Danos chegam a US$ 1,499 trilhão, em números atualizados. Sem o bloqueio, o PIB cubano poderia ter crescido 8% em 2023, segundo Ministério de Relacões Internacionais do país

Bruno Rodríguez Parrilla (I), ministro de Relações Exteriores de Cuba, fala com a imprensa para apresentar o informe nacional sobre as consequências do bloqueio econômico, comercial e financeiro imposto por Estados Unidos entre março de 2023 e fevereiro de 2024, no salão de protocolo El Laguito, em Havana, em 12 de setembro de 2024. ACN FOTO/Omara GARCÍA MEDEROS/ogm

O governo cubano reiterou nesta quinta-feira, 12, a denúncia contra os EUA pela aplicação durante mais de seis décadas de um bloqueio contra Cuba. “A preços correntes, os danos acumulados do bloqueio nestas seis décadas ascendem à cifra astronômica de US$ 164,14 bilhões”, sublinhou o ministro cubano de Relações Exteriores, Bruno Rodríguez.

Levando em conta a atual desvalorização do dólar face ao ouro, este valor de danos subiria para mais de US$ 1,499 trilhão. Se esta política hostil dos Estados Unidos não existisse, o Produto Interno Bruto (PIB, indicador da economia de um país) de Cuba em 2023 poderia ter crescido cerca de 8%.

O PIB cubano somava US$ 107,3 milhões em 2020. Isso significa que o bloqueio dos EUA causou prejuízos equivalentes a quase 15 vezes o PIB da ilha. A denúncia consta do relatório “Necessidade de acabar com o bloqueio econômico, comercial e financeiro imposto pelos Estados Unidos da América contra Cuba”, apresentado pelo chanceler cubano. O texto responde a um projeto de resolução que deverá ser discutido no final do próximo mês pela Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas.

Estes números se refletem diretamente no cotidiano das pessoas. A história de Marilín Peña Pérez, educadora popular e socióloga no Centro Memorial Martin Luther King, reflete as múltiplas consequências do bloqueio econômico imposto pelos Estados Unidos a Cuba. Sofrendo de miopia aguda desde os oito anos, Marilín passou por várias cirurgias que a deixaram dependente de tratamentos avançados e medicamentos que o país não consegue adquirir, devido às sanções que restringem o acesso a tecnologias de ponta de origem norte-americana.

Esse é apenas um dos inúmeros relatos que permeiam a vida diária em Cuba, conforme reportagem de Daniela Cabrera Monzón, no jornal Granma, órgão oficial do Partido Comunista de Cuba. A proibição de comprar equipamentos médicos, os altos custos de insumos em mercados distantes e o impacto direto na saúde pública são efeitos palpáveis de um bloqueio que já dura mais de seis décadas.

Condenação internacional

O embargo econômico imposto pelos Estados Unidos contra Cuba é uma das medidas internacionais mais condenadas anualmente na Assembleia Geral das Nações Unidas (ONU). Desde 1992, a organização aprova resoluções exigindo o fim da medida, que, ao longo dos anos, vem recebendo apoio quase unânime de seus 193 membros. Em 2016, a resolução contou com 191 votos a favor e nenhum contrário, com os próprios EUA se abstendo.

As razões para a condenação do embargo são variadas e, em muitos casos, não representam necessariamente apoio ao regime cubano, mas sim uma crítica ao caráter extraterritorial das sanções. Muitos países europeus, por exemplo, expressam sua oposição ao fato de que o embargo restringe a liberdade de empresas estrangeiras de fazerem negócios com Cuba, além de considerarem a medida um precedente perigoso de ações unilaterais e coercitivas.

O embargo: uma teia jurídica de décadas

O embargo americano é fruto de uma complexa teia de leis e regulamentos, desenvolvidos ao longo de décadas. Suas raízes remontam a 1960, quando o então presidente Dwight Eisenhower impôs as primeiras sanções em resposta à nacionalização de propriedades americanas em Cuba. Essas ações culminaram em um embargo comercial total em 1962, instituído pelo presidente John F. Kennedy.

Desde então, várias leis, como a Lei Torricelli (1992) e a Lei Helms-Burton (1996), ampliaram o escopo do embargo, afetando inclusive empresas estrangeiras que desejam negociar com Cuba. Essas legislações impõem severas restrições às operações comerciais entre Cuba e outras nações, aumentando o isolamento econômico da ilha.

Flexibilizações e endurecimentos

Embora o embargo tenha permanecido em vigor por décadas, ele sofreu algumas flexibilizações. Em 2000, a exportação de alimentos, produtos agrícolas e medicamentos foi parcialmente permitida. Durante o governo de Barack Obama, houve um esforço de normalização das relações entre os dois países, resultando em uma flexibilização das viagens e remessas para Cuba.

Contudo, o governo de Donald Trump reverteu essas políticas, adotando uma linha mais dura, incluindo a reativação de um trecho da Lei Helms-Burton, que permite que americanos processem empresas estrangeiras que utilizam propriedades confiscadas pelo governo cubano.

Os impactos reais do embargo

O governo cubano atribui ao embargo grande parte dos problemas econômicos enfrentados pela população, citando, por exemplo, as dificuldades de obter investimentos e financiamentos internacionais. Rodríguez detalhou o impacto do bloqueio em setores como saúde pública, educação, transporte e construção, entre outros serviços públicos com grande demanda entre a população cubana. “O que torna a economia cubana única (…) é a presença opressiva e sufocante do bloqueio”, afirmou.

O ministro descreve a política de Washington em relação à ilha como uma guerra econômica “em termos técnicos tipificados em instrumentos internacionais” e disse que isto significa que o país tem agora “uma economia de guerra”.

Contudo, críticos do governo cubano argumentam que a ilha mantém relações comerciais com diversos países ao redor do mundo (em particular outros países sancionados pelos EUA) e que recebe investimentos em setores como turismo. O ministro não nega esse argumento. Nem todas as dificuldades da sociedade cubana decorrem exclusivamente do bloqueio – reconheceu o Ministro de Relações Exteriores – “mas seria inverídico não identificá-lo como o principal obstáculo para o nosso desenvolvimento”.

Rodríguez Parrilla detalhou que o bloqueio atinge setores cruciais, desde a disponibilidade de alimentos e medicamentos até a importação de equipamentos fundamentais para a saúde pública, como ventiladores pulmonares durante a pandemia de COVID-19. Cuba foi forçada a buscar alternativas de mercados distantes, o que encarece ainda mais a obtenção de bens de primeira necessidade.

Em 2024, o déficit de uniformes escolares atingiu quase meio milhão de peças, refletindo a escassez de matérias-primas e os custos elevados de produção. Além disso, as operações aéreas e o turismo também enfrentaram quedas significativas, com o cancelamento de voos por grandes operadoras devido à baixa demanda e às dificuldades comerciais impostas pelo bloqueio.

O ministro também detalhou em particular os danos causados ao país caribenho pela sua inclusão na Lista de Países Patrocinadores do Terrorismo, elaborada unilateralmente pelo Departamento de Estado e que atinge duramente as relações econômicas internacionais de Havana. A acusação não faz o menor sentido, considerando que Cuba não tem condições de “patrocinar” sua própria base econômica.

O embargo dos EUA a Cuba é uma política que, além de impactar severamente a economia da ilha, é amplamente criticada internacionalmente. As sanções têm um efeito profundo sobre o cotidiano dos cubanos. O isolamento comercial criou uma situação difícil, onde as perspectivas de mudança permanecem incertas enquanto as sanções continuarem em vigor.

Cezar Xavier com informações do jornal Granma, órgão oficial do Partido Comunista de Cuba