Vender dólares no paralelo faz reservas argentinas entrarem por um lado e sairem pelo outro
Um cartaz indica a cotação do dólar paralelo em um local comercial, em Buenos Aires, capital de Argentina, no 1 de julho de 2024. (Xinhua/Martín Zabala)
A partir desta segunda-feira (15), o Banco Central da Argentina (BCRA) começou a vender dólares americanos nos mercados paralelos de câmbio do país. No sábado, o governo anunciou a nova estratégia para combater a crescente diferença entre a taxa de câmbio oficial do peso argentino e as taxas paralelas, como o dólar blue, com o objetivo de estabilizar a economia do país. Essa decisão tem gerado diversas opiniões e é importante entender o que está por trás dessa medida e quais podem ser suas consequências.
Segundo Eduardo Crespo, economista argentino e professor da UFRJ consultado pelo Portal, “estão perdendo o rumo da política econômica”. Crespo destaca que, embora a venda de dólares possa reduzir temporariamente a diferença cambial, ela também esgota as reservas do país. “Reservas que estão entrando por um lado, estão saindo pelo outro”, disse ele.
Eduardo Crespo expressou uma visão crítica sobre a medida. Ele acredita que essa estratégia é uma tentativa desesperada de evitar uma nova desvalorização do peso, mas alerta para os riscos a longo prazo. “É uma ideia de curto prazo, que no longo é uma péssima decisão, porque compromete o processo de acumulação de reservas”, afirmou. Ele também mencionou que a intervenção no mercado pode gerar incertezas e afetar negativamente os títulos da Argentina.
“O que se vê nas primeiras cotações de hoje, pelo menos, é que junto com a queda no dólar paralelo, estão caindo os títulos da Argentina, o que gera incertezas”, observa o economista.
O que está acontecendo?
A economia da Argentina está passando por um período de grande instabilidade, com uma inflação anual de 272% – uma das mais altas do mundo. Além disso, há uma grande diferença entre a taxa de câmbio oficial e as taxas praticadas no mercado paralelo, como o dólar blue. Atualmente, a taxa oficial é de 919 pesos por dólar, enquanto o dólar blue chegou a 1.405 pesos por dólar na última sexta-feira.
Para tentar reduzir essa diferença e estabilizar a economia, o Banco Central decidiu vender dólares no mercado paralelo, conhecido como CCL (contado con liquidación). Segundo o ministro da Economia, Luis Caputo, essa medida faz parte de um “aprofundamento do arcabouço monetário”.
Como funciona a medida?
Quando o Banco Central compra dólares no mercado oficial, ele precisa emitir pesos. A nova estratégia envolve compensar essa emissão de pesos vendendo uma quantidade equivalente de dólares no mercado paralelo. A ideia é que, ao fazer isso, a quantidade de pesos em circulação será reduzida, o que deve ajudar a diminuir a diferença entre a taxa de câmbio oficial e a paralela.
Luis Caputo explicou em suas redes sociais que “se o Banco Central comprar dólares no mercado oficial de câmbio, a emissão equivalente de pesos será anulada pela venda de dólares equivalentes no mercado de contado con liquidación”.
Desafios e consequências
Apesar da intenção de estabilizar a economia, essa medida levanta algumas preocupações significativas:
Reservas Internacionais: A venda de dólares no mercado paralelo pode comprometer a capacidade do Banco Central de acumular reservas estrangeiras. Essas reservas são essenciais para a estabilidade econômica e para cumprir com as obrigações internacionais, como o pagamento de US$ 44 bilhões ao Fundo Monetário Internacional (FMI).
Impacto nas Reservas: Funcionários do governo estimam que o Banco Central perderá cerca de US$ 3 bilhões em reservas no terceiro trimestre. Essa perda pode dificultar ainda mais a capacidade do país de manter a estabilidade econômica a longo prazo.
Reações do Mercado: Apesar da incerteza inicial sobre a reação do mercado, os primeiros movimentos seguiram a intenção do governo. O dólar ‘CCL’ caiu 4,5%, acompanhado pelo MEP e pelo dólar blue, que caiu $ 70 após atingir $ 1.500 na sexta-feira – um recorde nominal.
A sustentabilidade da política cambial, a saída da armadilha cambial e o nível de reservas bancárias são preocupações persistentes. A queda nos preços dos títulos em dólares reflete essas incertezas. A queda do preço dos títulos em dólares implica uma consequência negativa para os credores: menos reservas significam mais desafios para pagar a dívida. A queda no preço dos títulos é um sinal negativo para os detentores, aumentando o risco país e dificultando o acesso aos mercados para rolar dívidas.
O que esperar?
O presidente Javier Milei prometeu continuar lutando contra a inflação e manter um equilíbrio fiscal. Em entrevista ao canal de notícias La Nación, ele afirmou: “Precisamos tirar esses pesos das ruas, e isso vai fazer a diferença cambial cair”. No entanto, a eficácia dessa medida e seu impacto a longo prazo ainda são incertos.
A inflação mensal já mostrou sinais de aceleração em junho, a primeira vez desde que Milei assumiu o cargo em dezembro do ano passado. A situação econômica continua crítica, e as próximas semanas serão cruciais para avaliar os efeitos da nova estratégia do Banco Central.
A decisão do Banco Central argentino de vender dólares no mercado paralelo é uma tentativa de estabilizar uma economia sob grande pressão inflacionária e cambial. Embora possa oferecer algum alívio imediato, as críticas destacam os riscos significativos a longo prazo, especialmente no que diz respeito à manutenção das reservas internacionais do país.
(por Cezar Xavier)