As reações à indicação de Galípolo ao BC: mercado, haddadismo ou nova política monetária
Gabriel Galípolo e o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, durante evento oficial de posse em Brasília, em 02/01/2023 Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil
A indicação de Gabriel Galípolo para a presidência do Banco Central, anunciada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, gerou uma mistura de otimismo cauteloso e preocupações entre especialistas e líderes sociais. Galípolo, que atualmente ocupa a Diretoria de Política Monetária do BC, foi descrito por alguns como um nome que pode significar uma mudança de postura na instituição, enquanto outros expressaram incertezas sobre o futuro de sua gestão.
A reportagem consultou seis analistas de orientação econômica heterodoxa para observar como foi recebida a notícia. Enquanto alguns veem sua nomeação como uma oportunidade para modernizar e alinhar o BC às políticas econômicas do governo, outros expressam dúvidas sobre sua capacidade de enfrentar os desafios impostos pela economia brasileira e as pressões do mercado financeiro.
A nomeação de Galípolo abre um novo capítulo na política monetária brasileira. Com uma formação crítica e uma visão que equilibra a responsabilidade fiscal com as demandas sociais, Galípolo enfrenta o desafio de modernizar o Banco Central, promover uma comunicação mais eficiente e transparente, e, eventualmente, ajustar a política de juros em um cenário global em transformação.
Sua gestão será acompanhada de perto por analistas, economistas e pela sociedade em geral, que esperam ver como ele vai navegar pelas complexas águas da economia brasileira. A sabatina no Senado será o próximo passo para definir o futuro de Galípolo à frente da política monetária do país.
Expectativas do movimento sindical
Adilson Araújo, presidente da Central de Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil (CTB), expressou uma expectativa clara de que Galípolo, caso aprovado, se alinhe aos interesses da população ao invés de ceder às pressões do mercado financeiro.
“Espero que ele seja sensível aos anseios do povo brasileiro e trabalhe pela redução da taxa básica de juros, em vez de fazer a vontade do mercado financeiro e encher as burras dos rentistas.”, afirmou Araújo.
Araújo ressaltou a necessidade de uma redução da taxa básica de juros, a Selic, destacando que o Brasil não pode continuar a ser o “campeão mundial dos juros reais”. Segundo ele, a manutenção de juros elevados tem sacrificado investimentos e o consumo, impedindo o crescimento econômico e o desenvolvimento do país. Para Araújo, é fundamental que o novo presidente do Banco Central tenha sensibilidade para essas questões, resistindo às pressões do mercado financeiro e evitando beneficiar apenas os rentistas.
O presidente da CTB também frisou a importância da reindustrialização do Brasil e do fomento ao desenvolvimento nacional. Ele vê em Galípolo uma oportunidade para acelerar esses processos, que são cruciais para o futuro econômico do país.
Controle da política monetária?
Para Wellington Duarte, professor do Departamento de Economia da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), a indicação de Galípolo reflete o “haddadismo” na condução das políticas econômicas, mas com uma ressalva importante: ainda não está claro se o governo terá, de fato, mais controle sobre a política monetária.
“Galípolo é o ‘haddadismo’, mas, pelo menos, parece que o governo terá mais controle da política monetária… o termo ‘parece’ diz tudo, né?” disse Duarte, sugerindo que, embora a indicação possa trazer um alinhamento maior entre o BC e o governo, ainda há incertezas sobre o real impacto dessa mudança. Ele indica que, embora a nomeação possa sugerir um maior controle governamental, a realidade só será confirmada com o tempo.
Duarte caracteriza Galípolo como um representante das ideias econômicas defendidas pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, sugerindo que a sua nomeação pode ser vista como uma extensão das políticas implementadas pela atual equipe econômica. O termo “haddadismo” aqui refere-se a uma linha de pensamento que busca equilibrar as demandas por crescimento econômico com a responsabilidade fiscal, adotando uma postura menos ortodoxa em relação às políticas monetárias.
Duarte aponta que, embora a nomeação de Galípolo seja vista como um movimento estratégico, as expectativas em torno de sua gestão são moderadas pela realidade complexa do Banco Central. O economista sugere que o sucesso de Galípolo dependerá de sua habilidade em equilibrar as pressões do mercado financeiro com as demandas do governo por uma política monetária que favoreça o crescimento econômico.
