Ato na Câmara de Vereadores de São Paulo pela Sabesp Pública. Foto: Sintaema/Karla Boughoff

Muitas incertezas e irregularidades permeiam o processo de privatização da Sabesp (Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo). Este é o resumo do que entidades ligadas ao saneamento mostram em relação a entrega do patrimônio público paulista para a iniciativa privada – uma prioridade do governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos).

Nesta quinta-feira (27), uma coletiva de imprensa apresentou dados que indicam que o governo estadual deprecia o valor de mercado da Sabesp como forma de facilitar a venda, fato que será contestado na Justiça.

O levantamento encomendado pelo Sindicato dos Trabalhadores em Água, Esgoto e Meio Ambiente do Estado de São Paulo (Sintaema), indica que Unidade Regional de Serviços de Abastecimento de Água Potável e Esgotamento Sanitário Sudeste (Urae-1), que aprovou o novo Contrato de Concessão da Sabesp, superestimou as demandas na ordem de 60% para água e em 20% para esgoto, considerando as novas ligações de água e de esgoto que seriam necessários para atingir a universalização – principal argumento dos defensores da privatização.

Portanto, os dados captados para definir os investimentos em expansão que constam no Plano Regional foram superdimensionados, o que traz como efeito a depreciação do valor da companhia.

Nesse sentido, como apontado na coletiva, isto facilita a venda ao rebaixar o valor, uma verdadeira entrega de patrimônio da população.

Conforme o estudo encomendado, pelo fluxo de caixa futuro da empresa a valor presente (valuation) chega-se a um valor de R$ 90,556 bilhões da Sabesp, o que dividido pelas ações ordinárias corresponderia a um valor por ação de R$ 103,90 – o preço considerado justo pelo estudo.

No entanto, o governo sinaliza com a ideia de ceder uma parcela de 32% da Sabesp, dos atuais 50,3% que possui hoje, pela pechincha de até R$ 16,5 bilhões. O valor comercializado pela ação nesta quinta (27) foi de R$74,11 por ação.

Apresentaram os dados Hugo de Oliveira, ex-presidente da Arsesp, Ronaldo Coppa, ex-conselheiro de administração da Sabesp, e o advogado Rubens Naves, sócio-fundador do Rubens Naves Santos Júnior Advogados, todos explicando as brechas cometidas no processo de privatização com endosso às críticas.

Segundo Amauri Pollachi, engenheiro e conselheiro do Observatório Nacional dos Direitos à Água e ao Saneamento (ONDAS), mais dados serão divulgados assim que forem protocolados na justiça: “Assim que tivermos ações protocoladas divulgaremos a toda imprensa. Entendemos que há brechas no processo que ainda vamos oficializar para entrar com o processo e depois divulgaremos, é um processo delicado”, enfatizou.

Falta transparência

Ainda segundo Pollachi, temos um problema gravíssimo de transparência dentro do processo de privatização da Sabesp: “Um processo que tem sido conduzido de forma açodada, sem diálogo e sem debate público junto à sociedade”.

O engenheiro indica que além do prejuízo econômico com a pechincha que aparece no horizonte de venda, a Sabesp privatizada aumentará muito a conta da água, ao contrário do que o governo estadual tem anunciado com uma narrativa que diz que para a população mais pobre que a água irá baixar.

“Argumentamos em sentido contrário, o governo diz que vai haver a redução de 1% na tarifa residencial comum, 0,5% nas tarifas comerciais e industrias e 10% nas tarifas sociais. Entretanto esse benefício é similar às promoções que existem no período da Black Friday. Muitas pessoas já foram enganadas no período da Black Friday com descontos anunciados de 30%, no entanto o vendedor subiu o preço em 40% semanas antes. Eu diria que este estratagema que o governo está fazendo é muito similar a este descontão da Black Friday”, critica.

Valuation

O economista André Locatelli, contratado para o estudo de valuation com experiência em avalição financeira de empresas de saneamento, explicou que os dados utilizados são públicos e foram extraídos da Sabesp, do Governo de São Paulo, da ARSESP (Agência Reguladora de Serviços Públicos do Estado de São Paulo) e do IBGE.

Ele coloca que utilizou o método de fluxo de caixa descontado para avaliar a empresa, com possíveis lucros futuros a valor presente para ter uma ideia de quanto vale a empresa no valor de hoje.

Ações na justiça

O advogado Gustavo Barros, explicou que são cerca de 50 ações em andamento que contestam a privatização da Sabesp. “São ações civis públicas, populares, movidas por cidadãos que se dispuseram a entrar com as ações, como ações do Tribunal de Contas do Estado e Ações Diretas de Inconstitucionalidades (ADI) patrocinadas por partidos políticos que estão engajados na transparência relacionada ao processo de privatização”, apontou.

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Barros ressalta que nesta semana ocorreu uma decisão favorável na cidade de Guarulhos, ao lembrar que o saneamento é algo municipal e eles detêm o direito de exploração. “Esta semana tivemos uma decisão favorável à população do estado, especialmente à população de Guarulhos, que foi um ADI ajuizada contra o ingresso do município de Guarulhos na URAE que vai fazer essa gestão total do contrato”, disse.

Falta concorrência

“O que está sendo feito, não é contra somente a corporação e os trabalhadores: o maior prejudicado é o povo de São Paulo”, expõe o presidente do Sintaema, José Faggian.

Na sua fala, o sindicalista colocou que 70% da população de São Paulo, atendida pela Sabesp, poderá ter problemas sérios, uma vez que existe uma interface direta com a saúde, o bem-estar e com a economia, porque, argumenta, nenhuma empresa se instala em um território que tenha risco hídrico.

“Todos esses elementos estão envolvidos nesse processo de privatização que acontece com falta de transparência e cheio de irregularidades. Havia uma narrativa que o capital internacional viria aqui para melhorar a gestão da empresa e parece que os gringos não toparam o negócio. Não apareceram e agora temos a notícia que a Aegea saiu do páreo. Isto acarreta uma série de problemas e irregularidades, porque a disputa deixa de existir, com um direcionamento nítido para um grupo que não tem know how nenhum em saneamento e pode dirigir a maior empresa de saneamento da América Latina”, afirmou Faggian, ao fazer referência à desistência em apresentar proposta pela empresa Aegea, deixando somente a holding Equatorial, do ramo de energia, na disputa.

O presidente do Sintaema realçou a desaprovação com o processo, sendo que o estudo que encomendou já demonstrou que a avaliação da empresa está errada, que os investimentos estão superestimados e que o valor das ações não está adequado. Nesse sentido, a cereja do bolo é a falta de transparência do valor de referência pedido pelo governo.

“Não temos claro qual o preço de referência que o governo vai apresentar, ou se vai apresentar, e assim vai ficar muito fácil para o grupo que está sozinho [Equatorial], oferecer o valor que quiser. Isto é um crime contra o erário público, um crime contra o povo de São Paulo. É isso o que significa o processo de privatização da Sabesp: um prejuízo econômico, um prejuízo de futuro para o povo e um risco de saúde para a nossa população. Os trabalhadores estão muito preocupados, não só com seus empregos, pois sabemos o destino que os funcionários de empresas privatizadas têm, mas, principalmente, com a saúde e o futuro do Estado, porque a Sabesp é uma empresa estratégica para a economia de São Paulo”, concluiu o sindicalista.