Prefeito de Porto Alegre ignorou alerta de engenheiros do DMAE para reparo do sistema antienchentes
Engenheiros do DMAE (Departamento Municipal de Água e Esgoto de Porto Alegre) solicitaram reparo das bombas do sistema antienchentes e foram ignorados pelo prefeito Sebastião Melo (MDB). A denúncia foi feita pelo deputado estadual Matheus Gomes (PSOL/RS) nesta segunda-feira (20), pelo X, antigo Twitter.
De acordo com a postagem, com base no manifesto dos especialistas do DMAE encaminhado aos responsáveis, foram solicitados reparos urgentes em quatro casas de bombas de Porto Alegre em novembro do ano passado, após uma sequência de dias de chuva elevarem o nível do Guaíba a mais de 3,4 m. Segundo a denúncia, nenhuma medida foi executada pelo diretor-presidente do órgão, Maurício Loss, indicado por Melo em fevereiro de 2023.
Nas Estações de Bombeamento de Águas Pluviais (Ebaps) 17 e 18, localizadas no Centro, por exemplo, foi solicitada a “elevação das paredes do poço de descarga”. A medida elevaria a altura da parede e manteria as bombas isoladas e funcionando em casos extremos como o das chuvas intensas que atingiram o RS.
Os engenheiros apontam ainda que “além das descargas das EBAPs 17 e 18, informamos que foi identificado outros dois pontos com problemas relacionados a cota de descarga”, inclusive, “um já apresentado ocorrência de extravasamento” no nível do Guaíba. O documento destaca a “necessidade urgente de resolução da demanda” para não se correr o risco de ver “o alagamento da área central de Porto Alegre, entre a Usina do Gasômetro e a Rodoviária”.
No dia 3 de maio, as águas invadiram o Centro Histórico de Porto Alegre numa proporção semelhante a enchente de 1941. Ao longo das duas últimas semanas, parte da região permaneceu submersa, com a energia elétrica desligada, sem água potável, com locais como a estação rodoviária totalmente inundada.
Na Ebap 13, que fica no Parque Marinha, foi solicitado o conserto das janelas de inspeção do poço de descarga, por não estarem devidamente pressurizadas, como requer o projeto original. O perigo anunciado era o alagamento no bairro Menino Deus e no entorno da Azenha, áreas da região porto alegrense.
E assim como esses, se seguiram outros alertas, todos eles ignorados, o que justifica, em parte, a tragédia que vive o povo gaúcho atualmente.
Desde 2018, de acordo com o Matinal News, a prefeitura já tinha conhecimento do problema na comporta da EBAP 17. Naquele ano, de acordo com o site, foi aberto um procedimento interno que solicitava o reparo desse dispositivo, junto com o conserto da comporta de outra estação de bombeamento a 1,4 quilômetro dali, de número 18, na esquina da avenida Mauá com a rua Carlos Chagas, a duas quadras da rodoviária de Porto Alegre.
O processo tramitou pela Secretaria Municipal de Serviços Urbanos (Smsurb) e pela Secretaria Municipal de Obras e Infraestrutura (hoje Smoi, antiga Smim) até 2019, ainda no governo de Nelson Marchezan Jr. (PSDB), de acordo com o Sistema Eletrônico de Informações (SEI) da prefeitura de Porto Alegre. Mas só teria chegado ao conhecimento do DMAE, no início deste ano, segundo o próprio departamento em resposta ao Matinal.
Além da demora no conserto da estação de bombeamento 17, o sistema dessa EBAP já havia apresentado falhas durante uma enchente em 2023. O Matinal teve acesso a imagens de outubro do ano passado que mostram funcionários do departamento improvisando um fechamento da estação com lonas plásticas e sacos de areia para impedir a eclosão das águas pela casa de bombas.
“A comporta não funcionava em 2023, por sorte o Guaíba subiu até 3,46, e não transbordou na estação 17. Eles sabiam que, se o Guaíba subisse mais, iria transbordar. Mas não arrumaram e apostaram na sorte”, disse ao veículo o ex-diretor do DMAE e também do extinto Departamento de Esgotos Pluviais (DEP), o engenheiro Augusto Damiani.
