Policiais prendem estudantes e a chefe do Departamento de Filosofia da Univ. de Emory, Noelle McAfee | Foto: Elijah Nouvelage/AFP

Com os protestos nas universidades dos EUA completando 15 dias, já passa de 2.500 o total de manifestantes antigenocídio presos pela onda de repressão desencadeada sob orientação do presidente Biden, no que só pode ser descrito como cumplicidade com os crimes em Gaza perpetrados há seis meses pelo governo fascista de Netanyahu/Smootrich/Gvir, aliás, sob investigação da Corte Internacional de Justiça por genocídio, o ‘crime dos crimes’, segundo Nuremberg. Além, claro, de escandalosa violação da liberdade de expressão, da “1ª Emenda”.

Os atuais protestos antigenocídio nas universidades dos EUA já são os maiores desde a Guerra do Vietnã e contra eles o establishment norte-americano lançou suas tropas de choque, de Nova York à Califórnia, passando pelo Texas, para remover violentamente as pessoas que acampavam exigindo o fim da carnificina em Gaza e o fim da cumplicidade de Washington com os crimes de Netanyahu, além do assim chamado ‘desinvestimento’ das universidades nas empresas com vínculos com o genocídio e o apartheid.

Nos últimos dias, a investida contra os acampamentos antigenocídio tornou-se mais feroz e disseminada, após Biden acusar de “antissemitas” os denunciantes do morticínio perpetrado por Israel à vista do mundo há seis meses.

Algumas cenas se tornaram icônicas: a chefe do departamento de Filosofia da Universidade de Emory derrubada por um policial, presa e processada por ‘agressão’ a ele; a candidata a presidente pelo Partido Verde, Jill Stein, de 73 anos e judia, que teve 1,5 milhão de votos em 2016, presa por se solidarizar com os estudantes; fieiras de estudantes, com algemas de plástico, levados para ônibus a caminho da prisão; gás lacrimogêneo se espalhando campus após campus; alunos espancados no Texas; atiradores de elite nos telhados dos prédios da Universidade Estadual de Ohio; e pelo menos cinco pessoas atingidas na cabeça com balas de borracha durante o assalto à UCLA (Los Angeles).

Também as bandeiras palestinas ondeando de costa a costa dos EUA e centenas de estudantes usando os Keffiyeh; a placa de ‘Hind Hall’, na Universidade de Colúmbia, no que já foi o ‘Mandela Hall’ e o ‘Malcom-X Hall’; as faixas de “pare o genocídio” e de “nunca mais, para todos”. As comemorações da Páscoa Judaica nos acampamentos e as orações islâmicas também.

Atos infames: agentes do Departamento de Polícia de Los Angeles que atiraram no rosto e no peito dos manifestantes com balas de borracha, enviando vários para o hospital, segundo o Los Angeles Times. Um manifestante disse nas redes sociais que recebeu 11 grampos e 4 pontos na cabeça depois que a polícia disparou contra ele. Em Nova York, policiais do NYPD foram fotografados atirando um estudante escadas abaixo.

Segundo The Appeal, apenas em Nova York foram presos pelo menos 592 manifestantes – cerca de um quarto do total nacional. Na UCLA, em Los Angeles, foram cerca de 209 manifestantes antigenocídio.  O maior número de prisões foi no dia 30 de abril: 400.

Prisões em massa também em Dartmouth (90) e muitas outras universidades. Entre os presos há centenas de judeus. No Brooklyn, na semana passada, 300 membros da Voz Judaica pela Paz foram presos quando participavam de um protesto em frente à casa do líder da maioria no Senado, Chuck Schumer.

De acordo com o Boston Globe, a professora de história de Dartmouth e presidente de Estudos Judaicos, Annelise Orleck, foi jogada no chão e presa depois de supostamente gritar com os policiais. Posteriormente, ela foi banida do campus, onde leciona há mais de três décadas, por tentar defender os manifestantes estudantis.

Apesar de protestarem pacificamente, estudantes em todo o país ainda enfrentam graves consequências, incluindo possíveis suspensões, despejos, expulsões e processos criminais. Entre 83 promotores diferentes aos quais caberá a decisão, de 36 que responderam a The Appeal, apenas dois disseram que não pretendiam indiciar manifestantes.

“Este escritório não está interessado em processar pessoas por exercerem seus direitos da Primeira Emenda”, afirmou um porta-voz de Sam Bregman, promotor do condado de Bernalillo, Novo México.

Imagine-se se fosse a Rússia ou a China que estivesse prendendo estudantes a rodo e invadindo universidades no país inteiro a gritaria que não seria, e a denúncia veemente da Casa Branca da “violação da liberdade de expressão”.

A truculência desencadeada nos EUA contra manifestantes pacíficos é a outra face do isolamento dos genocidas e seus cúmplices no mundo inteiro – e vã tentativa de desviar o foco do mundo do repúdio ao genocídio para essa cínica “ação contra o ‘antisssemitismo’”. Ainda pior quando Netanyahu ameaça estender a Rafah seu genocídio, para onde ele empurrou mais de 1 milhão de civis desamparados.  

Uma farsa: um governo que não consegue ver que há um genocídio em Gaza, apesar de 34 mil mortos, 80 mil feridos e 70% de destruição das casas e infraestrutura, mas consegue descobrir “incidentes abomináveis” de “antissemitismo” em um movimento, em grande e louvável parte, impulsionado pelas comunidades judaicas norte-americanas que dizem “não em nosso nome” e “nunca mais é para todos”.

