México escolhe no domingo (2) entre duas mulheres à Presidência da República
Apoiadores participam do comício de lançamento da campanha da candidata presidencial Claudia Sheinbaum na praça Zócalo, na Cidade do México, em 1º de março
O próximo domingo (2) verá o maior número de eleitores na história das eleições mexicanas, com cerca de 100 milhões de pessoas aptas a votar. Além da presidência, serão eleitos 500 deputados, 128 senadores, nove governadores, 1.098 deputados estaduais, 1.802 prefeitos e 14.674 vereadores.
O México se prepara para uma eleição presidencial histórica, marcada pela possibilidade de eleger a primeira mulher presidente do país. As candidatas Claudia Sheinbaum, do partido Morena, e Xóchitl Gálvez, da coligação de oposição, são as principais concorrentes, num país marcado pela violência contra a mulher e o machismo. O ex-membro do Congresso Jorge Alvarez Maynez é o azarão que concorre em nome do Movimento dos Cidadãos. O Portal Vermelho consultou duas analistas internacionais para compreender melhor os rumos do país neste período eleitoral.
Flávia Loss, professora de Relações Internacionais da FESP-SP (Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo), destaca que a eleição de uma mulher à presidência do México seria um marco histórico. “Seja Claudia Sheinbaum ou Xóchitl Gálvez, a eleição da primeira mulher presidente do México é um evento significativo. Ambas as candidatas trazem consigo histórias e plataformas políticas distintas, mas a vitória de qualquer uma delas representará um avanço importante para a representatividade de gênero no país”, afirma.
As candidatas e suas coligações
Claudia Sheinbaum, engenheira ambiental e ex-secretária de Meio Ambiente da Cidade do México, é vista como a sucessora natural das políticas do atual presidente Andrés Manuel López Obrador (AMLO), que termina o seu mandato como um dos líderes mais populares da história moderna do México. Com uma coligação de centro-esquerda, Sheinbaum lidera as pesquisas com uma vantagem significativa.
Ana Prestes, secretária de Relações Internacionais do PCdoB, comenta que Sheinbaum possui cerca de 60% das intenções de voto, comparada a 30% de Gálvez. “Ela representa a continuidade das políticas de López Obrador, que, apesar das dificuldades, manteve uma alta popularidade ao longo do seu mandato”, explica Ana.
Por outro lado, Xóchitl Gálvez, ex-senadora e empresária de ascendência indígena Otomi, é uma figura complexa e contraditória. Embora defenda pautas progressistas em algumas áreas, seu discurso também ressoa com ideologias neoliberais e conservadoras. Gálvez é apoiada pelo PRI, PAN e PRD, os partidos mais à direita no país. “Felipe Calderón e Vicente Fox, ambos ex-presidentes do México, declararam apoio a ela, o que indica claramente suas conexões e influências políticas”, observa Ana.
López Obrador se tornou tão popular que antigos rivais tiveram que se aliar para competir na corrida presidencial deste ano. Ter PRI, PAN e PRD funcionando juntos é uma aberração histórica. Durante a maior parte da história democrática do México, estes três partidos concorreram entre si. O partido Morena também deve desfrutar desse impulso nas eleições, onde a sua coligação pretende expandir a sua maioria na legislatura.
O PRI foi a força política dominante no México durante grande parte do século XX, mantendo o poder durante 71 anos consecutivos, muitas vezes através de fraude e repressão. A coligação “Força e Coração para o México” junta-o ao PAN, um partido conservador rival que pôs fim à sua série de governantes em 2000. A segunda coalizão une o Morena – o atual partido do governo – ao Partido Ecológico Verde do México (Verde) e ao Partido Trabalhista (PT).
