Pacote Climático de Tarcísio sofre com limitações e generalidades
Políticas Públicas voltadas ao tema das mudanças climáticas são sempre bem-vindas. No entanto o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), empregou uma agenda que insere ainda mais as empresas privadas no meio público e deixou de lado ações voltadas à mitigação da crise hídrica no estado.
Chamado de “Pacote Climático”, o governo paulista emplacou em 5 de agosto, Dia Mundial do Meio Ambiente, uma série de medidas que tratam sobre a crise climática, mas não observam a pauta da gestão da água como fundamental.
Para o diretor de Imprensa e Comunicação do Sintaema (Sindicato dos Trabalhadores em Água, Esgoto e Meio Ambiente do Estado de São Paulo), Anderson Guahy, a proposta apresentada, na verdade, é um pacote de maldades, pois “exclui ações essenciais e urgentes de combate à seca, uso otimizado da água e de preservação de nascentes”.
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Para o sindicalista, com o atual governo enfrentamos um desmonte do Estado que dá sequência à herança perversa de privatizações das gestões tucanas. E a situação traz enorme preocupação, sendo que impactará no futuro de gerações.
A pedido da reportagem, Guahy destaca alguns retrocessos ambientais que seguem com a gestão Tarcísio:
- aumento vertiginoso do desmatamento em prol da especulação imobiliária;
- ameaça de privatização dos parques estaduais;
- ataque e morte dos povos originários;
- liberação irresponsável de agrotóxicos;
- retrocessos na legislação ambiental;
- privatização dos sistemas de água e saneamento;
- abandono da Política Nacional de Resíduos Sólidos;
- tentativas de privatização de Unidades de Conservação no estado de São Paulo;
- enfraquecimento e redução do Estado no que concerne à política ambiental, com a fusão de secretarias;
- extinção de órgãos de pesquisa e estudo para o meio ambiente;
- asfixia profissional no Estado, com o quadro deficitário de trabalhadores para a área do Meio Ambiente na ordem de cerca de 80%.
“Esse é o cenário que enfrentamos”, lamenta.
Urgência climática
Desde semana passada, a urgência do tema se fez presente com as queimadas que assolaram o estado. Ainda que tenham sido iniciadas de forma criminosa, como as investigações apontam, o modelo de monocultura adotado pelo agronegócio não só no interior de São Paulo, mas em grande parte do Brasil, contribui para impactos ambientais significativos. Estes impactos se revelam pelo desmatamento e emissão de gases poluentes.
Neste ponto, a degradação ambiental potencializa alterações no clima e, consequentemente, eventos severos como chuvas em excesso em certas localidades, como ocorreu no Rio Grande do Sul, ou secas acentuadas como atravessa a Amazônia e pode voltar a ocorrer em São Paulo.
No caso específico da monocultura da cana-de-açúcar no interior paulista, a propagação do fogo pela grande concentração de biomassa de um canavial é facilitadora dos incêndios – que se tornaram fora de controle. Dessa maneira, utilizar fogo para limpar terreno para o corte ou para desmatar para plantio são atividades ilegais.
Ainda assim, os fatos não escondem que – em um cenário onde as chuvas e os ventos não possuem a mesma previsibilidade de décadas atrás, somado a áreas de preservação ambiental cada vez menores – é preciso repensar os modelos de ordenamento das propriedades e de produção agrícola em consonância com a proteção ambiental.
E a crise hídrica?
A seca parece como secundária no radar do governo de São Paulo. Até agora o que feito foram perfurações de poços artesianos dentro de um Plano de Resiliência à Estiagem. Mas situação requer esforços maiores e já preocupa, tendo em vista que a estiagem neste ano começou a afetar os reservatórios de água no estado e chama atenção para 2025.
Ao que parece a equipe que desenvolveu o “Pacote Climático de Tarcísio”, não se lembra (ou não foi informada) de que há 10 anos, em 2014, o estado viveu uma crise hídrica sem precedentes que levou ao racionamento de água na Grande São Paulo.
“Na época o governo de plantão colocou a culpa em São Pedro, mas a gente sabe que a sazonalidade deve ser enfrentada com projetos a ações de preservação. Se houvesse planejamento lá não teríamos sofrido tanto com os racionamentos e bebido água do volume morto. Sem nenhuma novidade do seu descompromisso, Tarcísio repete a dose e o resultado está ao nosso redor: recorde de incêndios, insegurança e prejuízos severos para o nosso meio ambiente. Ou seja, uma gestão do desastre”, critica Guahy.
