O MPF quer medidas como a perda de aposentadorias, a restituição de indenizações pagas a familiares de Marighella e compensações por danos morais coletivos

Carlos Marighella foto: Aperj/Domínio Público

O Ministério Público Federal (MPF) entrou com uma ação civil pública contra 37 ex-agentes da ditadura militar, incluindo o delegado Sérgio Paranhos Fleury, por seu envolvimento no assassinato de Carlos Marighella. O ex-deputado federal e líder da resistência armada à ditadura foi morto em uma emboscada em 4 de novembro de 1969, em São Paulo, em uma operação organizada pelo Departamento de Ordem Política e Social (Dops). A ação busca a responsabilização civil dos envolvidos, mesmo daqueles já falecidos, com reparações que incluam a perda de aposentadorias e o pagamento de compensações por danos morais coletivos.

A procuradora da República Ana Letícia Absy, autora da ação, argumenta que a Lei da Anistia de 1979 foi criada para proteger os agentes do regime e evitar punições, o que ainda persiste. O MPF defende que, sendo crimes contra a humanidade, tais atos não podem ser anistiados ou prescritos. No caso dos réus falecidos, os herdeiros deverão responder pelas reparações.

O MPF solicita que os réus percam aposentadorias e restituam os gastos do Estado com indenizações pagas aos familiares de Marighella. Além disso, pede-se que paguem compensações financeiras pelos danos causados à sociedade brasileira pela repressão política.

Essa é a terceira ação civil pública movida pelo MPF em 2024 contra agentes da ditadura. As ações anteriores tratam de outros 34 militantes políticos que sofreram prisões ilegais, tortura, morte e desaparecimento forçado. Além da esfera cível, muitos dos envolvidos também enfrentam processos penais, com pedidos de condenação por crimes como homicídio qualificado.

O assassinato de Marighella

Carlos Marighella, um dos mais notórios opositores ao regime militar, liderava a Aliança Libertadora Nacional (ALN), uma organização de resistência armada. Na noite de sua morte, ele foi atraído a uma emboscada armada por Fleury, que comandava a operação. De acordo com a ação, após Marighella fazer um gesto como se fosse pegar algo de uma pasta, os policiais abriram fogo, matando-o sem chance de defesa.

A versão oficial da época sugeria que Marighella teria reagido à prisão e morrido em um confronto com os policiais, o que foi desmentido por investigações posteriores. O médico legista Abeylard de Queiroz Orsini, também citado na ação, é acusado de fraudar o laudo necroscópico de Marighella, omitindo evidências claras de execução sumária, como sinais de tiros disparados a curta distância e lesões que indicavam que Marighella tentou se proteger dos disparos.

Orsini, que foi denunciado ao Conselho Regional de Medicina e perdeu seu registro em 1990, é acusado de manipular diversos laudos em favor do regime militar. Ele morreu em 2021. Fleury, outro protagonista da operação, morreu em 1979.

Medidas de memória e reparação

Além das reparações financeiras, o MPF também busca que o Estado de São Paulo e a União sejam responsabilizados e realizem um ato público de desagravo à memória de Marighella. A ação exige ainda que o caso seja incluído em espaços de memória dedicados à ditadura militar, com o objetivo de preservar a verdade histórica e educar futuras gerações sobre os crimes cometidos durante o regime.

Pouco antes de sua morte, Marighella e seus aliados na ALN foram duramente perseguidos pelas forças de segurança do regime. Frades dominicanos que mantinham contato com o líder guerrilheiro foram presos e torturados, fornecendo informações que levaram à emboscada fatal. Na noite do crime, Marighella foi alvejado por, pelo menos, quatro disparos à queima-roupa enquanto estava desarmado, sem chance de reagir.

Investigações posteriores desmentiram a versão oficial do Dops de que o militante havia reagido à prisão. Laudos periciais indicaram que os tiros foram disparados a curta distância, e um revólver, supostamente pertencente a Marighella, só foi submetido à perícia 22 dias após a emboscada, sem apresentar impressões digitais ou sinais de uso.

Crimes contra a humanidade

De acordo com o MPF, o assassinato de Carlos Marighella é classificado como crime contra a humanidade, o que impede a aplicação de prescrição ou anistia, mesmo na esfera cível. A ação civil é parte de um esforço maior para responsabilizar agentes do regime militar pelos crimes cometidos durante o período da ditadura, de 1964 a 1985. O Brasil já foi condenado duas vezes pela Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) por atos de violência e repressão praticados contra civis durante esse período.

O caso de Marighella, assim como outras ações movidas pelo MPF, busca justiça para as vítimas do regime e a manutenção da memória histórica, garantindo que os crimes cometidos não sejam esquecidos e que os responsáveis sejam devidamente punidos.

(por Cezar Xavier)