Prestes destaca a importância de olhar além das candidatas e analisar as coligações e apoios políticos que elas representam. Enquanto Sheinbaum surge como a candidata da continuidade das políticas de esquerda de López Obrador, Gálvez adota um discurso de combate à corrupção, enfatiza questões de gênero e indígenas, mas seu plano de governo é alinhado ao neoliberalismo. Desta forma a opositora ao governo não consegue ser vista como candidata da mudança, especialmente por seu vínculo com o PRI, o partido mais tóxico para a opinião pública.
Conhecido pela sua personalidade franca, López Obrador fez do combate à pobreza um pilar central da sua presidência. O sistema político mexicano permite um mandato presidencial de seis anos sem direito à reeleição, o que explica por que López Obrador não é candidato novamente. “Essa regra é diferente de muitos países da América Latina, onde os mandatos são geralmente de 4 ou 5 anos com possibilidade de reeleição”, comenta a dirigente do PCdoB.
Os desafios da violência
As pesquisas mostram que os eleitores listaram questões como segurança, programas sociais e corrupção como principais prioridades.
No entanto, um aspecto preocupante das eleições mexicanas é a violência política. “O México é um país que, assim como o Brasil, enfrenta desafios significativos em termos de violência política. A violência de gênero, em particular, é alarmante. Durante os períodos eleitorais, candidatos frequentemente enfrentam ameaças e ataques mortais, especialmente devido à influência do narcotráfico e do crime organizado”, observa Flávia.
“Durante a última eleição geral, que foi presidencial, a violência era ainda mais acentuada, com muitos candidatos perdendo a vida de maneiras brutalmente absurdas”, relembra Ana Prestes. A violência contínua fez-se sentir durante a época de campanha, com cerca de 34 candidatos a candidatos mortos entre setembro e este maio. Embora o México tenha implementado medidas para combater essa violência, o problema persiste, exacerbado pela presença e influência dos grupos de narcotráfico que utilizam o processo eleitoral como uma arena para manter e expandir seu controle.
A presença do crime organizado no México, similar às milícias no Brasil, agrava ainda mais a situação. Os cartéis de drogas dominam vastas regiões do país, interferindo diretamente no processo político e eleitoral. “É impressionante o número de candidatos assassinados durante as eleições mexicanas. Prefeitos, governadores, deputados, todos estão em risco devido ao domínio dos cartéis do narcotráfico”, destaca Ana Prestes.
No mês passado, dois candidatos a prefeito foram encontrados mortos no estado de Tamaulipas, no norte do país. E em 17 de maio, homens armados no estado de Chiapas, no sul do país, mataram seis pessoas num comício político, incluindo outro candidato a prefeito. O maior desapontamento do eleitor de Obrador é expressado pelo seu fracasso em reprimir o crime e abordar os milhares de casos de pessoas desaparecidas no México, que ultrapassaram os 100.000 sob a sua presidência.
Semelhanças com o Brasil
Flávia Loss traça paralelos entre o México e o Brasil, destacando as semelhanças nas questões de violência de gênero e poder do crime organizado. “O México, assim como o Brasil, enfrenta desafios enormes em termos de violência e criminalidade. A proximidade com os Estados Unidos e a influência do narcotráfico tornam a situação ainda mais complicada”, observa.
A presença do crime organizado no México, similar às milícias no Brasil, agrava ainda mais a situação. Os cartéis de drogas dominam vastas regiões do país, interferindo diretamente no processo político e eleitoral.
As eleições mexicanas de 2024 não são apenas uma disputa entre Claudia Sheinbaum e Xóchitl Gálvez, mas também uma batalha entre diferentes visões de governo e influências políticas. Além das propostas e alianças, a eleição é marcada pelo desafio contínuo da violência política, com a vida dos candidatos frequentemente em risco.
O resultado das eleições será crucial não apenas para o futuro político do México, mas também para a segurança e estabilidade do processo democrático no país. Independentemente do resultado, a eleição de uma mulher à presidência será um marco histórico, e a luta contra a violência política e de gênero permanecerá como um desafio central para o futuro democrático do México.
(por Cezar Xavier)