Segundo Hadas Thier, do The Nation, um manifestante judeu que participou do acampamento no MIT, disse que o único momento em que se sentiu ameaçado foi quando um bate-pau pró-Israel lhe disse que “Deus cometeu um erro ao fazer você nascer judeu”. No assédio dos fanáticos pró-Netanyahu na UCLA, segundo testemunhos, os opositores do genocídio foram ameaçados com uma “segunda Nakba”. A propósito, nenhum desses provocadores que assediou o acampamento pacífico na UCLA, com porretes, spray de urso e rojões, foi preso.

Assim, ao classificar os protestos pacíficos como “violentos”, Biden busca proteger os verdadeiros perpetradores da violência: o sanguinário regime de Netanyahu. E enquanto o chefe da Casa Branca diz que a violência “não tem lugar” nos campi universitários, seu governo permitiu que Israel destruísse todas as universidades de Gaza e matasse centenas de educadores e estudantes  palestinos.

Como apontou o senador Bernie Sanders, possivelmente o mais importante político judeu-norte-americano na atualidade, chamando as alegações de Netanyahu de que os acampamentos estudantis eram “antissemitas” de “insulto à inteligência do povo americano” e uma “distração” dos crimes “desse governo racista e extremista”.

“Não, Mr. Netanyahu, não é antissemita ou pró-Hamas apontar que, em pouco mais de seis meses, seu governo extremista matou mais de 34 mil palestinos e feriu mais de 78 mil, 70% dos quais eram mulheres e crianças”.

Possivelmente nada torne mais evidente que esse suposto “combate ao antissemitismo” de Biden é uma fraude para encobrir os genocidas encastelados em Tel Aviv, do que o tratamento a que a candidata a presidente Stein, judia, foi submetida no sábado (27), na Universidade de Washington, em St. Louis. Aos 73 anos, ela foi imprensada por um policial empunhando uma bicicleta quando resistia,  junto com os estudantes do acampamento antigenocídio, à investida da polícia na universidade. Foram mais de 100 presos.

Stein, que enfrenta as acusações absurdas de invasão e agressão a um policial, passou seis horas na prisão antes de ser libertada. Dependendo do grau da acusação de agressão, ela pode enfrentar entre 15 dias de prisão e até 7 anos de prisão.

“Hoje estou com as costelas muito doloridas, vou ao pronto-socorro para ver se tenho uma fratura nas costelas porque eles estavam usando suas bicicletas como arma”, disse Stein ao NewsNation Prime no domingo. “Basicamente batendo as alças da bicicleta em nossos peitos e na minha caixa torácica e tentando nos derrubar. Eu saí daquela agressão e fui informado pelo policial que eu o estava agredindo, o que é absolutamente ridículo.”

No dia seguinte ao assalto da tropa de choque à UCLA, centenas de manifestantes permaneciam no campus na manhã de quinta-feira. Perto do local do acampamento desmantelado, um grande contingente de manifestantes encarou uma fieira de policiais, gritando: “Por que você foi convidado para cá? Aqui não tem tumulto!”. Na prática, o campus está sob virtual lei marcial.

Na Universidade de Columbia e no City College, no dia seguinte dos ataques aos acampamentos, como relatou o The Nation, centenas de pessoas se reuniram na Police Plaza 1 em solidariedade aos estudantes presos. “Outras centenas protestaram nos portões da Columbia, liderados pelos professores e funcionários da Colúmbia e do Barnard College, com cartazes ‘Professores da UC/BC dizem não à guerra aos alunos’. Milhares de pessoas protestaram na Foley Square. E mais chegaram aos portões do City College.” A polícia continuará ocupando o campus até pelo menos o dia 17.

Os acampamentos antigenocídio também começam a se multiplicar no mundo inteiro: Canadá, França, Austrália, Alemanha, Espanha, México, Reino Unido.

Também se ampliam nos EUA as vozes contra o genocídio e contra a repressão aos que denunciam o genocídio. O presidente do Sindicato dos Trabalhadores nas Montadoras (UAW, metalúrgicos), Shawn Fain, no 1º de Maio afirmou que “nosso sindicato pede um cessar-fogo há seis meses. Esta guerra está errada e esta resposta contra estudantes e trabalhadores acadêmicos, muitos deles membros da UAW, está errada. Pedimos aos poderes constituídos que libertem os estudantes e funcionários que foram presos e, se não podem aturar o clamor, parem de apoiar esta guerra.”

Assim, parece que a aposta de Biden na cumplicidade não vai funcionar.

A Câmara dos EUA acaba de aprovar um projeto para tornar ilegal protestar contra o genocídio e contra o apartheid perpetrados pelo governo Netanyahu. Equiparar o judaísmo ao Estado de Israel torna possível rotular toda oposição como antissemita, como registrou The Nation. Como se sabe, foi entre os próprios judeus que o antissionismo nasceu primeiro, e é entre eles que estão suas raízes mais profundas. Além disso, jamais foi tão forte e amplo no mundo o clamor pelo Estado Palestino.

A principal entidade norte-americana de defesa dos direitos, ACLU (União Americana pelas Liberdades Civis) em carta aos parlamentares afirmou que “a lei federal já proíbe a discriminação antissemita e o assédio por entidades financiadas pelo governo federal”. A entidade advertiu que a lei “iria arrefecer a liberdade de expressão dos estudantes nos campi universitários, ao equiparar incorretamente as críticas ao governo israelense ao antissemitismo”.

O projeto macartista tardio contou com o respaldo de Biden e de Trump – este, aliás, considerou uma “coisa linda” o assalto à UCLA. Talvez a novidade haja sido a oposição de 25% dos deputados, 40% no caso dos democratas.

Fonte: Papiro