na produtividade do país nas últimas décadas e a necessidade urgente de ações coordenadas para reverter esse cenário.
“Estamos há algumas décadas sem observar o crescimento da produtividade da nossa economia. Isso coloca uma pulga atrás da orelha dos economistas, porque eles se perguntam: como é que o país vai continuar crescendo com essa dinâmica?”, afirmou Haddad.
Educação como alicerce da produtividade
Haddad reconheceu o gargalo existente no ensino médio brasileiro, um problema que ele considera chave para melhorar a produtividade no longo prazo. Segundo o ministro, apesar dos avanços no ensino fundamental e na expansão do ensino superior durante sua gestão como ministro da Educação, o ensino médio ainda patina.
“O nosso ensino médio continua um problema. Eu fui ministro da Educação por sete anos e nós evoluímos bastante no ensino fundamental e na creche. No entanto, o ensino médio é crucial para o nosso desenvolvimento e precisa de mais atenção. Com a ampliação das escolas em tempo integral, estou confiante que daremos um salto importante”, explicou.
Haddad também elogiou os esforços do ministro da Educação, Camilo Santana, em trabalhar para reverter esse quadro, destacando a importância de reter os jovens nas escolas até a conclusão de seus estudos.
Infraestrutura e reforma tributária: pilares para crescimento
Outro ponto destacado pelo ministro foi a necessidade de melhorar a infraestrutura do país para permitir um ambiente mais propício ao desenvolvimento econômico. Ele ressaltou que o vice-presidente Geraldo Alckmin, à frente do Ministério do Desenvolvimento, tem adotado medidas importantes em colaboração com a Fazenda.
Haddad também reforçou a importância da reforma tributária, recentemente aprovada, para destravar a produtividade brasileira. “Nosso sistema tributário está entre os dez piores do mundo, segundo o Banco Mundial. A reforma, embora não seja perfeita, representa um avanço imenso. Comparada ao que temos hoje, é a melhor solução disponível, algo que pode gerar ganhos de produtividade”, defendeu.
Inovações no crédito e sustentabilidade
O ministro enfatizou a inovação no mercado de crédito e destacou a introdução de novos mecanismos que facilitam o acesso a financiamento e reduzem custos, como a possibilidade de usar títulos de previdência e FGTS como garantia de empréstimos. “Agora você pode dar o título da previdência em garantia de um empréstimo. Isso derruba a taxa de juro sem prejudicar a capitalização”, afirmou.
Ele também mencionou o avanço do programa Ecoinvest, que busca atrair investimentos voltados para a transformação ecológica e tem gerado interesse no exterior, além de parcerias com o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) e o Banco Mundial.
Crédito imobiliário
Haddad ainda destacou o potencial de crescimento do mercado de crédito imobiliário no Brasil, que atualmente representa apenas 9% do PIB, muito abaixo da média da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), que é de 30%. O ministro apontou para a criação de um mercado secundário de títulos imobiliários, que permitiria uma expansão significativa do setor.
“Nós estamos construindo essa curva de crescimento do crédito imobiliário. O Brasil é a lanterna nesse segmento, mas há uma avenida para crescer. A Selic em um dígito vai viabilizar esse mercado secundário, que já foi implementado em outros países com sucesso”, analisou.
Inovação sem heterodoxia
Em resposta a críticas de que algumas dessas medidas poderiam ser vistas como heterodoxas, Haddad rebateu, argumentando que inovações econômicas são necessárias e não devem ser confundidas com práticas irresponsáveis. Ele comparou a criação do Plano Real, que, na época, foi considerado inovador, mas nunca foi classificado como heterodoxo.
“Inovação não é heterodoxia. O Plano Real foi uma engenharia nova, respeitando todas as regras da economia. Da mesma forma, estamos buscando uma gestão inteligente que saiba aproveitar as oportunidades que o Brasil tem”, concluiu o ministro.
Reforma Tributária: transparência e modernização
Haddad, ressaltou a importância da reforma tributária e de um robusto arcabouço regulatório para impulsionar o crescimento sustentável e melhorar a produtividade no Brasil. Haddad apresentou a reforma tributária como um dos maiores avanços recentes e destacou a importância de manter um diálogo constante com o setor produtivo para garantir a eficácia das medidas.
“A reforma tributária é uma realidade. Vamos ter um dos melhores sistemas tributários do mundo, digitalizado e transparente, aproveitando o fato de que o Brasil é um país muito digital”, afirmou Haddad. Ele também explicou que, ao longo dos anos, exceções à regra geral elevaram a alíquota padrão de 22% para um nível superior. Contudo, a cada cinco anos, as exceções deverão ser revisadas pelo Congresso, o que trará mais transparência e, potencialmente, uma alíquota menor.
O potencial ecológico e o papel da inteligência artificial
O ministro também comentou sobre os esforços em regulamentar a transformação ecológica, afirmando que o Brasil está caminhando para se tornar um líder global em sustentabilidade. Segundo Haddad, mais de 100 iniciativas legislativas, entre leis, portarias e decretos, estão em andamento, incluindo regulamentações sobre hidrogênio verde, biocombustíveis, energia eólica e solar, e o mercado de carbono.
A expectativa do governo é ter esse pacote legislativo pronto até a Conferência das Partes sobre Mudanças Climáticas (COP) de 2025, quando o Brasil estará na Presidência do evento. “Queremos mostrar para o mundo o que o Brasil foi capaz de conceber em termos de transformação ecológica. Os investidores internacionais estão atentos a essas oportunidades”, afirmou.
Haddad ainda fez uma conexão entre a regulação ecológica e o desenvolvimento da inteligência artificial (IA), destacando que data centers, fundamentais para o processamento de IA, podem consumir quantidades significativas de energia. “O Brasil tem um potencial energético muito maior que a demanda atual da nossa economia. Se regularmos adequadamente, poderemos atrair investimentos em inteligência artificial”, observou.
O futuro do setor produtivo e o papel do setor privado
Haddad enfatizou que o sucesso dessas reformas e regulamentações dependerá de uma colaboração estreita entre o setor público e o setor privado. Ele citou como exemplo o marco regulatório da mineração, que está sendo desenvolvido com a participação de diversos players da indústria. Segundo o ministro, o engajamento do setor produtivo será essencial para garantir que as novas legislações promovam crescimento econômico, sustentabilidade e inovação.
“O Brasil tem muitas oportunidades, especialmente no campo da energia e das inovações tecnológicas. Quanto maior o engajamento do setor produtivo na criação dessas regulações, tanto melhor será para o nosso futuro”, concluiu Haddad, reforçando o papel do diálogo e da cooperação para construir um ecossistema favorável ao desenvolvimento sustentável.
(por Cezar Xavier)