ANPG começa novo ciclo com conquistas e lutas em defesa da Ciência
Desfraldando a bandeira da ANPG, Vinícius Soares está novamente à frente da nova diretoria da entidade. Foto: Divulgação
O pós-graduando pernambucano Vinícius Soares, doutorando em Saúde Coletiva pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, foi reeleito por aclamação pela plenária do 29º Congresso da Associação Nacional de Pós-Graduandos (ANPG) para a presidência da entidade no biênio 2024-2026.
Vinícius Soares é natural do Recife (PE), tem 31 anos e se formou em Ciências Biológicas pela Universidade de Pernambuco (UPE). Cursou mestrado em Biologia Celular Molecular Aplicada na mesma Instituição e agora faz doutorado na UFRJ. Ele também integra o Conselho Deliberativo do CNPq.
Como presidente da entidade nos últimos dois anos, Vinícius liderou diversas lutas e conquistas para os pós-graduandos, tais como o reajuste das bolsas de estudos, a aprovação do Plano Nacional de Assistência Estudantil, a nova Lei de Cotas e a Lei da Licença Parentalidade, dentre outras.
Em entrevista ao Entrelinhas Vermelhas desta quinta-feira, Vinícius compartilhou suas experiências como líder estudantil e destacou a importância da ANPG na luta pela permanência e valorização da ciência no Brasil. No mesmo programa, foi também entrevistado Ibrahim Alzeben, embaixador da Palestina no Brasil desde 2008 e decano do Conselho dos Embaixadores Árabes no Brasil.
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Assista a íntegra do Entrelinhas Vermelhas com Vinícius:
Desafios e recompensas da liderança estudantil
Vinícius discutiu o quão recompensador foi atuar nos últimos dois anos na gestão da associação. Durante o congresso mais recente da ANPG, foi lançado o livro “Memória em Cartaz”, documentando a história da institucionalização da ciência no Brasil a partir da pós-graduação. “Toda a história da ANPG está hoje de fato muito relacionada com a história da ciência no Brasil,” destacou Vinícius. Ex-membros da ANPG ocupam hoje posições de destaque no Parque Nacional de Ciência e Tecnologia, incluindo ex-reitores, pró-reitores de pós-graduação e funcionários do Ministério da Ciência e Tecnologia.
A contribuição da ANPG na luta pela ciência
Vinícius ressaltou que a ANPG, que recentemente completou 38 anos, tem sido fundamental em várias lutas importantes para a ciência e a educação no Brasil. Desde a mobilização pelas Diretas Já até a luta contra o impeachment da presidente Dilma e a PEC do Teto dos Gastos, a ANPG esteve presente. Em 2019, junto com a UNE e a Ubes, convocou o “Tsunami da Educação”, um protesto significativo contra o governo Bolsonaro. “Hoje, a ANPG contribui tanto para defender a democracia quanto para avançar a ciência no Brasil,” enfatizou Vinícius.
A correção das bolsas de pesquisa
Uma das primeiras medidas do governo Lula foi atender à demanda do movimento dos pós-graduandos pela correção do valor das bolsas de pesquisa. “Essa era uma luta histórica,” explicou Vinícius, “as bolsas estavam há 10 anos sem reajuste, com a inflação corroendo mais de 75% dos valores.” Ele destacou que o reajuste das bolsas não era uma pauta corporativista, mas uma questão de desenvolvimento nacional, pois os pós-graduandos são responsáveis por 90% da ciência produzida no Brasil. Ele salienta a diferença que tem feito para os pesquisadores, e destaca também o impacto positivo na economia local das cidades que abrigam esses estudantes.
Futuras lutas e demandas
Atualmente, a principal luta da ANPG é garantir um mecanismo anual de reajuste das bolsas, para que os pós-graduandos não precisem depender de uma decisão política do governo a cada ano. Estão sendo discutidas formas de indexar o valor das bolsas ao salário mínimo, à correção inflacionária ou ao salário do professor universitário. Além disso, a ANPG busca assegurar direitos previdenciários para que o tempo de mestrado e doutorado possa ser contabilizado para a previdência.
Um novo horizonte de diálogo
Desde o início do governo Lula, uma das mudanças mais perceptíveis na relação entre o governo e a comunidade científica é o aumento significativo no diálogo. “Temos muito mais abertura de diálogo com o governo atual,” afirma. Ele ressalta que, durante o governo Bolsonaro, estudantes e pesquisadores eram vistos como inimigos, o que impossibilitava qualquer tentativa de diálogo. Além disso, muitos pesquisadores foram perseguidos, exacerbando ainda mais a tensão entre o governo e a comunidade científica.
A negação da ciência no Governo Bolsonaro
A gestão anterior foi marcada por uma negação explícita da ciência, não apenas em retórica, mas também em ações concretas que resultaram no desmonte do parque nacional de ciência e tecnologia. Dados do Observatório do Conhecimento mostram que o Brasil perdeu mais de 100 bilhões de reais em investimentos para a educação e ciência e tecnologia em um período de cinco anos. Vinícius descreve que o governo Bolsonaro não só negava a ciência politicamente, mas também financeiramente, minando a infraestrutura científica do país.
