Conselho da Meta expõe silenciamento de palestinos nas redes sociais
Manifestantes na sede da Meta exigem que a empresa pare de remover conteúdo pró-Palestina em 12 de dezembro.
O conselho de supervisão da Meta, a gigante das mídias sociais dona do Facebook, Instagram e WhatsApp, decidiu nesta terça-feira (2) que a proibição do uso da palavra “shaheed” – mártir em árabe – deve ser suspensa. A Meta reconheceu que o termo “shaheed” é responsável por mais remoções de conteúdo sob a política de moderação da empresa do que qualquer outra palavra ou frase em suas plataformas. Muitos outros termos são motivo para isso, como Hamas, Hezbollah ou referências ao movimento BDS (Boicote, desinvestimento e sanções), por exemplo.
“O Conselho concluiu que a abordagem atual da Meta restringe desproporcionalmente a liberdade de expressão, é desnecessária e que a empresa deve acabar com essa proibição geral”, diz a nota do conselho de supervisão. O conselho de supervisão da Meta foi estabelecido em 2020. é financiado pela Meta, mas opera de forma independente.
Denúncia da Human Rights Watch
A atual política de moderação de conteúdo da Meta considera que o termo “shaheed” é usado como “elogio” quando mencionado em relação a quem foi incluído em sua lista de Organizações e Indivíduos Perigosos (DOI). O nível superior desta lista inclui o que ela chama de organizações de ódio; organizações criminosas, incluindo aquelas designadas pelo governo dos Estados Unidos.
Em dezembro do ano passado, relatório da Human Rights Watch afirma que as políticas de moderação da Meta equivaliam à censura de conteúdo relacionado ao conflito contínuo entre Israel e Palestina. Em 51 páginas, o grupo de direitos humanos disse que a Meta havia usado indevidamente sua política DOI para “restringir o discurso legítimo sobre as hostilidades entre Israel e grupos armados palestinos”.
O relatório da Human Rights Watch (HRW) afirma que a Meta censurou sistematicamente vozes pró-Palestina durante o conflito israelense-palestino. O relatório documenta mais de mil casos de censura em 60 países, alegando que a Meta suprimiu indevidamente discurso legítimo sobre os direitos humanos palestinos e removeu postagens importantes que documentavam o sofrimento ou a morte de palestinos.
O conselho de supervisão independente da Meta também criticou a empresa por remover postagens mostrando sofrimento humano na guerra em Gaza, restaurando algumas delas. Apesar das promessas de mudanças, a HRW alega que a Meta ainda não implementou as recomendações do conselho.
‘Shadowbanning’ de conteúdos pró-Palestina
Segundo apuração feita pela Aljazira com organizações e usuários, a censura da Big Tech se estende além dos perfis comuns. Organizações políticas como o Hamas são banidas pelos gigantes da Big Social Media. Enquanto isso, o exército israelense, o governo e outros órgãos do terror estatal israelense postam livremente, com amplo apoio. O apoio das corporações de tecnologia a Israel expõe sua imagem falsa como empresas que defendem o antirracismo e os direitos humanos.
Na semana passada, o cineasta e ativista belga Thomas Maddens percebeu algo estranho em seu vídeo sobre a Palestina no TikTok. O vídeo, que mencionava a palavra “genocídio”, parou de obter engajamento após um pico inicial. “Achei que teria milhões de visualizações”, disse Maddens ao noticiário do Catar, “mas o engajamento parou”. Ele é um dos muitos usuários de redes sociais que acusam plataformas como Facebook, Instagram, X (anteriormente Twitter), YouTube e TikTok de censurar ou reduzir ativamente o alcance de conteúdo pró-Palestina, prática conhecida como shadowbanning (banimento na sombra).
Usuários ao redor do mundo afirmam que postagens com hashtags como “FreePalestine” e “IStandWithPalestine”, além de mensagens de apoio aos civis palestinos mortos pelas forças israelenses, estão sendo ocultadas pelas plataformas. Alguns acusam o Instagram de remover arbitrariamente postagens que mencionam a Palestina por violar as “diretrizes da comunidade”. Outros relatam que suas histórias no Instagram foram ocultadas ao compartilharem informações sobre protestos pró-Palestina em Los Angeles e na área da Baía de São Francisco, quando atacaram navios levando armas americanas para Israel. Há também reclamações sobre a palavra “terrorista” aparecendo nas biografias de contas pró-palestinas.
