Macron atropela vontade expressa nas urnas e indica premiê para manter arrocho
Ao nomear o direitista e minoritário Michel Branier, rejeitando a indicada pela Nova Frente Popular, Lucie Castets, Macron abriu o jogo dizendo que com Castets haveria elevação Salário Mínimo e retirada dos cortes previdenciários imposta aos franceses e rechaçada nas urnas
Após quase dois meses de consultas, adiamentos e anúncios de articulações, passando por cima do resultado das eleições legislativas de 7 de julho, que viram a coligação Nova Frente Popular (NFP) sair vencedora, Emmanuel Macron nomeou Michel Barnier, dos Republicanos (Les Républicains -LR), um partido de direita muito minoritário na nova Assembleia Nacional, como primeiro-ministro da França.
O presidente da República pediu ao novo ocupante do Hôtel Matignon [residência oficial do primeiro-ministro] que “formasse um governo unido a serviço do país”, segundo um comunicado.
“Esta nomeação surge após um ciclo de consultas sem precedentes durante o qual, de acordo com o seu dever constitucional, garantiu-se que o Primeiro-Ministro e o futuro governo reúnam as condições para serem o mais estáveis possíveis e tenham a oportunidade de se aproximarem de forma mais ampla”, enrolou o governo.
Michel Barnier foi Ministro do Ambiente em 1993, depois três vezes sob as presidências de Jacques Chirac e Nicolas Sarkozy – Ministro Delegado para os Assuntos Europeus em 1995, Ministro dos Negócios Estrangeiros em 2004 e Ministro da Agricultura em 2007.
Ele reapareceu em 2021 na vida política francesa, concorrendo como candidato nas primárias do seu partido, LR, para as eleições presidenciais de 2022. Também negociou as condições do Brexit e terá agora de usar a sua suposta diplomacia para liderar um governo minoritário na Assembleia.
Com 73 anos, o primeiro-ministro mais velho da Quinta República sucede a Gabriel Attal, que era o mais jovem.
Barnier deve tentar formar um governo capaz de sobreviver à censura parlamentar, já que na França, a Assembleia Nacional pode levar à dissolução do Governo votando uma moção de censura.
Segundo os resultados finais, a NFP conquistou o maior número de cadeiras: 182. O Juntos, do presidente Emmanuel Macron, veio na sequência, com 168. O Reunião Nacional (RN), partido de Marine Le Pen, de extrema-direita, conquistou 143.
No sistema semipresidencialista da França, o presidente e os membros do governo são eleitos separadamente. O presidente depende do primeiro-ministro indicado pela AN para assegurar as suas políticas. Para obter a maioria absoluta e poder liderar o governo, o partido ou coligação precisa de 289 das 577 cadeiras na AN.
Durante as negociações para a formação do novo governo, os ministros demissionários permanecerão em funções para continuarem a gerir os assuntos atuais.
Como registrou L’ Humanité, jornal do Partido Comunista Francês, a verdadeira razão para a recusa da nomeação da economista Lucie Castets, de 37 anos, indicada pela Nova Frente Popular para premiê, é que, conforme Macron declarou ao L’Express, “se eu a nomear ou a um representante da Nova Frente Popular (NFP), eles revogarão a reforma da previdência, aumentarão o salário mínimo para 1.600 euros, os mercados financeiros entrarão em pânico e a França mergulhará”.
Ao nomear um antigo comissário europeu que promove os dogmas neoliberais, “o Presidente da República elege a continuidade das políticas implementadas há 7 anos”, afirmou o Secretário Nacional do PCF, Fabien Roussel. Trata-se da construção de “uma coligação com os membros de seu bando derrotado e da cumplicidade do partido Reunião Nacional para apoiar a política que está sendo aplicada”, explicou Roussel. “Em outras palavras, Macron convive consigo mesmo. O seu roteiro é claro: nada deve mudar, tudo deve continuar como antes, aprofundando a política neoliberal”, assinalou.
“Michel Barnier em Matignon é o candidato minoritário de um partido minoritário, nomeado por um presidente derrotado, ao serviço de uma política liberal e anti-social. É um golpe terrível para a democracia e para o povo francês”, afirmou o senador do PCF, Pierre Ouzoulias, acrescentando que “liberal, europeísta, anti-social, Barnier é a antítese da mensagem enviada pelos franceses às eleições legislativas” .
“Ao nomear Michel Barnier para Matignon, representante de uma força política que saiu derrotada nas eleições legislativas, Emmanuel Macron está atropelando o voto dos franceses e vai contra o espírito da nossa República”, reagiu o Partido Socialista, também membro da NFP. “Um primeiro-ministro do partido que ficou na 4ª posição e que nem sequer participou na frente republicana não tem explicação. Estamos entrando numa crise de regime”, julgou o seu primeiro secretário, Olivier Faure.
“A quem estamos enganando?”, protestou Marine Tondelier, líder do partido Os Ecologistas, nas redes sociais, ao enviar uma “mensagem a todos os eleitores da Nova Frente Popular”: “Acima de tudo, não desistam. Isso é exatamente o que eles esperam”.
“O presidente acaba de decidir negar oficialmente os resultados das eleições legislativas que ele próprio convocou”, disse Jean-Luc Mélenchon, líder do partido França Insubmissa (FI), num discurso transmitido ao vivo após o anúncio de Macron ter sido feito.
“Não acreditamos nem por um segundo que haverá uma maioria na Assembleia Nacional disposta a aceitar tal negação da democracia. E não quero acreditar que o povo francês possa aceitar ser tratado desta forma aos olhos do mundo”, disse Mélenchon.
Já o partido Reunião Nacional de Marine Le Pen, anunciou que não censurará imediatamente Michel Barnier. “Julgaremos pelas evidências seu discurso de política geral, suas decisões orçamentárias e sua ação”, acrescentou o presidente do RN, Jordan Bardella, esperando possíveis alianças.
Por iniciativa de organizações juvenis e apoiada pela FI, pelo PCF, pelos Ecologistas, mas também por alguns sindicatos, e as organizações Attac e Todos Nós, foi convocada uma mobilização para este sábado, 7 de setembro, contra o “golpe de Macron”, que terá lugar com cerca de 150 marchas e comícios por toda a França.
“Foram as nossas organizações e a juventude que se mobilizaram e apelaram à unidade para evitar o pior (nas eleições). Ainda hoje somos nós que tomamos a iniciativa porque a juventude se expressou muito claramente contra a extrema direita e contra os macronistas em junho passado”, argumentou Éléonore Schmitt, porta-voz da União Estudantil nesta quinta-feira.
“Estamos arregaçando as mangas, porque é realmente imperativo continuar esta mobilização”, acrescentou Youlie Yamamoto, porta-voz da Associação pela Tributação das Transações Financeiras para ajuda aos Cidadãos – Attac, considerando essencial “uma manifestação nas ruas que apele a uma resposta o mais ampla possível, e obviamente unitária, do social e do movimento político”.
“Os franceses devem mobilizar-se para recusar que lhes sejam roubados os resultados das eleições legislativas”, convocou também o coordenador do França Insubmissa, Manuel Bompard, denunciando uma “situação de incrível gravidade” que “não pode ficar sem resposta”. Trata-se, resume o deputado da FI, de “recusar que a mensagem que (os eleitores) enviaram na primeira volta e na segunda volta seja totalmente esmagada, negada pela ação de um único homem, o Presidente da República cada vez mais isolado”.
Fonte: Papiro