Avanços e conquistas no Governo Lula
Apesar das dificuldades econômicas enfrentadas pelo novo governo, Vinícius reconhece um esforço significativo em recompor os orçamentos das universidades e da ciência e tecnologia. “Já conseguimos avançar em muitas conquistas represadas pelo Movimento Nacional de Pós-Graduandos, como reajuste de bolsas, cotas e um plano nacional de assistência estudantil,” afirma ele. Essas vitórias são fruto da disposição do governo em dialogar e valorizar a ciência no Brasil, mesmo que ainda haja muito a ser conquistado.
O estágio atual da ciência no Brasil
Vinícius explicou que o Brasil enfrenta uma grave crise na formação de quadros técnicos de alto nível, resultado direto do desmonte promovido pelos governos Temer e Bolsonaro. “Hoje, a pós-graduação não é mais uma perspectiva para quem sai da universidade,” lamenta ele, destacando que muitos pós-graduandos se perguntam diariamente o que farão com seus diplomas.
A fuga de cérebros
Uma das consequências mais graves desse desmonte é a fuga de cérebros. “Em 2021 e 2022, 30 mil pós-graduandos evadiram ou foram desligados, e o Brasil deixou de titular 9 mil doutores entre 2020 e 2022,” revela Vinícius. Para reverter essa crise, a ANPG está propondo ao governo a aprovação de uma cesta de direitos básicos para pós-graduandos, que inclua direitos estudantis, trabalhistas e previdenciários. Além disso, sugerem que o Estado incentive o setor produtivo não acadêmico a contratar mestres e doutores, talvez através de cláusulas em subvenções econômicas da FINEP.
O papel das empresas públicas
As empresas públicas também terão um papel fundamental nesse processo de recuperação. “Precisamos que as empresas públicas contratem nossos doutores e se aproximem da pós-graduação,” sugere Vinícius. Ele próprio é um exemplo da fuga de cérebros regionais, tendo que migrar de Pernambuco para o Rio de Janeiro em busca de melhores oportunidades durante seu doutorado.
Impactos na vida das pessoas
O cenário de pouca valorização dos estudantes de pós-graduação e da educação em geral no Brasil tem impactos profundos e variados na vida das pessoas, na economia e no desenvolvimento do país. Vinícius menciona estudos da OCDE que mostram uma forte relação entre o número de doutores em um país e seu nível de desenvolvimento.
Atualmente, o Brasil titula entre 22 e 25 mil doutores por ano, um número muito abaixo da média dos países da OCDE, que titulam até cinco vezes mais doutores. Essa diferença impede que o Brasil expanda adequadamente seu parque de ciência e tecnologia, limitando a produção científica e a capacidade de inovação.
Exemplos de competência brasileira
Durante a pandemia de COVID-19, enquanto laboratórios internacionais sequenciavam o genoma do coronavírus em 15 dias, pesquisadores brasileiros, liderados pela doutoranda Jaqueline Góes, realizaram a mesma tarefa em apenas 48 horas. Esse exemplo ilustra a competência e habilidade dos cientistas brasileiros, que, no entanto, necessitam de mais apoio e oportunidades do Estado para maximizar seu potencial e contribuir de maneira significativa para a sociedade.
Impactos econômicos
A falta de valorização da ciência também tem repercussões econômicas. A Embrapa, por exemplo, demonstra que cada real investido em ciência e tecnologia na produção agrícola retorna mais de 20 reais para a sociedade. A ciência, portanto, não só é crucial para o desenvolvimento econômico, mas também para a soberania e autonomia nacional.
Desafios e propostas para o futuro
Para mitigar os impactos da desvalorização da ciência e da educação, Vinícius sugere diversas medidas. Entre elas, está a necessidade de aprovar uma cesta de direitos básicos para os pós-graduandos, incluindo direitos estudantis, trabalhistas e previdenciários. Além disso, propõe incentivos para que o setor produtivo não acadêmico contrate mestres e doutores, utilizando a FINEP para incluir cláusulas de contratação de doutores nas subvenções econômicas.
Ministra Luciana Santos defende reajuste anual das bolsas e direitos previdenciários para os pós-graduandos. Foto Divulgação ANPG
O papel do Ministério da Ciência e Tecnologia
O Ministério da Ciência e Tecnologia tem um papel central nesse contexto, liderando a política de ciência e tecnologia no país. Vinícius ressalta que, ao contrário do Sistema Único de Saúde (SUS), o Brasil não possui um sistema único de ciência e tecnologia, o que torna a liderança do ministério ainda mais crucial para alinhar as ações de municípios, estados e a União em prol do desenvolvimento científico e tecnológico.
Mobilização e esperança
Vinícius acredita que a valorização dos pós-graduandos deve ser uma prioridade política, pois eles são a mão de obra da ciência no Brasil. Com um governo mais aberto ao diálogo e disposto a investir na ciência, há esperança de que o Brasil possa recuperar o tempo perdido e avançar significativamente nos próximos anos.
Convite para a Conferência Nacional de Ciência e Tecnologia
Por fim, Vinícius convida a todos para participarem da 5ª Conferência Nacional de Ciência e Tecnologia, que ocorrerá entre o final de julho e início de agosto. Ele enfatiza a importância desse evento, que será uma oportunidade para transformar ideias em ações concretas e construir um plano nacional de ciência e tecnologia, definindo os desafios e objetivos para os próximos anos.
(por Cezar Xavier)