Em 15 de outubro, o porta-voz da Meta, Andy Stone, atribuiu o alcance reduzido das postagens a um bug, afirmando que afetou contas globalmente e não estava relacionado ao conteúdo. Stone apontou para um blog da Meta que destacava esforços contra desinformação sobre a guerra Israel-Hamas, permitindo que usuários apelassem contra decisões de moderação. A Meta se desculpou por adicionar a palavra “terrorista” às contas pró-palestinas, alegando um problema temporário com traduções árabes inapropriadas. TikTok e Youtube deram respostas genéricas admitindo restrições. X nem se deu ao trabalho de comentar.
Grupos de direitos civis, incluindo o 7amleh, o Centro Árabe para o Avanço das Mídias Sociais, emitiram uma declaração pedindo que as empresas de tecnologia respeitem os direitos digitais palestinos durante o conflito. “Estamos preocupados com a censura significativa e desproporcional das vozes palestinas”, dizia a declaração, destacando que isso ameaça a liberdade de expressão e o acesso à informação.
Segundo o 7amleh, o Centro Árabe para o Avanço das Mídias Sociais, o Facebook recebeu 913 solicitações do governo de Israel para restringir ou remover conteúdo de sua plataforma entre janeiro e junho de 2020, acatando 81% desses pedidos. “Isso não é novidade. Os palestinos já enfrentaram censura da Meta antes e estão passando por isso de novo”, disse o jornalista Ameer Al-Khatahtbeg, do @Muslim.
Enganando o algoritmo
Ativistas que disseram sofrer censura nas redes sociais estão buscando alternativas. Um ativista palestino, que pediu à Aljazira para não ser identificado, relatou que começou a “quebrar” palavras ao postar no Instagram, substituindo letras por símbolos para enganar o algoritmo.
Mohammad Darwish, fundador da empresa de blockchain Bydotpy, criou um site chamado “Free Palestine.bydotpy”, que automatiza esse processo, alterando palavras como “Gaza” para “ğaza”. Darwish explicou que a ferramenta altera a forma das frases para dificultar que a inteligência artificial e os algoritmos do Facebook compreendam o texto.
Um jornalista como alvo
O perfil do apresentador árabe da Aljazira, Tamer Almisshal, no Facebook foi excluído pelo Meta 24 horas após o programa Ponta do Iceberg exibir uma investigação sobre a censura do Meta ao conteúdo palestino, intitulada O Espaço Trancado. A investigação do programa incluiu admissões de Eric Barbing, ex-chefe do aparato de segurança cibernética de Israel, sobre o esforço de sua organização para rastrear conteúdo palestino de acordo com critérios que incluíam “curtir” uma foto de um palestino morto pelas forças israelenses.
O programa também entrevistou Julie Owono, membro do conselho de supervisão do Facebook, que admitiu que há uma discrepância na forma como as regras são interpretadas e aplicadas ao conteúdo palestino e acrescentou que recomendações foram enviadas ao Facebook para corrigir isso.
A Aljazira perguntou ao Facebook por que o perfil de Almisshal foi fechado sem aviso prévio ou explicação, sem receber resposta. Ele tinha pelo menos 700.000 seguidores. “Realmente parece algum tipo de vingança pelo programa.”
A equipe do programa decidiu investigar a diferença entre como as postagens e materiais palestinos e israelenses são tratados pelo Facebook. Para fazer isso, ele montou um experimento no qual construiu duas páginas diferentes, uma com uma perspectiva pró-palestina e a outra pró-israelense, e fez testes nelas.
“Não houve problemas com nenhum conteúdo da minha página antes. Nenhuma mensagem dizendo que eu havia violado alguma regra.” “Este foi um projeto jornalisticamente sólido, e nos comunicamos com a Meta para isso, dando a eles a oportunidade de falar durante a investigação. Mas atacar um jornalista individualmente – eu nunca teria esperado isso.”
