Segundo especialista em Educação, estes estados vão na contramão de políticas educacionais recomendadas, especialmente após as perdas da pandemia.

Alunos ocupam Escola Ana Rosa de Araújo Dona contra o fechamento de 94 instituições de ensino proposta pela Secretaria Estadual de Educação de São Paulo em 2015. Rovena Rosa/Agência Brasil

Os resultados preocupantes do Sistema de Avaliação de Educação Básica (Saeb) 2023, divulgados recentemente, trouxeram à tona um cenário alarmante para a educação no Sudeste brasileiro. Estados governados por forças políticas alinhadas à extrema direita bolsonarista, como São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais, registraram quedas significativas nas notas de Português e Matemática. Essa performance ruim não apenas impactou negativamente o desempenho nacional, mas também revelou falhas estruturais nas políticas de recuperação de aprendizagem implementadas nessas regiões.

De acordo com Madalena Guasco, diretora da Faculdade de Educação da PUC-SP e secretária geral da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Estabelecimentos de Ensino (Contee), as estratégias adotadas nesses estados foram insuficientes e mal direcionadas. “Um programa de recuperação de aprendizagem necessita de acompanhamento e apoio aos estudantes e famílias, professores motivados e valorizados, ensino com significado e participação”, ressalta ela ao Portal. No entanto, ela destaca que o que foi colocado em prática foi exatamente o contrário.

A educadora Madalena Guasco Peixoto

Nos estados do Sudeste, o uso de plataformas de ensino padronizado, que desconsideram as particularidades e necessidades dos estudantes, tornou-se a norma. Esse modelo, segundo Madalena, é impessoal e pouco participativo, não contribuindo para uma educação significativa. Além disso, houve uma precarização do trabalho docente, com um aumento exponencial na contratação de professores temporários, que enfrentam condições de trabalho instáveis e pouco motivadoras. “Essas políticas resultaram em um ataque à gestão educacional, com cobranças e ameaças constantes, o que desestabiliza ainda mais o ambiente escolar”, afirma.

A situação se agrava quando se considera a destinação de recursos públicos para fundações de caráter privado, sob a justificativa de melhoria da educação. Para a especialista em Educação, essa alocação de recursos desvia o foco do que realmente é necessário para a recuperação do aprendizado: o investimento em uma educação pública de qualidade, com professores valorizados e políticas educacionais que atendam às necessidades reais dos estudantes.


Francisca da Rocha Seixas, dirigente da Apeoesp

Sucateamento escolar: agenda privatista do bolsonarismo

Francisca da Rocha Seixas, secretária de Assuntos Educacionais e Culturais da Apeoesp, teceu duras críticas às gestões estaduais, culpando-as pelas falhas nas políticas de recuperação de aprendizagem. Em seu comentário, ela ressaltou que, apesar do Brasil ser um país diverso, as soluções propostas para a educação não refletem essa diversidade. “Os estados com mais recursos, como São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais, são os que apresentam maior deficiência justamente porque seus governantes vêm cortando verbas da educação pública”, afirmou ao Portal.

Francisca denuncia um processo contínuo de desmonte da educação pública, promovido por administrações que ela classifica como alinhadas ao ideário de extrema direita bolsonarista. Para a secretária, esses governos implementam uma visão empresarial da educação, delegando responsabilidades constitucionais a organizações sociais e priorizando interesses de elites econômicas. “Eles mantêm seus projetos privatistas intactos, favorecendo os barões da educação em detrimento da maioria da população”, reforça.

Outro ponto destacado pela secretária é o descaso com a educação pública, especialmente nas periferias. Ela menciona que os governos estaduais têm promovido uma política de baixos salários para professores, sucateando escolas e mantendo gestões autoritárias. “São escolas nas quais não há condições adequadas de trabalho e nem estrutura mínima para os alunos”, denuncia. Segundo a sindicalista, essa postura compromete o futuro de crianças e adolescentes que dependem do ensino público de qualidade.

Ela também chama atenção para a importância de um investimento robusto na educação pública, destacando que um país não pode se desenvolver com soberania e justiça social sem isso. “Esses governadores possuem uma visão retrógrada, acreditam que a educação é um privilégio para poucos, o que vai na contramão do desenvolvimento de qualquer nação.”

Para a educadora, a solução passa por um maior investimento em infraestrutura escolar, valorização dos profissionais da educação e democratização das gestões escolares. Ela defende escolas que ofereçam ensino integral de qualidade, com alimentação adequada, bibliotecas bem equipadas, laboratórios de ciências, aulas de arte e esportes, além das disciplinas obrigatórias.

