Pior que a recessão é a crise cambial que Milei enfrenta na Argentina
Milei defendeu a dolarização da economia argentina, durante campanha, mas enfrenta desafios intransponíveis para cumprir este objetivo. Foto Reprodução do Twitter
Embora a economia argentina tenha entrado em recessão técnica, definida por dois trimestres consecutivos de retração do PIB, este não é seu pior desafio. É o que avalia o economista argentino Eduardo Crespo, professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), em entrevista. Para ele, a crise cambial recente, com queda acelerada e forte da moeda nacional, agrava o quadro da gestão macroeconômica para o governo do presidente de extrema-direita Javier Milei.
A economia argentina tem enfrentado uma série de desafios significativos nos últimos meses, com a desvalorização do peso no mercado paralelo e medidas controversas por parte do governo. Crespo oferece uma análise dos fatores que têm contribuído para a atual situação econômica do país, minimizando a importância do dado oficial, que já era previsível, para focar na oscilação cambial.
A economia argentina registrou uma forte queda de 1,4% em março, de acordo com dados ajustados sazonalmente do Estimador Mensal de Atividade Econômica (Emae), informou o Instituto Nacional de Estatísticas e Censos (Indec). Comparado a março de 2023, a retração foi ainda mais acentuada, alcançando 8,4%. No primeiro trimestre de 2024, o Produto Interno Bruto (PIB) caiu 5,3% em relação ao trimestre anterior.
“Era absolutamente previsível, eu diria, aí não há nada que seja muito surpreendente”. Segundo Crespo, a situação atual era previsível devido a uma combinação de fatores econômicos. Houve um ajuste fiscal significativo, uma grande desvalorização da moeda, e o salário dos trabalhadores não acompanhou o aumento da inflação. Esses elementos culminaram em uma queda no consumo e no investimento, resultando em uma forte recessão.
Desvalorização cambial
Crespo ressalta que, embora a recessão seja um tema de preocupação, o dado mais fundamental nos últimos dias é a desvalorização dos dólares paralelos, indicando uma situação econômica mais complicada. As reduções na taxa de juros resultaram em um reajuste de preços, com investidores movendo suas posições para o dólar.
“O problema maior que tem o Milei não é este aspecto previsível para todos da forte recessão, se não que, esse verão cambial, em que os dólares paralelos convergiam para o dólar oficial e tinha uma queda do risco país, etc. Agora parece que está mais complicado. Houve um salto na taxa na desvalorização cambial, dos dólares paralelos”, aponta ele. “Isso é um anuncio de que há a expectativa de que a situação está mais complicada do que já se sabia”.
Nas últimas semanas, o peso argentino acumulou quedas consecutivas no mercado paralelo, conhecido como dólar blue. Ontem, o dólar chegou a ser cotado em 1.300 pesos no mercado informal, registrando uma desvalorização de mais de 15% na semana, a maior desde a posse do presidente Javier Milei em dezembro. Crespo destaca que o aumento nos valores dos dólares paralelos, como o dólar blue e o dólar MEP (Mercado Eletrônico de Pagos), é um indicador de uma expectativa de piora na situação econômica, que pode se tornar um obstáculo para Milei atingir seu objetivo de remover os controles cambiais.
O governo de Javier Milei adotou uma estratégia de cortes agressivos nas taxas de juros pelo Banco Central da Argentina, reduzindo a taxa de 70% para 40% em pouco mais de um mês. Essa medida faz parte de uma abordagem técnica para pôr fim à emissão de dinheiro, identificada como a principal causa da inflação crônica no país, que atingiu uma taxa anual de 289% em abril.
Analistas apontam que a desvalorização do peso é em grande parte resultado desses cortes nas taxas de juros, tornando a poupança em pesos menos atrativa e pressionando para cima a cotação no mercado paralelo. Além disso, o Banco Central não tem comprado dólares nos níveis esperados, especialmente durante a safra agrícola, o que agrava a pressão sobre a moeda.
Impactos e Expectativas Futuras
O mercado financeiro avalia que enquanto as taxas de juros permanecerem baixas, muitos pequenos investidores continuarão a dolarizar suas carteiras. Para o futuro próximo, espera-se que o dólar blue continue a subir, embora a demanda por pesos em junho, devido ao pagamento de bônus de Natal e bônus especiais, possa ajudar a frear essa tendência.
A crise cambial na Argentina é um reflexo de políticas econômicas que, supostamente bem-intencionadas na tentativa de estabilizar a inflação, têm resultado em uma série de desajustes e desafios no mercado financeiro. A análise de Eduardo Crespo destaca a complexidade da situação e a necessidade de abordagens equilibradas para evitar uma deterioração ainda maior da economia argentina.
(por Cezar Xavier)