Israel censura a Aljazira para controlar informações sobre o genocídio
Meses antes de ser banida de Jerusalem, a Aljazira já havia sido alvo de bombardeio em Gaza. Foto reprodução
O gabinete de Israel votou por unanimidade pelo encerramento da Al Jazeera no país no domingo, ordenando imediatamente o encerramento dos seus escritórios e a proibição das transmissões da empresa.
A decisão foi anunciada pelo primeiro-ministro israelense Benjamin Netanyahu no X. Horas depois, o ministro das Comunicações de Israel, Shlomo Karhi, publicou imagens no X mostrando autoridades israelenses – especificamente inspetores do Ministério das Comunicações, apoiados pela polícia – invadindo o escritório da Aljazira em Jerusalém Oriental e confiscando o equipamento do canal.
O fechamento da Aljazira pelo governo de Israel tem gerado ondas de críticas e preocupações, não apenas dentro do Oriente Médio, mas em todo o mundo. Representantes de organizações latino-americanas consultadas expressaram suas opiniões sobre o assunto, destacando as implicações para a liberdade de imprensa e o controle da informação.
“A única democracia do Oriente Médio”
Emir Mourad, secretário-geral da Confederação Palestina Latino-Americana e do Caribe (Coplac), lamentou a decisão de Israel, enfatizando que uma democracia verdadeira não pratica genocídio nem restringe a liberdade de expressão. “Israel que se diz a única democracia do Oriente Médio… a gente sabe que uma democracia não pratica genocídio, como tem praticado contra o povo palestino”, afirmou. Ele ressaltou a importância da imprensa livre na denúncia de violações de direitos humanos e expressou preocupação com o fechamento da Aljazira.
“Uma democracia não mata jornalistas, não fecha órgãos de imprensa, portanto deve ser condenado ao mais alto nível das autoridades nacionais e internacionais, tanto aqui do Brasil como do mundo”, repudiou Mourad. Para ele, essa é a nova fase do genocídio: fechar a imprensa, após matar 140 jornalistas que reportavam o genocídio para o resto do mundo.
Interesse do Catar em Gaza
Ualid Rabah, presidente da Federação Árabe Palestina do Brasil (Fepal), destacou o papel da Aljazira na divulgação de informações sobre o conflito na Palestina e Gaza, ressaltando que o fechamento do canal representa uma tentativa de controlar a narrativa do genocídio. Ele levantou questões sobre os interesses políticos por trás da decisão, apontando para possíveis motivações geopolíticas e econômicas.
Rabah também mencionou a relação entre a Aljazira e alguns países árabes aliados dos Estados Unidos, sugerindo que o fechamento do canal poderia servir aos interesses desses regimes. Ele alertou para o perigo do totalitarismo crescente, que busca controlar a informação e silenciar vozes dissidentes.
“Está em construção um mundo totalitário em que a informação precisará ser controlada também”, afirmou Rabah, ressaltando a preocupação com a crescente tendência de controle da informação em nível global. Ele apontou que a Aljazira, apesar de fazer parte do sistema midiático “ocidental”, nem sempre segue os interesses alinhados com o status quo, especialmente em relação à questão palestina e ao conflito em Gaza.
“Foi assim, por exemplo, no caso da Síria, da Líbia, em que a Aljazira foi responsável por verdadeiras fake news. Mas nem sempre no centro do império tudo é acordo completo”, salientou. Para ele, o próprio Catar, que financia a Aljazira, tem interesses em até mesmo separar Gaza de toda a Palestina e usufruir das riquezas e do ponto estratégico que é aquele território. “Ou seja, explorar Gaza, eventualmente associado aos Estados Unidos ou ao Ocidente, e ter um porto ali, e eventualmente até mesmo uma base militar associada ao Ocidente”, revela.
Rabah destacou que a Aljazira desempenhou um papel crucial na divulgação de informações ao mundo sobre eventos no Oriente Médio, indo além das mídias sociais. Ele enfatizou que o fechamento do canal impede que as imagens e relatos cheguem ao público ocidental e a um certo público árabe aliado dos Estados Unidos.
Além disso, Rabah sugeriu que países como a Jordânia e as petromonarquias do Golfo podem estar incomodados com os efeitos do genocídio na região, mas não têm condições políticas, morais e diplomáticas para censurar a Aljazira. Nesse contexto, Israel assume o compromisso de “cumprir o papel sujo” de controlar a informação, que nenhum outro país ou regime ocidental ou mesmo árabe, aliado do Ocidente, gostaria de promover. Com isso, atende aos interesses dos Estados Unidos e outros países ocidentais, que estão passando por turbulências na opinião pública, como os protestos nas principais universidades dos EUA e da Europa.
“O padrão ocidental de totalitarismo, que necessitará cada vez mais de genocídios, precisará ainda mais de controle da informação. O ocidente pode ter acreditado, que já tinha preparado suficientemente os núcleos duros da sua demografia, dentro dos seus países para suportarem o genocídio e até defendê-lo. Ao que tudo indica, erraram na sua avaliação quanto à suportabilidade do genocídio televisionado”.
As declarações de Rabah refletem a preocupação com as implicações do fechamento da Aljazira para a liberdade de imprensa e a transparência na cobertura de eventos no Oriente Médio, bem como para a compreensão pública do genocídio em Gaza.
Reações ao banimento
A Aljazira já foi alvo de Israel antes: Netanyahu ameaçou encerrar o seu escritório em Jerusalém em 2017, e um míssil israelense destruiu o edifício que alberga o escritório da emissora em Gaza em 2021. Muitos jornalistas da Aljazira — e em vários casos, as suas famílias — foram mortos em disparos ou bombardeios israelenses, inclusive durante a atual guerra em Gaza.
No domingo, a Aljazira emitiu um comunicado condenando veementemente o encerramento de suas operações por parte de Israel, descrevendo-o como um “ato criminoso” que viola o direito internacional e humanitário. A rede de notícias alertou que a supressão da imprensa livre é uma afronta aos princípios democráticos e uma tentativa de controlar a narrativa do conflito na região.
A declaração da Aljazira também reiterou o compromisso da rede em continuar fornecendo notícias para um público global, apesar dos desafios impostos pelo fechamento de seus escritórios em Jerusalém, tanto na parte ocidental quanto na parte oriental ocupada da cidade.
O fechamento dos escritórios resultou no confisco de equipamentos essenciais para a produção jornalística, incluindo equipamentos de edição, câmeras, microfones e servidores. Além disso, Israel proibiu qualquer dispositivo usado para coleta de notícias, o que afeta diretamente o trabalho dos correspondentes da Aljazira na região.
O bloqueio da entrada de jornalistas estrangeiros em Gaza desde o início da guerra, em outubro, tem dificultado a cobertura independente do conflito. A Aljazira tem sido uma das poucas fontes internacionais a levar as informações sobre os ataques israelenses aos palestinos para uma audiência global.
A comunidade internacional tem reagido ao fechamento da Aljazira com indignação e preocupação. Organizações de direitos humanos e liberdade de imprensa, juntamente com líderes políticos e parlamentares, têm condenado a medida como uma tentativa de silenciar a verdade e restringir o acesso à informação.
Enquanto a Aljazira avalia suas opções legais e busca proteger os direitos de seus jornalistas, a discussão sobre a liberdade de imprensa e os direitos humanos continua a ganhar destaque em meio ao conflito em curso na região.
(por Cezar Xavier)