Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil

A situação vivenciada por boa parte da classe trabalhadora brasileira nos últimos anos vem sendo marcada por um profundo processo de precarização, fortemente impulsionado pela reforma trabalhista e pelo desmonte dos serviços públicos sob os governos de Michel Temer e Jair Bolsonaro. Frente a isso, a greve continua sendo uma das armas usadas pelos trabalhadores para manter ou conquistar direitos básicos. No ano de 2023, foram 1.132 greves, crescimento de 6% em relação a 2022. 

Ao todo, as greves resultaram em 42 mil horas paradas. No setor público (funcionalismo e empresas estatais), houve 628 greves (55,5% do total); já na esfera privada, houve 488 greves (43,1%). As informações fazem parte de estudo divulgado pelo Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese).

Quando se analisa a duração das mobilizações, a maioria delas, 637 greves (56,3%), encerrou-se no mesmo dia. Outras 279 (24,6%) duraram entre dois e cinco dias, enquanto 12% delas se estenderam por mais de 10 dias.

Dentre as principais reivindicações, estão o reajuste salarial (40,3%), seguido dos protestos por cumprimento do piso salarial (26,7%), pagamento de salários em atraso (21,7%), condições de trabalho (20,9%), alimentação (18,4%), melhoria dos serviços públicos (17,4%) e Plano de Cargos e Salários (14,7%).

Em 2023, tanto nos dois primeiros meses quanto nos últimos três, predominaram as greves de trabalhadores da esfera privada contra o atraso no pagamento dos salários. 

Sobre esta questão, o estudo aponta que “em especial entre empresas privadas que operam em contratos de concessões e terceirizações, o atraso no pagamento de salários é a resposta habitual e imediata a quaisquer problemas orçamentários. Diante das despesas sazonais de fim de ano (décimo terceiro salário, gratificação de férias) tais empresas não hesitam em empregar essa resposta com ainda mais intensidade. Como muitos trabalhadores já têm por certo, estes são meses de atrasos”. 

No caso da esfera pública, o Dieese ressalta que, a partir de março, vem à tona a luta pelo piso nacional dos professores, especialmente no âmbito municipal. 

O estudo lembra que portaria do Ministério da Educação, de janeiro de 2023, estabelece que nenhum professor da rede básica pública pode receber, por uma jornada de 40 horas, um valor inferior a R$ 4.420,55. No entanto, lembra, “em especial nos governos municipais, há relutância em aceitar a legalidade do novo piso”. 

O Dieese destaca, ainda, que o primeiro semestre de 2023 concentra também as mobilizações da enfermagem pela implementação do piso da categoria. “Em duas grandes paralisações nacionais, em fevereiro e março, o protesto foi dirigido contra a judicialização, a pedido de entidades patronais, da lei aprovada no Congresso Nacional”, pontua. 

De acordo com o levantamento, as greves do primeiro semestre de 2023 “poderiam ser descritas, sucessivamente, em três momentos: inicialmente, na esfera privada, pelo pagamento de salários em atraso; depois, entre profissionais docentes do funcionalismo público, pelo pagamento do reajuste do piso salarial; e, por fim, entre o funcionalismo público, em sentido amplo, pelo pagamento de reajustes salariais com reposição da inflação acumulada”. 

No caso do segundo semestre, predominaram as greves de trabalhadores do setor privado, mais focadas na questão dos reajustes sobre a dos atrasos salariais. 

Depois, em agosto e setembro, o funcionalismo público volta a ocupar com força o campo dos conflitos trabalhistas com suas exigências de reposição inflacionária nos salários. 

E de outubro a dezembro, “as greves dos trabalhadores da esfera privada voltam a predominar sobre as mobilizações das outras categorias – com uma pauta que, mês após mês, concentra-se nas questões de irregularidades no pagamento dos vencimentos”.

Quando o assunto é a pauta das greves, o Dieese registra que as dos trabalhadores da esfera privada foi a mais simples: basicamente defensiva (83%); o caráter propositivo aí se encontra em sua menor participação (31%). 

Nesse segmento, predominam as greves contra o descumprimento de direitos (63%) – “o que pode ser explicado, basicamente, pelo atraso no pagamento dos vencimentos (salários, 13º, férias) e pelas irregularidades no repasse do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço – FGTS – e no pagamento das verbas rescisórias aos funcionários demitidos”, diz o Dieese. 

Além disso, argumenta, “a reivindicação pela regularização dos salários tem uma impressionante participação de 46% na pauta grevista. Essa demanda está ausente entre os trabalhadores das empresas estatais e, no funcionalismo público, foi mencionada em apenas 4% das greves”. 

Já no caso do funcionalismo, a natureza das pautas foi mais complexa. “Bastante defensiva (75%), cerca de dois terços das greves desses trabalhadores trouxe também itens propositivos (65%) e um terço delas, itens de protesto (33%)”, apontou. 

O estudo destaca, por fim, que “a flexibilização forçada que a pandemia inaugurou/acentuou em muitas organizações – e mesmo no conjunto das atividades econômicas – passou a ser utilizada sistematicamente como um meio eficaz de precarização do trabalho”.

E completa: “É verdade que essa possibilidade de avanço da precarização já estava dada antes de 2020, com as mudanças na legislação trabalhista. Mas ocorre como se, precisamente nas condições de turbulências dos anos recentes, houvesse sido descoberta uma ocasião oportuna para a realização, em larga escala, de um experimento de ampliação de terceirizações, de vínculos precários e de privatizações”. 

(PL)