Além disso, ela pontua a necessidade de reduzir o número de alunos por sala, permitindo um acompanhamento individualizado dos estudantes, especialmente aqueles com maior dificuldade de aprendizagem. Para alcançar essas metas, ela salienta a importância de uma gestão democrática, em que toda a comunidade escolar – professores, alunos e familiares – participe ativamente das decisões e dos projetos pedagógicos.

A dirigente da Apeoesp encerra seu comentário com um alerta: “Sem esses investimentos e mudanças, o futuro da educação pública brasileira estará em risco. Precisamos de governos comprometidos com o desenvolvimento humano, e não com agendas privatistas que excluem a maioria dos cidadãos”.

Fora do ritmo nacional

O instituto Todos Pela Educação, ao analisar os resultados do Saeb, observou que a estagnação das notas no Sudeste não foi homogênea. Estados como São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais, que são populosos e, portanto, influenciam mais a média nacional, ficaram para trás em termos de política educacional entre 2019 e 2023. Apesar de serem mais ricos e com possibilidade de ter melhor infraestrutura, “mas as políticas nesses estados não acompanharam o ritmo do resto do país”, comenta Gabriel Corrêa, diretor de políticas públicas do instituto.

Enquanto outras regiões, como o Nordeste, conseguiram mitigar as perdas de aprendizagem causadas pela pandemia, os estados do Sudeste apresentaram as piores quedas nas três etapas avaliadas pelo Saeb. Essa diferença é atribuída à falta de programas robustos de recomposição de aprendizagem, que desconsideraram as grandes defasagens dos estudantes, acreditando que apenas a implementação de novas políticas seria suficiente para superar os desafios.

“Muitas secretarias de educação, inclusive de São Paulo e do Rio, criaram programas insuficientes de recomposição de aprendizagem. Acharam que bastava apenas passar uma borracha no que aconteceu na pandemia e implementar novas políticas, sem levar em conta que os estudantes estavam em grande defasagens”, analisa Corrêa. “Com isso, esses governos estaduais falharam, ao contrário do que acontece com êxito em outros lugares de destaque ao longo dos anos, como o Ceará”.

Em contraste, estados como o Pará, no Norte do país, demonstraram sucesso ao priorizar currículos focados e intervenções pedagógicas direcionadas para os estudantes com problemas de aprendizagem. Esse modelo de política educacional, que envolve avaliação contínua e intervenções precisas, é apontado como um exemplo positivo em um cenário nacional de grandes disparidades.

As respostas das secretarias de educação dos estados do Sudeste, em grande parte, reconhecem as dificuldades enfrentadas, mas oferecem poucas garantias de mudanças significativas a curto prazo. São Paulo afirmou que os resultados reforçam o diagnóstico feito no início da atual gestão, e que a recuperação começou apenas no segundo semestre de 2023. O Rio de Janeiro mencionou uma série de medidas que, segundo a secretaria, irão melhorar os resultados no futuro. Minas Gerais, por sua vez, classificou a recuperação do processo de ensino-aprendizagem como uma tarefa contínua, sem oferecer detalhes sobre novas abordagens ou correções de rumo.

Enquanto isso, especialistas alertam que a continuidade de políticas educacionais inadequadas poderá aprofundar ainda mais as desigualdades regionais e comprometer o futuro de milhões de estudantes. A educação pública, segundo Madalena Guasco, precisa urgentemente ser reorientada para atender às reais necessidades dos alunos, com foco em práticas pedagógicas participativas e inclusivas, além de uma valorização efetiva dos profissionais da educação.

Estatísticas

Levantamento nos dados do Inep mostra que a maior parte dos alunos das redes públicas estuda em cidades que tiveram alguma queda de aprendizagem em duas das três etapas avaliadas. Nos anos iniciais, metade dos alunos são de municípios que tiveram queda entre 0,1 e 0,5 ponto, resultado considerado insatisfatório por pesquisadores. Outros 10% são de municípios em que o desempenho caiu mais do que 0,5, o que é visto como muito ruim.

No Sudeste, esses índices são de 63% e 12%, respectivamente. No Nordeste, os patamares são de 35% e 9%. Além disso, o Nordeste teve 12% dos seus estudantes em redes que melhoraram mais do que 0,5 pontos. Apenas 1% dos estudantes do Sudeste estão em cidades nesse estágio.

A situação é similar no ensino médio. Enquanto 62% dos alunos do Sudeste estão em redes com queda da nota entre 0,1 e 0,5 ponto, 56% dos nortistas conseguiram crescer nesse mesmo patamar. No Pará, não houve nenhuma cidade com queda do Ideb acima de 0,5 pontos.

(por Cezar Xavier)