Milei fechou a Unidade de Investigação da Conadi que apoia a localização de pessoas sequestradas pela ditadura, quando crianças | Foto: Reprodução

Insistindo nas políticas negacionistas e fascistas do governo argentino, Javier Milei avançou no desmantelamento da Comissão Nacional pelo Direito à Identidade (Conadi), organização destinada a investigar a apropriação e sequestro de crianças durante a ditadura, uma das mais sangrentas da América Latina, entre 1976 e 1983.

Por decreto presidencial, a Conadi deixará de ter a sua Unidade Especial de Investigação (UEI), pelo que não poderá realizar investigações nem aceder aos arquivos do Estado para contribuir com a busca de crianças desaparecidas que a organização social Abuelas de Plaza de Mayo (Avós da Praça de Maio) realizam há 47 anos.

A Comissão foi criada em 1992 para cumprir a Convenção sobre os Direitos da Criança, que reconhece o direito à identidade. Em 2001, sua existência foi ratificada por lei. Em 2004, o então presidente Néstor Kirchner assinou o decreto 715, por meio do qual foi criada uma UEI dentro da Conadi e a habilitou a acessar todos os arquivos em poder do Estado para encontrar bebês sequestrados e receber denúncias – que podem vir de famílias ou de alguém que possa fornecer informações para encontrar as pessoas que são procuradas –, além de apresentações espontâneas de quem tem dúvidas sobre a sua origem biológica. Por lei, é o vínculo com o Banco Nacional de Dados Genéticos (BNDG). 90% dos casos que chegam ao BNDG vêm do Conadi.

“Isso é totalmente maligno. Estão desmantelando uma instituição que existe há muitos anos. É mais uma humilhação que este governo faz aos direitos humanos”, denunciou Estela de Carlotto, presidente das Avós da Praça de Maio, em diálogo com o jornal Página/12.

Segundo as Avós, cerca de 500 bebês foram roubados pela ditadura aos pais, na sua maioria opositores ao regime, e, em muitos casos, a mães que deram à luz em centros clandestinos de detenção e tortura e que desapareceram para sempre, foram assassinadas ou atiradas com vida, mas drogadas, para o mar.

O argumento inventado para o fechamento da UEI é que o Poder Executivo não pode responder por investigações, uma vez que estas deveriam permanecer nas mãos do Ministério Público (MPF)

“Nestes 20 anos de funcionamento, a Conadi fez centenas de denúncias baseadas no trabalho da UEI e isso nunca foi questionado por nenhum juiz, nenhum promotor e nem sequer pela defesa dos acusados. Portanto, chama a atenção o argumento de que a tarefa da UEI afetaria a divisão de poderes quando, na verdade, o que ela faz é colaborar com o sistema de Justiça para que possa desempenhar melhor a sua tarefa”, destacou Pablo Parenti, promotor responsável pela Unidade Especializada em Casos de Apropriação de Crianças durante o Terrorismo de Estado (Uficante).

“Não podemos esquecer que estamos falando de comunicações de particulares para as Avós que muitas vezes possuem dados muito escassos ou imprecisos, e a tarefa que a Conadi vem realizando é justamente tentar delimitar uma hipótese para que juízes e promotores possamos realizar as investigações sobre uma base mais determinada”, afirmou Parenti.

Ao contrário do que diz o atual presidente, não é incomum que existam entidades do Poder Executivo que realizam investigações. No próximo mês se completarão 40 anos desde que a Comissão Nacional sobre Desaparecimentos de Pessoas (Conadep) concluiu seu relatório sobre os campos de concentração da ditadura. Existem outros organismos do Executivo que também fazem investigações, como o Gabinete Anticorrupção (OA), a Unidade de Informação Financeira (UIF) ou a UEI Associação Comunitária Argentina (AMIA).

O governo de Milei contesta o número de 30 mil desaparecidos durante a ditadura, que é consensual entre as organizações de direitos humanos nacionais e do mundo inteiro, e só admite 8.751.

Para a deputada portenha Victoria Montenegro (coalizão política peronista Unión por la Patria – UP), uma das netas que restaurou sua identidade graças à busca das Avós, o ataque do governo contra a Conadi tem um propósito claro. “Eles procuram preservar os assassinos”, sublinhou. “Devemos reagir rapidamente porque isto afeta a procura dos netos e todo o processo de verdade e justiça”, frisou.

Guillermo Pérez Roisinblit, outro dos netos encontrados pelas Avós, ressaltou que se trata de um “gesto para os genocidas sem precedentes em 40 anos de democracia” e destacou que não houve outra tentativa de dificultar desta forma a procura de bebês sequestrados.

Mas, o desatino não ficou sem resposta. Um dia depois de o presidente Javier Milei e a vice-presidente Victoria Villarroel anunciarem que estava sendo desmantelada a Conadi, instituição que tem sido apoiada em todos os países do mundo, o governador da província de Buenos Aires, Axell Kicillof, anunciou, na quinta-feira (15), a criação de uma Unidade Provincial Especial destinada a reforçar a busca das Avós da Praça de Maio pelos filhos dos desaparecidos durante a última ditadura militar, que os considerava como “espólio de guerra”.

O Unidade Especializada agora fechada deixaria as Avós da Praça de Maio sem a possibilidade de continuar a sua incansável busca com mais de 130 filhos de desaparecidos resgatados, que recuperaram a sua identidade e as suas famílias.

Precisamente após uma reunião com a presidente das Avós, Estela de Carlotto, Kicillof decidiu a criação da nova Unidade Especializada, neste caso provincial, como resposta imediata ao desmantelamento da Conadi.

O governador da maior província do país, que representa 40% da população argentina, sustentou que a Província disponibilizará recursos “considerando que se trata de um “escudo” contra as políticas nacionais”, lembrando também que embora a Conadi tenha sido desmantelada, o governo não poderia fechá-la porque para isso é necessária uma lei.

Fonte: Papiro