Otimismo do Governo com alta do PIB contrasta com pessimismo interessado do mercado
Setores do mercado financeiro mantêm um pessimismo que, segundo críticos, é estratégico para pressionar o Banco Central a manter altas taxas de juros que beneficiam especuladores
O Centro de Apoio ao Trabalho e Empreendedorismo (CATE), da Prefeitura de São Paulo. — Foto: Divulgação/PMSP
O recente crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro, divulgado pelo IBGE com uma alta de 1,4% no segundo trimestre de 2024, surpreendeu o mercado financeiro e trouxe à tona uma divergência fundamental: enquanto o governo celebra os resultados e projeta um futuro promissor para a economia, setores do mercado financeiro mantêm um pessimismo que, segundo críticos, é estratégico para pressionar o Banco Central a manter altas taxas de juros. Esse cenário reflete uma luta de poder entre a política econômica do governo e os interesses financeiros, com consequências diretas para a economia do país.
O crescimento econômico no segundo trimestre superou as expectativas de especialistas, que previam uma alta de 0,9%. Em vez disso, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) revelou um avanço de 1,4%, impulsionado por um mercado de trabalho resiliente, o consumo das famílias e um aumento significativo nos investimentos. Grandes instituições financeiras, como o Itaú Unibanco e a Genial Investimentos, ajustaram rapidamente suas projeções de crescimento para o ano, agora apontando para um PIB que pode alcançar ou até mesmo superar 3%.
Otimismo governamental: crescimento e investimento
“Vamos provavelmente reestimar o PIB para o ano, que deve — pela força com que ele vem se desenvolvendo — superar 2,7% ou 2,8%. Há instituições que já estão projetando um PIB superior a 3%”, disse o ministro Haddad. “Temos que olhar muito para o investimento porque ele que vai garantir crescimento com baixa inflação, se nós não aumentarmos a nossa capacidade instalada, vai chegar um momento que vamos ter dificuldade de crescer sem inflação”, disse, apontando que os investimentos apresentaram desempenho acima do esperado no último trimestre.
Para o governo, o crescimento econômico é uma prova de que a política fiscal expansionista, aliada a políticas de transferência de renda e investimentos em infraestrutura, está funcionando. O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, não escondeu seu otimismo ao sugerir que a previsão oficial de crescimento do PIB para 2024, anteriormente de 2,5%, deve ser revisada para cima, possivelmente ultrapassando 3%.
A argumentação do governo é clara: um mercado de trabalho aquecido, aumento da renda e investimentos em infraestrutura têm impulsionado a demanda interna, gerando crescimento econômico sustentável. A alta nos investimentos, particularmente na construção civil e na produção de máquinas e equipamentos, é apontada como um indicador de que o país está fortalecendo sua capacidade produtiva, o que pode garantir crescimento econômico com menor pressão inflacionária no médio e longo prazo.
O pessimismo estratégico do mercado financeiro
Por outro lado, o mercado financeiro, tradicionalmente mais conservador em suas projeções, começou a revisar para cima suas expectativas de crescimento para 2024, mas não sem ressalvas. As revisões, que agora apontam para um crescimento de 2,7% a 3,5%, são acompanhadas por alertas sobre as pressões inflacionárias decorrentes do aumento da demanda interna. Instituições como Itaú Unibanco e BTG Pactual destacam que o aquecimento da economia pode forçar o Banco Central a manter ou até elevar a taxa Selic, atualmente em 10,50% ao ano, para controlar a inflação. Essa visão reflete um posicionamento estratégico do mercado, que parece empenhado em manter os juros altos.
No entanto, o que deveria ser uma notícia amplamente celebrada levanta novas preocupações no mercado financeiro, que questiona a sustentabilidade desse crescimento. Para muitos analistas de mercado, o principal motor dessa expansão tem sido a política fiscal do governo, com aumento nos gastos públicos e políticas de transferência de renda. Esse “fôlego artificial”, segundo críticos, coloca em risco a estabilidade de longo prazo da economia, podendo gerar desajustes nos próximos anos. Esta lógica tem sido contínua entre os agentes de mercado, mesmo sendo desmentida desde o primeiro trimestre do governo.
Esse pessimismo, segundo alguns analistas, não é desinteressado. O mercado financeiro se beneficia de juros elevados, que garantem rendimentos atrativos para investidores, especialmente em um ambiente de incerteza global. A manutenção de uma política monetária restritiva com juros elevados é lucrativa para investidores, especialmente aqueles que detêm títulos da dívida pública, que são remunerados pela Selic. A crítica aqui é que o mercado utiliza o discurso da inflação como uma ferramenta para manter uma política monetária restritiva, que favorece o capital financeiro em detrimento do investimento produtivo.
Muitos economistas do setor privado defendem que o Banco Central deve agir de forma cautelosa, elevando as taxas de juros para conter as supostas pressões inflacionárias. Embora a inflação atual esteja dentro do intervalo da meta do BC – 4,5% nos últimos 12 meses, em comparação com o teto de 4,5% – o mercado tem pressionado para manter uma taxa Selic elevada, que atualmente está em 10,5%.
Os custos de uma política monetária restritiva
O impacto de juros elevados na economia real é significativo. Eles encarecem o crédito, diminuem o consumo das famílias e restringem os investimentos das empresas, freando o crescimento econômico. Além disso, com uma dívida pública elevada, juros altos aumentam substancialmente o custo do serviço da dívida, drenando recursos que poderiam ser alocados em áreas essenciais, como saúde, educação e infraestrutura.
O cenário se torna ainda mais complexo quando se considera que, mesmo com um crescimento econômico robusto, o Banco Central pode ser pressionado a subir os juros para controlar a inflação, o que poderia desacelerar o ritmo de crescimento em 2025. Esse movimento, alertam economistas mais alinhados com a política governamental, pode ser contraproducente, criando um ciclo de estagnação econômica e instabilidade social.
Um equilíbrio delicado
O que se observa é uma dicotomia: de um lado, um governo otimista, que vê no crescimento atual sinais de recuperação econômica sustentada, e de outro, um mercado financeiro cético, que insiste em manter uma postura conservadora. Essa divergência reflete, em parte, os interesses conflitantes em jogo.
Para o governo, o aumento dos investimentos e a recuperação da indústria são indicativos de que o crescimento não é apenas baseado em estímulos de curto prazo. O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, aponta que os investimentos produtivos – fundamentais para o aumento da capacidade instalada e a redução das pressões inflacionárias – têm mostrado sinais de melhora. Segundo Haddad, a chave para manter o crescimento e evitar uma escalada inflacionária é justamente o aumento da capacidade produtiva do país.
O embate entre o otimismo do governo e o pessimismo estratégico do mercado financeiro destaca uma tensão intrínseca na condução da política econômica no Brasil. Enquanto o governo busca consolidar um crescimento sustentado, apostando em políticas que estimulem a demanda interna e os investimentos, o mercado financeiro parece inclinado a defender uma política monetária que priorize a estabilidade inflacionária, mesmo que isso signifique sacrificar o crescimento no curto prazo.
O debate em torno da política monetária e da sustentabilidade do crescimento brasileiro continuará nos próximos meses. No entanto, o que parece claro é que, enquanto o mercado se mantém ancorado em seu pessimismo interessado, o governo segue apostando na recuperação econômica como um caminho viável para o desenvolvimento do país. O desafio será equilibrar essas duas forças, garantindo que o Brasil consiga crescer de forma sustentada e inclusiva, sem cair nas armadilhas de uma política monetária excessivamente restritiva.
(por Cezar Xavier)