Como apontou o site Metrópoles, a secretária de Meio Ambiente, Infraestrutura e Logística, Natália Resende, na apresentação do “Pacote Climático” junto ao governador, reconheceu que o tema é urgente, ainda que não tenha sido apresentado nada a respeito.
Resende ainda disse que o tema é sensível, pois a região metropolitana de São Paulo oferece apenas 143 m³ de água por habitante ao ano, escassez pior que a do Nordeste e um décimo do preconizado pela ONU.
Na sua resposta, como trouxe a reportagem, ela disse que segurança hídrica será tratada pelo do plano regional de gestão da água da nova Unidade Regional de Serviços de Abastecimento de Água Potável e Esgotamento Sanitário Sudeste (Urae) – pela qual seu Conselho é responsável pelo contrato de concessão da Sabesp à iniciativa privada.
Sobre este caso, o diretor do Sintaema lembra que este cenário catastrófico foi acentuado com o processo de privatização da Sabesp e deverá significar para o cidadão “um brutal aumento nas contas de água e esgoto”. Além disso, irá representar o fim dos investimentos para cidades ao acabarem com o “subsídio cruzado”, o que prejudica dezenas de municípios pequenos que possuem menor potencial econômico.
“Na essência, o pacote climático do governo Tarcísio nada diz sobre fortalecer instituições experientes e que podem fazer a diferente como a Sabesp, CETESB e Fundação Florestal, ou reabrir os institutos ambientais, fechados pelo também privatista João Doria. Pelo contrário, Tarcísio entrega a iniciativa privada o trabalho que o Estado já tem experiência em fazer. Tudo isso para ampliar seu leque de apoio, com sua farra privatista, para sua carreira rumo a Brasília. Enquanto isso, em tempos de severa crise climática, a população de São Paulo pena e irá penar ainda mais com a privatização da Sabesp e o desmonte dos órgãos públicos responsáveis pela política ambiental”, explica Anderson Guahy.
Estiagem em São Paulo
Uma estiagem promovida pelo fenômeno climático La Niña (com águas do oceano Pacífico mais frias do que o habitual) deve ocorrer entre setembro e novembro e agravar a situação dos reservatórios de água paulista.
Em comparação com o mesmo volume de agosto de 2023, os reservatórios estão consideravelmente abaixo em armazenamento, com exclusão do São Lourenço que se mantém em um nível próximo.
Em 29/08 de 2023 a porcentagem de armazenamento era:
- Cantareira 73,3%;
- Alto Tietê 63,9%;
- Guarapiranga 58,8%;
- Cotia 84,4%;
- Rio Grande 94,6%;
- Rio Claro 44,2%;
- São Lourenço 62,2%;
- Volume armazenado RMSP 70,0%.
Em 29/8 de 2024 está em:
- Cantareira 57,9%;
- Alto Tietê 53,7%;
- Guarapiranga 45,3%;
- Cotia 49,1%;
- Rio Grande 70,6%;
- Rio Claro 28,4%;
- São Lourenço 60,3%;
- Volume armazenado RMSP 56,1%.
Esta situação já causa preocupação para este ano e para o próximo.
“Com a gestão Tarcísio, estamos diante de um cenário incerto e de alerta. A começar pelo projeto dele de transformar a secretaria de meio ambiente na super secretaria de Meio Ambiente, Infraestrutura e Logística. Só isso já revela que a política ambiental que está no centro do projeto do governo estadual não é de preservação sustentável”, coloca o sindicalista do Sintaema.
O que consta no pacote que esqueceu a crise hídrica?
Entre os anúncios feitos pelo governo no Dia Mundial do Meio Ambiente estão o de retirada de resíduos de rios, como o Pinheiros; um programa para integrar consórcios intermunicipais e o setor privado para aterros sanitários; e instalação de sirenes como alerta de desastre em áreas de risco.
Outro ponto é o que prevê a facilitação de entrada de capital privado em projetos de mitigação dos efeitos das mudanças climáticas, com um estabelecimento de um conselho gestor para o tema.
Mas por agora, quanto à água, somente poços.
“Não esqueçamos de que os graves problemas sociais e ambientais que se abateram sobre o Brasil não surgiram hoje, são históricos e tiveram uma piora gigantesca com a gestão de Jair Bolsonaro. A chamada “boiada” fez história e o saldo desse ataque nos cobra uma ação urgente de reversão. O cenário de retrocessos socioambientais exige reflexão, articulação e luta para frear a crise ambiental causada pela destruição das florestas, pela poluição do ar, dos rios e dos mares, pela desertificação, pelo aumento das desigualdades sociais”, completa Guahy.