Modernização e independência na política monetária
Diogo Santos, economista formado pela UFMG, avaliou que a indicação de Galípolo era esperada, dadas suas credenciais e a proximidade com Lula. No entanto, Santos sublinhou que a atuação do economista à frente do BC será acompanhada com grande expectativa.
“É um economista de formação crítica, portanto cresce a expectativa sobre sua atuação. Para além da taxa de juros, ele deveria levar à frente uma agenda de modernização do BC, como colocar os objetivos de controle da inflação e busca do pleno emprego no mesmo nível hierárquico”, sugeriu Santos.
Sua trajetória, marcada por um pensamento econômico mais heterodoxo, sugere que ele poderá trazer novas perspectivas para a gestão da instituição. Para muitos, isso significa a possibilidade de uma abordagem mais equilibrada entre os objetivos de controle da inflação e a busca pelo pleno emprego, dois pilares que, até então, não têm recebido o mesmo nível de atenção dentro da política monetária brasileira.
Outro ponto crucial destacado por Diogo é a necessidade de Galípolo adotar uma postura diferente em relação à comunicação do Banco Central sobre a política econômica do governo. O atual presidente do BC, Roberto Campos Neto, foi criticado por alguns por, supostamente, acentuar as instabilidades no setor financeiro ao transmitir uma visão que muitos consideram equivocada sobre o risco fiscal do país. Galípolo, por outro lado, terá a oportunidade de demonstrar uma maior independência em relação à visão predominante dos agentes financeiros, oferecendo uma comunicação mais equilibrada e transparente que contribua para a estabilidade econômica.
No que diz respeito à taxa Selic, suas expectativas são de que não haverá mudanças significativas em relação ao mandato atual. O Banco Central tem o dever de buscar uma meta de inflação de 3%, considerada baixa, o que obriga a instituição a manter uma política monetária restritiva. No entanto, se o Federal Reserve (Banco Central dos EUA) iniciar uma sequência de cortes na taxa de juros, seria importante que o Banco Central do Brasil aproveite essa oportunidade para reduzir a Selic, incentivando assim a retomada do crescimento econômico.
Diogo ainda acrescentou que será muito importante, sobretudo, o BC reassumir a condução da política monetária e a orientação das expectativas dos agentes financeiros. Para ele, estas operações, hoje, estão terceirizadas para o boletim Focus, que agrega opiniões de alguns agentes financeiros, excluindo representantes de outros setores da economia.
Desafios econômicos e reações de mercado
Marcos Antonio Costa, economista pela UFF, viu a indicação de Galípolo com bons olhos, destacando seu profundo conhecimento das políticas do Ministério da Fazenda e dos desafios que o país enfrenta. “Ele sabe muito bem quais são os limites do arcabouço fiscal e a necessidade de reação do BC aos ataques especulativos promovidos pela variação do dólar em relação ao real”, explicou Costa, reforçando a importância de uma atuação firme para combater as altas taxas de juros que prejudicam o desenvolvimento nacional.
A volatilidade cambial, quando não devidamente gerida, pode gerar instabilidade econômica, afetando negativamente o mercado financeiro e a economia real. O novo presidente do Banco Central, segundo ele, terá que enfrentar esses desafios de maneira decisiva para manter a estabilidade econômica.
Outro ponto central da análise de Costa é a crítica à atual taxa de juros, que ele considera “inexplicável” e excessivamente alta. Com uma das maiores taxas de juros do mundo, acima de dois dígitos, o economista argumenta que o Brasil está sacrificando seu desenvolvimento econômico. Para ele, essa política de juros elevados impede a implementação de projetos fundamentais, como o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) e a Nova Indústria Brasil (NIB), além de manter a Formação Bruta de Capital Fixo (FBKF) em níveis inadequados para o crescimento sustentável do país.
Apesar dos desafios, Costa expressa confiança na capacidade de Gabriel Galípolo de enfrentar essas questões complexas. Ele espera que o futuro presidente do Banco Central tenha a coragem necessária para promover mudanças significativas na política monetária, reduzindo a taxa de juros e, assim, abrindo espaço para um crescimento econômico mais robusto e sustentável no Brasil.
Símbolo de uma nova abordagem
Marcelo Fernandes, economista da UFRRJ, vê a indicação como um movimento carregado de simbolismo e uma potencial ruptura com a ortodoxia econômica vigente. “Muito bom. Simbolismo grande. Indicado pelo presidente Lula. Não comunga com a teoria ortodoxa vulgar. Seguidor da boa economia na tradição de Marx e Keynes”, disse Fernandes, sugerindo que a indicação pode sinalizar uma mudança de direção na política monetária do país.
