Marcha em apoio a Maduro tomou as ruas de Caracas | Foto: AFP

Supremo venezuelano assumiu para si o escrutínio das atas da eleição. O único que faltou à convocação do Supremo foi Edmundo González, que é de extrema-direita, ex-operativo da CIA na guerra suja em El Salvador e entusiasta da privatização do petróleo. Ele já foi nomeado pelo secretário de Estado Blinken seu novo Guaidó 2.0

Elvis Amoroso, presidente do Conselho Nacional Eleitoral – o órgão que, pela Constituição venezuelana, preside as eleições – ratificou na sexta-feira (2) Nicolás Maduro como presidente reeleito da Venezuela, com 6 milhões 408 mil 844 votos (51,95%), com 96,87% dos votos apurados, e, portanto, resultado irreversível.

Na proclamação inicial, na noite de domingo (28) para segunda-feira, com 80% dos votos apurados e com o CNE sob ataque cibernético massivo, o órgão havia proclamado Maduro vencedor com 5.150.092 votos, correspondendo a 51,1%. Manifestação que evitou a repetição do roteiro de La Paz, em que fake news desencadeada pela OEA sobre a lisura do pleito abriu caminho para o golpe de 2019 de Jeanine Añez, que tanto esforço demandou do povo boliviano para reverter.

Ainda segundo o CNE, Edmundo González, MUD (Mesa Redonda da Unidade Democrática), teve 5 milhões 326 mil 104 de votos (43,18%) [Quando com 80% dos votos apurados tina 4.445.978 de votos e 44,2%].

Os demais oito candidatos obtiveram 4,86% dos votos [4,2%, com 80% dos votos apurados].

Participaram 12 milhões 386 mil 669 eleitores, o equivalente a 59,97% dos habilitados, sendo 12 milhões 335 mil 884 os votos válidos. Na disputa, com 37 partidos e dez candidatos a presidente; o mandato é de seis anos e tem início no dia 10 de janeiro de 2025.

Amoroso voltou a denunciar que o CNE recebeu ataques cibernéticos massivos de várias partes do mundo na noite de domingo (28) para segunda-feira, o que causou o atraso na transmissão das atas e no processo de divulgação dos resultados eleitorais no dia da votação.

Sobre isso, Maduro havia revelado no dia 29 que o sistema eleitoral venezuelano foi atacado “para provocar um apagão eleitoral, para que os dados eleitorais não fossem transmitidos. Felizmente, os técnicos conseguiram garantir a transmissão de 80% dos dados e foi feito o primeiro boletim que acalmou o país e barrou o golpe do apagão eleitoral”.

Ainda segundo ele, o plano dos fascistas era provocar um apagão eleitoral, impedindo a transmissão dos resultados, a totalização e a proclamação do vencedor, para mergulhar o país no caos e confronto, alegando fraude, dando início ao golpe, que como vimos teria o apoio de Washington.

Na quinta-feira, frente à campanha em nível internacional de desqualificação e deslegitimação do CNE pela extrema-direita, mídia e Departamento de Estado dos EUA, Maduro interpôs recurso ao Supremo Tribunal de Justiça venezuelano para que escrutine todas as atas e todas as denúncias sobre o pleito, especialmente o ataque cibernético que quase inviabilizou que o CNE proclamasse o resultado.

Desde a primeira eleição de Hugo Chávez, já são 31 eleições, 29 vencidas pelo Pólo Patriótico, encabeçado pelo Partido Socialista Unificado Venezuelano (PSUV), e em praticamente todas a oposição ultraneoliberal, pró-norte-americana e cada vez mais abertamente fascista, tentou de qualquer jeito melar o resultado, gritando “fraude” e perpetrando vandalismo. O que se agravou nas badernas que ficaram amplamente conhecidas pelo termo venezuelano de “guarimbas” de 2014 e 2017 e com o “presidente autonomeado Guaidó” em 2019, sob a “pressão máxima” do governo Trump.

O candidato da extrema direita González alega que ganhou com “70%” – um percentual que nunca houve em uma eleição na Venezuela no século XXI- e “em todos” os Estados. Montou um sistema paralelo, um portal de internet, para onde convergiram reproduções de atas que o governo Maduro denuncia como forjadas, rasuradas ou simplesmente inválidas, por falta das devidas assinaturas e códigos automaticamente emitidos.

Em resposta, na sexta-feira, o tribunal máximo do país exigiu que todos os dez candidatos presidenciais e partidos políticos envolvidos na votação de 28 de julho apresentem “documentos legais relevantes” necessários para revisar os resultados eleitorais. Todos os candidatos, exceto González, compareceram a uma sessão na sede do TSJ em Caracas.

