Destroços da aeronave Boeing MAX 137, que carregava 157 pessoas na Etiópia em 2019 | Foto: AFP

Destroços da aeronave Boeing MAX 137, que carregava 157 pessoas na Etiópia em 2019 (AFP)

Corporação confessou que conscientemente fraudou a certificação do novo 737 Max, cujas quedas, por erro de projeto, mataram 346 passageiros e tripulantes em dois acidentes

Seis anos após o primeiro dos dois acidentes fatais com o 737 Max que mataram 346 pessoas, a Boeing se declarou culpada de “conspiração para fraudar o governo federal dos Estados Unidos”, no caso, a Administração Federal de Aviação (FAA), a agência reguladora do setor de aviação, durante a certificação desse modelo, e irá pagar uma multa de US$ 487 milhões, conforme acordo com o Departamento de Justiça que será formalizado em tribunal nos próximos dias.

Como é amplamente sabido, o 737 Max tinha um erro de projeto que fazia o avião se desgovernar e se esborrachar, tendo seus voos proibidos por meses no mundo inteiro, após os desastres na Etiópia e na Indonésia, e a Boeing escondeu os problemas da FAA, das linhas aéreas e dos pilotos, para não atrapalhar o cronograma de produção e lucros.

A confissão vem se somar à enxurrada de escândalos envolvendo a Boeing desde então. Uso, na fabricação, de peças rejeitadas no controle de qualidade; portas que se soltam em pleno voo; e até uso de titânio falsificado. Além da inusitada procissão de mortes súbitas de denunciantes dos malfeitos da corporação.

A que se somam uma enorme perda na disputa com a Airbus, prejuízos, queda no valor das ações e renúncia de executivos flagrados.

Segundo o jornal The New York Times, a Boeing será colocada em “liberdade condicional” por três anos sob supervisão de um tribunal do Distrito Norte do Texas e terá ainda de aplicar pelo menos US$ 455 milhões a título de reforçar seus programas de conformidade e segurança.

As famílias das vítimas, que foram informadas sobre os termos gerais do acordo há uma semana, se declararam “muito decepcionadas” e pediram ao tribunal sua rejeição, segundo seu advogado.

“Este acordo indulgente falha em reconhecer que, devido à conspiração da Boeing, 346 pessoas morreram. Através de uma advocacia astuta entre a Boeing e o Departamento de Justiça dos EUA, as consequências mortais do crime da Boeing estão sendo ocultadas”, frisou Paul G. Cassell, advogado de mais de uma dúzia de famílias.

“Muito mais evidências foram apresentadas nos últimos cinco anos para mostrar que a cultura da Boeing de colocar o lucro acima da segurança não mudou”, disse em comunicado o advogado Robert A. Clifford.

As famílias querem, ainda, que os culpados sejam levados a julgamento. Foi por decisão da alta direção da Boeing, em prol dos lucros planejados, que se optou por improvisar um sistema automatizado para corrigir um erro de projeto, o deslocamento do centro de gravidade do avião, ao usar turbinas maiores, sobre o qual sequer os pilotos foram devidamente informados ou a FAA, no afã de manter sua fatia de mercado da aviação civil na disputa com a Airbus, com o tenebroso resultado que se conhece.

Enquanto o Departamento de Justiça multou agora a Boeing, no caso das 346 mortes nos dois 737 Max que caíram, em US$ 487 milhões (o máximo, segundo a lei), pela explosão da porta a empresa pagou US$ 160 milhões à Alaska Airlines.

As famílias das vítimas poderão falar na audiência em que a Boeing formalizará sua confissão pelos acidentes. Caberá ao tribunal determinar às famílias.

Esse acordo não protege a Boeing de acusações que possam surgir de outras investigações, como a porta de um 737 Max da Alaska Airlines que estourou em pleno voo, nem proporciona imunidade a executivos ou funcionários.

ATÉ TITÂNIO PIRATA

Enquanto as denúncias de uso de “peças defeituosas e forjadas” e do descumprimento dos protocolos de qualidade e de segurança se multiplicavam, agora a Boeing admitiu à FAA ter utilizado “titânio falsificado” na fabricação de jatos comerciais.

O incidente veio à tona quando um dos seus fornecedores detectou orifícios nas peças das aeronaves devido à corrosão prematura do material.

Os componentes de titânio teriam documentação falsificada e estão sendo investigados pela FAA e pela Spirit AeroSystems, que fornece fuselagens para a Boeing e asas para a Airbus.

“Estamos removendo todas as peças afetadas antes da entrega e garantindo que nossa frota em serviço continue a voar com segurança”, declarou um porta-voz da Boeing.

Em abril, a Boeing havia comunicado à FAA sobre registros de inspeção potencialmente falsificados relacionados às asas dos aviões 787 Dreamliner e que inspeções necessárias envolvendo as asas do jato poderiam faltar, tornando necessário reinspecionar alguns dos Dreamliners ainda em produção.

“Assim que percebemos que o titânio falsificado entrou na cadeia de suprimentos, imediatamente confinamos todas as peças suspeitas para determinar o escopo dos problemas”, asseverou o porta-voz da Spirit AeroSystems, Joe Buccino. Segundo a FAA, a investigação segue em andamento.

Fonte: Papiro