Ao escolher um nome que não comunga com a “teoria ortodoxa vulgar”, Lula sinaliza uma possível mudança de direção na condução das políticas monetárias do país. Para o economista, a decisão reflete um desejo de Lula de alinhar o Banco Central com uma visão econômica que foge dos padrões tradicionais e que busca alternativas para os desafios econômicos do Brasil.
Galípolo é descrito por Fernandes como um seguidor da “boa economia na tradição de Marx e Keynes”, o que, segundo ele, marca uma clara ruptura com as práticas ortodoxas que têm dominado a política monetária brasileira nas últimas décadas. Levar em consideração princípios keynesianos e marxistas, significa priorizar não apenas a estabilidade de preços, mas também o desenvolvimento econômico e a redução das desigualdades a partir de uma intervenção mais ativa do Estado na macroeconomia.
Atenção aos desafios e ao controle do mercado financeiro
Por outro lado, Paulo Kliass, economista especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental, adotou uma postura mais cautelosa, lembrando que a indicação de Galípolo ocorre em um contexto político complexo. “A nomeação veio da parte do Lula na tentativa de agradar ao setor financeiro, mas tenho receio que ele continue atendendo aos interesses dos grandes conglomerados financeiros”, alertou Kliass, enfatizando a importância de o novo presidente do BC atuar com firmeza para controlar os spreads bancários e democratizar o acesso ao sistema financeiro.
Kliass destacou, inicialmente, que a substituição de Roberto Campos Neto já pode ser vista como um passo positivo. Ele ressaltou o papel de Galípolo no governo desde o início do mandato de Lula, ocupando uma posição de destaque como secretário-executivo no Ministério da Fazenda e, posteriormente, como diretor de política monetária do Banco Central. Durante seu tempo no Comitê de Política Monetária (Copom), não manifestou uma postura divergente da liderança de Roberto Campos Neto, o que levanta dúvidas sobre possíveis mudanças significativas em sua futura gestão.
“Nessas nove reuniões, não houve nenhuma manifestação do ponto de vista de ata, de resultado, etc., do Galípolo em relação à orientação da maioria liderada pelo Roberto Campos Neto.”
O economista também apontou a importância de aguardar a sabatina de Galípolo no Senado, lembrando que a nomeação ocorreu em um contexto de eleições municipais, o que pode atrasar o processo. Para Kliass, essa nomeação pode ser vista como uma tentativa de Lula de agradar o mercado financeiro, ao escolher alguém com um perfil mais conciliador, o que, segundo ele, pode limitar a capacidade do governo de promover mudanças mais profundas na política monetária.
“Existem expectativas do mercado e expectativas do governo em relação a ele, e eu diria também expectativas dos economistas progressistas que simbolizam a parte da sociedade que quer que esse governo dê certo.”
Kliass ressaltou ainda que o Banco Central tem um papel regulador e fiscalizador crucial, que vai além da condução da política monetária. Ele questionou como Galípolo lidará com questões como a redução das tarifas bancárias e o spread, a democratização do acesso ao mercado financeiro e a administração da política cambial. Para ele, o novo presidente do Banco Central precisaria adotar uma postura mais incisiva nessas áreas para realmente promover uma mudança significativa.
“Essa é uma função do Banco Central como órgão regulador e fiscalizador, de evitar que haja uma espoliação da absoluta maioria da sociedade frente a quatro, cinco grandes conglomerados do financismo privado.”
Em sua análise, Kliass expressou preocupação com a possibilidade de que Galípolo continue atendendo aos interesses do setor financeiro, especialmente considerando a recepção positiva que sua nomeação teve entre os grandes players do mercado. A juventude do economista, com uma possível longa e bem sucedida cooptação de sua carreira pelo mercado financeiro, deixa dúvidas sobre os riscos que ele queira correr ao confrontar estes agentes.
Ele acredita que Lula pode ter perdido a oportunidade de colocar uma figura mais comprometida com uma política desenvolvimentista à frente do Banco Central, o que pode comprometer as ambições do governo de promover um crescimento econômico mais robusto e inclusivo. “Eu tenho a impressão que o Lula perdeu uma oportunidade de formar uma trincheira lá dentro do Banco.”
(por Cezar Xavier)