Oito dos dez candidatos assinaram um documento de cooperação e respeito ao veredicto que o Supremo emitirá após a conclusão da investigação. O nono, Enrique Márquez, se recusou, se alinhando com González. De um modo geral, os candidatos convocados ao TSJ fizeram apelos à transparência na revisão e à paz na sociedade venezuelana.

A presidente da Suprema Corte de Justiça, Caryslia Rodríguez, exortou “todos os cidadãos, candidatos, partidos políticos e demais sujeitos intervenientes a cumprir e respeitar a decisão inerente a este caso”.

Ela determinou ainda que o CNE apresente em três dias os registros de votação dos centros eleitorais em todo o país, os registros de totalização do processo eleitoral e o relatório declarando Maduro como o vencedor.

Também pediu ao CNE “todos os elementos de evidência” associados ao ataque cibernético para impedir “a transmissão oportuna dos resultados eleitorais”.

Até agora, o candidato González não revelou se apresentará ao Supremo o que diz serem comprovações de que é ele o vencedor, e não Maduro. Mas porta-vozes já disseram que só as atas em seu poder é que “valeriam”.

Mas a proclamação de González como o “vencedor” pelo secretário de Estado Blinken, depois de telefonema dele com María Corina Machado, a inelegível a quem o ex-carniceiro de El Salvador serviu de biombo, sinaliza por onde a banda vai tocar. E González já é considerado o Guaidó 2.0.

No sábado (3), Dia da Bandeira desde 2007 por proposta de Chávez, multidões comemoraram em Caracas e outras cidades o pavilhão tricolor e a vitória de Maduro. Também a oposição marcou presença com um comício no bairro de Las Merces, na capital, mais vazio do que as mobilizações chavistas.

Pelo menos no fim de semana se detiveram os atos de vandalismo que se seguiram à proclamação da vitória de Maduro pelo CNE, que depredaram 12 prédios de universidades, sete escolas de educação infantil, 21 escolas primárias e 34 escolas secundárias. Ainda: 250 módulos policiais, numerosos centros de saúde, seis centros de armazenamento de alimentos do CLAP [sistema venezuelano de cestas básicas], 11 estações de metro, 27 monumentos – entre estátuas de Bolívar, Chávez e Francisco Miranda, patrono da independência -, e dez sedes do PSUV, além de outras instalações.

Em paralelo, a batalha pelo reconhecimento ou isolamento internacional segue acelerada, com 40 países tendo saudado a reeleição de Maduro, entre eles, China, Rússia, Indonésia, Vietnã, Irã, Argélia, Arábia Saudita, Qatar, Nigéria, Angola, Namíbia, Turquia, Síria, Emirados Árabes, Cuba, Bolívia e Honduras.

Brasil, Colômbia e México emitiram uma nota conjunta, defendendo a apresentação das atas para dirimir a controvérsia sobre as eleições e instaram as partes a proteger a paz social e as instituições constitucionais. López Obrador questionou diretamente Blinken por nomear um presidente para os venezuelanos.

Argentina, Equador, Costa Rica e Uruguai se alinharam aos EUA, e outros países latino-americanos insistiram na questão das atas. Países europeus importantes divulgaram uma carta pedindo a publicação das atas eleitorais e ainda não subscreveram González como o Guaidó 2.0, embora o mais provável, pela subordinação a Washington, é que o façam: Alemanha, Espanha, França, Itália, Países Baixos, Polônia e Portugal.

O presidente Putin enviou carta a Maduro, cujo atual mandato prossegue até 9 de janeiro de 2025, convidando-o para a reunião do Brics+ em Kazan, na Rússia, em outubro. O secretário-geral da OPEP, Haitham Al Ghais, enviou mensagem de parabéns pela vitória.

Em suma, além das maiores reservas de petróleo do mundo, que Trump repetidamente prometeu “tomar”, e da democracia venezuelana ou fascismo, também está em questão se é o decrépito mundo unilateral sob ordens de Washington que ganha um respiro, ou são o multilateralismo, o desenvolvimento e a soberania que se afirmam.  

Um dos observadores espanhóis às eleições de 28 de julho, o professor de Ciência Política e ex-líder do partido Podemos, Juan Carlos Monedero, em entrevista à Sputnik Mundo, em que elogiou a coragem da Venezuela de fazer as eleições “com um braço amarrado às costas”, já que sob sanções draconianas, enfatizou a importância da solidariedade e do apoio mútuo entre os governos progressistas da região.

Ele acrescentou que, outro dia, em uma mensagem no Twitter para Gabriel Boric, “com quem tenho uma relação muito cordial”, lembrou ao presidente chileno (e crítico feroz do processo venezuelano) que “tudo o que fizerem à Venezuela será feito mais tarde a eles”. O que, observando a cena política na região, sob os Milei, Kast, Bolsonaro e Uribe, todos entusiastas de Trump, é difícil de contestar.

Fonte: Papiro