Hidrelétrica de Alicura | Foto: Reprodução

O presidente Javier Milei decretou a privatização de quatro hidrelétricas argentinas, consideradas estratégicas, localizadas na região de Comahue, entre as províncias de Río Negro e Neuquén, no sul do território.

Ao abrir mão do controle estatal e entregá-lo a cartéis nacionais e estrangeiros, alertou o especialista argentino Nicolás Malinovsky, o governo atenta contra o interesse da população e do próprio país, uma vez que a medida encarecerá as tarifas e prejudicará a indústria argentina – que ficará cada vez mais limitada a ser “produtora de matérias-primas” num contexto internacional em que “cresce a disputa por energia”. Para Malinovsky, é óbvia a intenção de “transferir recursos energéticos do Estado para setores privados que procurarão maximizar os seus lucros em detrimento da soberania energética”.

“Haverá uma maior concentração do setor energético em mãos privadas”, o que deixará o Estado argentino “sem recursos operacionais sobre um setor estratégico para a economia”. O fato, apontou, é que para aumentar suas ganâncias, os cartéis “venderão energia a preços internacionais, independentemente de ser proveniente de hidrocarbonetos ou hidrelétricas ou de ser adquirida no mercado nacional ou internacional”.

Malinovsky explicou que “isso tem correlação com aumento de tarifas e maiores custos de energia no Sistema Interligado Argentino. Veremos falta de acesso ao setor energético para a população, mas também energia mais cara para a indústria e pequenos negócios”.

A situação é caótica, ainda mais prejudicial do que a promovida na década de 1990 pelo trágico governo de Carlos Menem (1989-1999). Na época foi feita uma “concessão” a grupos privados que exploraram o imenso patrimônio construído pelo Estado, agora há uma escancarada privatização, com a venda direta dos ativos, sem qualquer sombra de controle.

Embora as barragens Alicura, Chocón, Cerros Colorados e Piedra del Águila estivessem sob “concessão” desde 1993, o decreto 718/2024 assinado por Milei em 9 de agosto estabelece um prazo de 180 dias para o Ministério da Economia “proceder à venda do controle” de cada barragem.

No olho do furacão, o complexo energético mobiliza um intenso debate sobre os caminhos do desgoverno, que vêm somando retrocessos. Nicolás Malinovsky apontou que as quatro barragens em foco totalizam uma capacidade instalada de mais de 4.000 MW, o que representa aproximadamente 30% da geração hidrelétrica do país. O restante da produção hídrica é complementado pelas barragens binacionais de Yaciretá (compartilhada com o Paraguai) e Salto Grande (compartilhada com o Uruguai).

A barragem de Alicurá, localizada na província de Río Negro, foi inaugurada em 1985 e tem sido fundamental no desenvolvimento hidrelétrico do rio Limay (1.000 MW). Inaugurada em 1973, El Chocón é uma das mais importantes da Argentina, no rio Limay, na província de Neuquén (1.200 MW). Cerros Colorados está na província de Neuquén, iniciou sua construção na década de 1970 e foi concluída em 1980 (cerca de 500 MW).  Também em Neuquén, a usina de Piedra del Águila foi inaugurada em 1993 é uma das maiores do país no rio Limay (1.400 MW).

Nos últimos anos, com todas as suas limitações, suas concessões estiveram sob responsabilidade da Enarsa (Energía Argentina NA) e NASA (Nucleoelétrica Argentina SA) e voltarão a estar novamente. A diferença é que desta vez estas duas estatais também entraram no pacote de Milei para serem privatizadas, deixando de haver um órgão estatal especializado para monitorar o processo.

Desta forma, os critérios passam a ser determinados pelo Ministério da Energia e pelo Ministério da Economia, “autoridades de fiscalização” que sob o escancarado entreguismo neoliberal têm atuado em função dos interesses dos cartéis, essencialmente transnacionais.

Malinovsky enfatizou que “as barragens já estão totalmente amortizadas” para que o Estado argentino não tivesse que continuar pagando pela sua construção e garantiu que o custo de manutenção e operação “é muito baixo em comparação com outros tipos de geração de eletricidade”. Alimentando-se da água dos rios em que se encontram, agregou, não necessitam de outros tipos de combustível.

As concessões a empresas privadas outorgadas por Menem tinham expirado em agosto de 2023, mas foram prorrogadas por mais um ano pelo governo de Alberto Fernández (2019-2023) que, na avaliação do especialista, “perdeu a oportunidade de devolver as barragens à gestão pública”.

Com a medida, Milei dá aos cartéis “mísseis” que apontam contra a região e seus recursos naturais, condenou o deputado federal Pablo Todero, da União pela Pátria (UP), lembrando que há toda uma história por trás destas construções, “barragens que têm mais de três décadas e que se encontram amortizadas”.

Todero defende que a água pertence às províncias, portanto, que a gestão deveria estar nas suas mãos. “É claro que nós, argentinos, pagamos pelas barragens e elas têm impacto no meio ambiente. Então, as províncias pedem o cuidado desse ambiente, dos recursos para sua administração”, lembrou. “É uma entrega de recursos de obras estratégicas do país para não sabemos quem. Porque será uma venda de ações do patrimônio dos argentinos”, acrescentou o parlamentar da UP.

A situação é complementada – e agravada – esclareceu Malinovsky, pela falta de novos investimentos e pela paralisação de obras públicas que deixaram inacabadas as barragens Jorge Cepernic e Néstor Kirchner, no sul do país, consideradas fundamentais. Como se não bastasse, concluiu o especialista, Milei está removendo subsídios das tarifas de energia, catapultando tarifas e tornando seu acesso ainda mais inviável.

Fonte: Papiro