Franceses atendem ao chamado das Centrais Sindicais e lotam a Place de la Republique | Foto: Sameer Al-Doumy/AFP

Uma multidão tomou a Place de la République, no centro de Paris, na quarta-feira (3), na conclamação aos cidadãos para irem às urnas no domingo (7) barrar a extrema-direita, a Reunião Nacional, que se saiu na frente no primeiro turno, com um terço dos votos, surfando no enorme repúdio popular ao arrocho do governo Macron, e disfarçando a xenofobia e o racismo da agremiação comandada por Marine Le Pen.

“Não vamos deixar que a extrema-direita roube o nosso país, os nossos valores e o nosso lema. ‘Liberdade, Igualdade, Fraternidade’, somos nós. A França somos nós”, afirmou Sophie Binet, secretária-geral da principal central sindical francesa, a CGT, enquanto bandeiras da central, da UNEF (a entidade dos universitários) e da França eram ondeadas.

A mobilização, que repete a realizada em 27 de junho, foi coorganizada pelo jornal L’Humanité e cerca de uma centena de entidades e movimentos populares.

Artistas e personalidades também se revezaram diante da multidão, convocando a uma frente democrática e republicana – como o nonagenário cineasta Costa-Gravas, a escritora Annie Ernaux, vencedora do Nobel de Literatura, a economista Julia Cagé, o cantor Voyou e o ex-jogador Raí. A multidão o acompanhou em coro quando ele bradou “no pasarán!”, a histórica consigna antifascista, aliás, atualizada agora como um rap de sucesso.

“ACABAR COM O ARROCHO DE MACRON”

“O NFP é o aumento do salário mínimo, a indexação dos salários à inflação, a retirada da reforma previdenciária”, disse o ator Swann Arlaud, da tribuna.

Três montanhistas parisienses escalaram a estátua de Marianne, conseguindo sob aplausos embrulhar o monumento de bronze com uma bandeira com as cores da NFP e os dizeres “vamos votar no dia 7 de julho”.

Para chegar à maioria absoluta e se tornar governo de coabitação com Macron, a Reunião Nacional de Le Pen precisa obter 289 mandatos, então a ordem é não facilitar a conquista de nenhuma cadeira para a extrema-direita.

A iniciativa do líder da França Insubmissa, Jean-Luc Mélenchon, de convocar a NFP a retirar seus candidatos nas circunscrições eleitorais em que haja três candidatos e o seu esteja em terceiro, acabou engrenando, apesar do empenho da frente macronista Juntos em dizer que o objetivo é respaldar “o centro”.

Foram 213 os candidatos que, nessas condições, se retiraram da disputa, convocando “nenhuma cadeira a mais para a RN”. Segundo o jornal Le Monde, 131 da NFP e 82 de Macron.

Já o garoto de ouro de madame Le Pen, Jordan Bardella, pediu aos eleitores que lhe concedessem maioria absoluta “face à ameaça existencial à nação francesa” que, para ele, é a NFP.

Também as centrais sindicais francesas convocaram os cidadãos a barrar a Reunião Nacional no segundo turno das eleições legislativas no domingo (7), em carta aberta à população em que a CFDT, CGT, UNSA, FSU e Solidaires apelam a um “impulso democrático, social e republicano nas urnas”.

Apesar de a extrema-direita ter ficado na frente no primeiro turno, “nada está decidido”, destacaram as centrais, chamando os cidadãos a votar.

“O programa do RN é claro: nenhuma medida real para elevar o poder de compra, nenhuma revogação da reforma previdenciária, austeridade para os serviços públicos, novas reduções de impostos para as empresas maiores e mais ricas em detrimento da solidariedade nacional”.

“A extrema-direita no poder significa menos liberdades. Liberdade de associação, liberdade de justiça, liberdade de imprensa. Todos os governos de extrema-direita, quaisquer que sejam, têm como primeira tentação amordaçar os contrapoderes”, adverte o documento, que também denuncia suas políticas discriminatórias e o racismo contra os imigrantes.

“Para evitar este cenário catastrófico para todos os trabalhadores, apelamos aos candidatos que assumam a responsabilidade de impedir a eleição de deputados e aliados do RN. Apelamos aos cidadãos para que bloqueiem a extrema-direita nas urnas, votando no domingo nos candidatos mais bem colocados para derrotar a extrema direita.”

A hora é de apear a RN, que está toda assanhada para a coabitação com Macron, que é o grande perdedor dessas eleições, detestado na França inteira por ter achacado os aposentados com sua reforma previdenciária, planejar piorar o seguro-desemprego, arrochar a todos sob as sanções contra a Rússia, que fizeram disparar o custo da energia e a carestia, e sabujo a ponto de oferecer a juventude francesa a Biden para ser carne de canhão para a guerra de expansão da Otan a leste, contra a Rússia.

“DETALHE DA HISTÓRIA”

Apesar da repaginação da Frente Nacional do velho Le Pen na Reunião Nacional de sua filha Marine e com um tiktoker, escolhido por encenar ser o anti-Milei, não levanta a voz, não xinga ninguém, todo almofadinha. Que é para diferenciar do velho Jean-Marie, e seus arreganhos racistas, elogios ao colaboracionista Pétain e o conhecido comentário de que “as câmaras [de gás]” eram “um detalhe da história”.

Apesar da maquiagem, os caras não se aguentam e volta e meia botam para fora sua natureza. Quando questionado, o cordato candidato a primeiro-ministro Bardella assegura que são “maças podres”, 2 ou 3 em 600 candidatos lançados. “Em qualquer organização humana, às vezes há ovelhas más”, disse madame Le Pen, garantindo que a RN instaura processos disciplinares quando é preciso – “ao contrário da esquerda”, segundo ela.

O jornal Libération destacou um desses, o candidato da RN que ficou em primeiro lugar no oitavo círculo eleitoral de Finistère, com 30% dos votos, Christian Pérez, flagrado às vésperas da Copa do Mundo de 2022, comentando que “pensei ter visto [imigrantes] ilegais voltando para casa e então bam, era apenas o pseudo-time francês que estava indo para o Qatar” no Facebook.

Na impossibilidade das partes concordarem sobre a realização de um debate, representantes da RN, da NFP e da Juntos (pró-Macron) concederam entrevista à tevê francesa, respectivamente Bardella, a verde Marine Tondelier e o atual primeiro-ministro, Gabriel Attal.

Em sua entrevista, Tondelier listou “um candidato [da RN] que posa com um boné nazista, outro que presta homenagem a Pétain”. Se a campanha durasse mais de três dias, a RN iria acabar sem candidatos, ironizou a verde, se referindo à enxurrada de comentários racistas e xenófobos. “Jordan Bardella diz a todos para se comportarem, imaginem se estivessem no poder.”

Fonte: Papiro