“Não dá para levar seis anos para consertar um equipamento. Um equipamento que custa cerca de 60 mil reais. É coisa barata para as contas da prefeitura de uma cidade como Porto Alegre”, criticou Damiani.
O descaso e a omissão da atual gestão municipal com relação a esses problemas, encontra explicação no desmonte a que vem sendo submetido o DMAE, seja na sua estrutura, seja no seu quadro de servidores, que impactam no seu funcionamento. “Em setembro de 2023, vi que o DMAE teve várias dificuldades para fechar as comportas, não achou os parafusos, não conseguiu colocar as borrachas, encontrou asfalto em trilhos, teve que usar uma retroescavadeira para fechar as comportas. Agora, neste evento, os problemas se repetiram”, denuncia o engenheiro em entrevista ao Brasil de Fato.
“Nos últimos anos, o DMAE tem sofrido um enxugamento visando o projeto que está aí e que é a transferência da gestão da água para a iniciativa privada. Para isso é fundamental desqualificar a imagem da instituição junto à população para que se tenha uma opinião pública favorável dizendo que o serviço público é ruim e que o privado é melhor”, continua Damiani.
Assim, reduz-se a capacidade de investimentos, apesar das contas estáveis desse órgão. “Ele tem quase R$ 400 milhões em aplicações financeiras em vez de estar investindo, além do enxugamento do corpo técnico que vem perdendo servidores por aposentadoria, de tal forma que, hoje, temos apenas um terço do necessário (de funcionários) lá dentro”, aponta. “Isto faz com que fique difícil para o DMAE atender todas as coisas, inclusive a drenagem”, continua o engenheiro.
No entanto, ele ressalta o potencial do sistema de defesa contra enchentes do município porto alegrense. “Sempre me perguntam se o sistema de proteção de Porto Alegre está ultrapassado. Não. É um sistema seguro, clássico, eficiente”, sustenta. “O que se precisa garantir é manutenção constante e alguma modernização quando necessária”, defende. “É lamentável que, em 2019, o então prefeito (Marchezan Junior) acabou perdendo R$ 100 milhões a fundo perdido que iriam modernizar 10 casas de bombas desse sistema”, critica Augusto Damiani.
Em tempos de crises e desastres, uns lucram em prejuízo de outros e do bem-estar em geral. Nesse contexto, o prefeito Melo viu um uma oportunidade de negócios ao decidir jogar no colo da consultoria privada estrangeira Alvarez & Marçal a reconstrução de Porto Alegre. “Em vez de confiar e valorizar os profissionais qualificados disponíveis localmente, provenientes da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, por exemplo, que há tempos alertam sobre desafios e emergências climáticas, o Prefeito Sebastião Melo se apressou em terceirizar responsabilidades, levantando preocupações sobre transparência, prioridades e potenciais interesses ocultos”, afirma o Presidente do Sindiágua/RS e Secretário do Meio Ambiente CUT-RS, Arilson Wünsch, ao Sul21.
“Inicialmente apresentada como uma solução ‘gratuita’ nos primeiros 60 dias, a intervenção da consultoria levanta suspeitas sobre a real gratuidade, uma vez que parece inviável implementar mudanças significativas no enfrentamento de uma catástrofe de tal monta em um período tão curto”, diz. “É evidente que, em última instância, esses serviços não serão isentos de custos e recairão sobre o erário, ou seja, do bolso dos cidadãos”, alerta Wünsch.
O sindicalista destaca que o papel da A&M no processo não se restringe à mera reconstrução da cidade. “É essencial ressaltar que o ‘trabalho’ da consultoria não se limita à reconstrução pós-enchente, mas parece estar direcionada a preparar o terreno para a privatização do Departamento Municipal de Água e Esgotos (DMAE), que está realizando um trabalho de superação durante a tragédia, devido ao sucateamento imposto pelo executivo municipal”.
“Isso levanta sérias questões sobre as prioridades do governo, que parece mais focado em agendas controversas do que na recuperação efetiva da cidade. Aproveitando-se do caos e da distração pública decorrentes da tragédia causada pela enchente, o prefeito Sebastião Melo parece estar avançando com uma agenda que pode ter consequências desastrosas para o futuro da comunidade”, alerta o presidente o presidente do Sindiágua.
Fonte: Página 8