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O economista Delfim Netto, ministro da Fazenda sob a ditadura militar, morreu nesta segunda-feira (12), aos 96 anos, no Hospital Albert Einstein, em São Paulo, em decorrência de complicações no seu quadro de saúde. A causa da morte não foi informada. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva emitiu nota em que fala de sua relação com Delfim e declara: “Quando o adversário político é inteligente, nos faz trabalhar para sermos mais inteligentes e competentes”. 

“Durante 30 anos eu fiz críticas ao Delfim Netto. Na minha campanha em 2006, pedi desculpas publicamente porque ele foi um dos maiores defensores do que fizemos em políticas de desenvolvimento e inclusão social que implementei nos meus dois primeiros mandatos. Delfim participou muito da elaboração das políticas econômicas daquele período”, diz o comunicado assinado pelo presidente.

O Ministério da Fazenda também emitiu nota em que manifesta pesar. “Professor, economista, ex-ministro da Fazenda, da Agricultura e do Planejamento e diplomata, Delfim Netto foi um referencial em diferentes fases da história do país. Por décadas, fomentou debates essenciais sobre a condução da política econômica brasileira. Neste momento de luto, os servidores do ministério da Fazenda manifestam respeito e solidariedade aos familiares e amigos de Delfim Netto”, afirma. 

O presidente do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), Aloizio Mercadante, também lamentou a morte: “Apesar das divergências políticas e no próprio debate econômico que tivemos ao longo da vida, Delfim Netto sempre teve compromisso com a produção e com o crescimento da economia”, disse. “Mesmo tendo sido um ministro destacado do regime militar — liderou o chamado ‘milagre brasileiro’ —, Delfim apoiou o governo Lula em momentos importantes e desafiadores”. 

O presidente do Congresso Nacional, Rodrigo Pacheco, e nomes como Guilherme Mello, secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda, entre outros, também lamentaram o falecimento. 

“Milagre econômico”

Delfim é considerado um dos maiores economistas do Brasil, tendo se notabilizado por sua passagem pelo Ministério da Fazenda durante a ditadura militar, entre 1967 e 1974. Apoiou o Ato Institucional número 5 (AI-5), que foi decretado em 13 de dezembro de 1968 e que, entre outras arbitrariedades, suspendeu as atividades do Congresso, cassou mandatos parlamentares e suspendeu os direitos políticos. Também participou de reuniões com grandes empresários para pedir financiamento à Oban (Operação Bandeirantes), responsável por diversas ações ilegais contra militantes políticos, como sequestro, tortura, morte e desaparecimento político.

O ministro foi o responsável por conduzir o chamado “milagre brasileiro” durante o regime ditatorial. “Entre 1967 e 1973, o PIB quase dobrou, crescendo 96,5%. Em 1973, quando estourou a primeira crise do petróleo, a economia brasileira cresceu 13,97%, taxa nunca mais experimentada pelo país”, aponta o jornal Valor Econômico.

Vem do economista a ideia de que era preciso “fazer o bolo crescer para depois dividi-lo”, embora ele negasse a autoria da frase. Tal divisão, no entanto, ficou só na receita. O “milagre” fez o Brasil crescer, mas não contribuiu para mitigar a profunda desigualdade social e em boa medida teve como base o aumento da capacidade de consumo das classes altas, o arrocho do salário mínimo e a perda da capacidade de compra do trabalhador. 

“O bolo cresceu, como dizia o Delfim, mas ele não foi repartido, ou foi repartido de maneira muito desigual”, explicou, à Agência Brasil, o historiador Jorge Luiz Ferreira, da Universidade Federal Fluminense.“O objetivo era industrializar o país, fazer o país crescer, mas não tinha uma política de redistribuição de renda”, acrescentou. 

Conforme pontuou o economista e professor do Instituto de Economia da Unicamp, Marco Antonio Rocha, em entrevista concedida em abril deste ano ao Instituto Lula, entre outros problemas, “as políticas implementadas em 1968 impuseram o congelamento do salário mínimo, quer dizer, do represamento dos repasses inflacionários, da indexação inflacionária para o salário mínimo, que representou uma queda real de cerca de 50% do salário mínimo. Além do fechamento dos sindicatos, perseguição das lideranças sindicais; tudo isso enfraqueceu a capacidade combativa, a capacidade de barganha do trabalho frente ao capital”. 

Nota emitida pelas centrais sindicais — entre as quais a CTB, a CUT, a UGT e a Força Sindical — na passagem dos 60 anos do início da ditadura, completados em 1º de abril deste ano, destaca que “ao contrário da falácia do milagre econômico, vendida pelos militares como propaganda de governo, os trabalhadores foram extremamente prejudicados nos 21 anos de ditadura, sofrendo com um progressivo empobrecimento, enfraquecimento e com o cerceamento aos sindicatos”. 

O texto completa lembrando que esse enfraquecimento foi projetado “para que a economia de mercado pudesse, sem resistência, se sobrepor aos interesses sociais. Com isso, a ditadura aumentou a desigualdade e a pobreza, atrasando o desenvolvimento humano, político e ambiental do país”.

Vale lembrar que a dívida externa ainda aumentou quase quatro vezes durante o regime militar, saindo de 15,7% do PIB em 1964 para 54% em 1984 e que, depois do “milagre” — mas não apenas por causa dessa política — a inflação explodiu nos anos 1980 e o crescimento se estagnou. 

Trajetória

Nascido em São Paulo, em maio de 1928, Delfim Netto foi, ainda, embaixador na França entre 1974 e 1978 e, mais tarde, assumiu o Ministério da Agricultura e o Ministério da Secretaria do Planejamento da Presidência, em 1979.

Em 1986, foi eleito deputado pelo PDS (Partido Democrático Social), que sucedeu a Aliança Renovadora Nacional (Arena), partido que dava sustentação aos militares. No ano seguinte, participou da Assembleia Nacional Constituinte. Foi reeleito deputado federal quatro vezes, deixando a Câmara somente em 2007. 

Nos anos em que Lula ocupou a presidência pela primeira vez, o economista se aproximou do presidente e chegou a compor o Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social.