As relações das Big Tech com o apartheid
Em um artigo de Michael Kwet, da Escola de Direito de Yale e pesquisador pós-doutor na Universidade de Johannesburgo (África do Sul), ele aborda o tema de sua pesquisa sobre colonialismo digital no Sul Global. No artigo à Aljazira, ele observa que, em meio a esse genocídio assistido por IA, as Big Techs nos Estados Unidos continuam silenciosamente os negócios como de costume com Israel. A Intel anunciou um investimento de US$ 25 bilhões em uma fábrica de chips localizada em Israel, enquanto a Microsoft lançou uma nova região de nuvem Azure no país.
Por décadas, o Vale do Silício tem apoiado o regime de apartheid israelense, fornecendo tecnologia avançada e investimento necessários para impulsionar sua economia e ocupar a Palestina, como já fizeram na África do Sul, durante o apartheid.
Em março de 2021, o Google, junto com a Amazon, assinou um contrato de US$ 1,2 bilhão para serviços de computação em nuvem para o governo israelense e estabelecimento de defesa. As duas empresas fornecem a Israel a capacidade de armazenar, processar e analisar dados, incluindo reconhecimento facial, reconhecimento de emoções, biometria e informações demográficas no que é conhecido como Projeto Nimbus.
O acordo recebeu considerável atenção na grande mídia depois que os trabalhadores do Google e da Amazon exigiram o fim do contrato lançando a campanha No Tech for Apartheid. Antecipando essa resposta, o Google e a Amazon assinaram um contrato com Israel garantindo a continuidade dos serviços no caso de uma campanha de boicote.
De acordo com Arki Barbing, ex-oficial de inteligência israelense, The Gospel, um sistema alimentado por IA, facilita uma “fábrica de assassinatos em massa” onde “a ênfase está na quantidade, não na qualidade”.
Por décadas, empresas de tecnologia e investidores americanos têm silenciosamente auxiliado e apoiado o sistema de apartheid digital de Israel. Um dos exemplos mais flagrantes é a IBM, que também foi a principal fornecedora de computadores para o registro populacional nacional do regime de apartheid da África do Sul e o sistema de passaporte atualizado usado para classificar pessoas por raça e impor a segregação.
De acordo com o Who Profits (Quem Lucra), um centro de pesquisa independente dedicado a expor o envolvimento comercial na ocupação israelense de terras e populações palestinas e sírias, “a IBM projetou e opera o Sistema Eitan da Autoridade de População, Imigração e Fronteiras de Israel [PIBA]… onde informações pessoais sobre o povo palestino e sírio ocupado coletadas por Israel são armazenadas e gerenciadas.”
O sistema contém informações coletadas por meio do banco de dados populacional nacional de Israel e na fronteira e nos principais postos de controle. O PIBA também faz parte do sistema de permissão de Israel, que exige que palestinos com mais de 16 anos carreguem cartões “inteligentes”, contendo sua fotografia, endereço, impressões digitais e outros identificadores biométricos. Assim como no sistema de passaportes da África do Sul do apartheid, os cartões funcionam como permissões que determinam os direitos palestinos de cruzar os postos de controle israelenses para qualquer propósito, incluindo trabalho, reunificação familiar, rituais religiosos ou viagens ao exterior.
Outras empresas, como Hewlett Packard, Cisco e Dell, fornecem tecnologia para atender autoridades militares e carcerárias israelenses. Amazon, Google e Microsoft lançaram grandes centros de computação em nuvem em Israel, oferecendo às empresas infraestrutura crítica para produtos e serviços baseados em dados.
A Intel é o maior empregador privado do país, tendo iniciado suas operações em 1974. Junto com centenas de outras multinacionais, a Microsoft hospeda seu próprio centro de pesquisa e desenvolvimento (P&D) em Israel, e lançou um centro de desenvolvimento de chips em Haifa. A Nvidia, a gigante de chips de um trilhão de dólares que impulsiona a revolução da IA, também anunciou que está expandindo suas já grandes operações de P&D em Israel.
De acordo com Arik Barbing, o Facebook geralmente atende às solicitações de remoção e o aparato de segurança de Israel acompanha os casos, inclusive entrando com ações judiciais, se necessário. A investigação entrevistou diversos especialistas em direitos humanos e digitais que concordaram que havia um desequilíbrio claro na forma como o conteúdo palestino é restringido.
(por Cezar Xavier)