Embaixada iraniana em Damasco após criminoso ataque israelense | Foto: Maher Al Mounes/AFP

Réu na Corte Internacional de Justiça de Haia por perpetrar genocídio em Gaza e flagrado em repetidos crimes de guerra e contra a humanidade nos últimos sete meses, o regime Netanyahu tentou posar de vítima no domingo (15), apelando ao Conselho de Segurança da ONU para “punir” o Irã pela resposta que este deu ao bombardeio de Israel à embaixada iraniana em Damasco de 1º de abril. A resposta veio com 300 drones e mísseis em uma ação telegrafada por Teerã com três dias de antecedência, realizado na noite de sábado para domingo, e sem vítimas fatais.

Isolado internacionalmente por encabeçar o primeiro genocídio da história transmitido ao vivo e com Israel rapidamente percebido como um Estado pária, Netanyahu recorreu à provocação contra o Irã, com o bombardeio da embaixada do país na Síria, em violação descarada das convenções de Viena e de Genebra, na expectativa de atrair Washington para entrar diretamente na guerra, visando abafar a repulsa no mundo inteiro à carnificina de mulheres e crianças palestinas e ao bloqueio da ajuda humanitária a Gaza.

Como é público e notório, Netanyahu só segue primeiro-ministro israelense enquanto houver guerra, ao mesmo tempo em que estão de volta as manifestações por sua renúncia e antecipação das eleições, que se somam aos protestos por um acordo que devolva os reféns às suas famílias.

RÚSSIA EXECRA HIPOCRISIA

O embaixador russo na ONU, Vasily Nebenzia, afirmou que ataque do Irã a Israel não aconteceu no vazio – foi uma resposta à vergonhosa inação do Conselho de Segurança da ONU, sublinhou o embaixador russo. Ele chamou a reunião de emergência do Conselho de Segurança de “desfile de hipocrisia e dois pesos e duas medidas”.

“É uma pena que, ao contrário da reunião de hoje, vocês não tenham se adiantado para convocar o Conselho em 2 de abril, quando foi convocada uma sessão urgente por iniciativa russa para discutir o ataque israelense ao consulado iraniano em Damasco”, invioláveis segundo a lei internacional.

 “Para vocês (acrescentou o representante russo, referindo-se aos israelenses, norte-americanos e satélites), tudo o que diz respeito às missões diplomáticas ocidentais e aos cidadãos ocidentais é sagrado e deve ser protegido, mas quando se trata de outros Estados, seus direitos, incluindo o direito à autodefesa, e seus cidadãos, ‘isso é outra questão’, como vocês gostam de dizer”, acrescentou Nebenzya.

Ele lembrou aos embaixadores dos EUA, Reino Unido e França que foram eles que se recusaram a condenar Israel pelo ataque à embaixada iraniana na Síria. “Mas, precisamente este ataque, que, segundo os padrões internacionais, é um “casus belli”, é razão para declarar guerra, que provocou a retaliação do Irã”, apontou Nebenzya.

“O que aconteceu na noite de 14 de abril não aconteceu ‘no vácuo’. As medidas do Irã foram uma resposta à vergonhosa inação do Conselho de Segurança das Nações Unidas [e] uma resposta ao ataque flagrante de Israel a Damasco, de forma alguma o primeiro. A Síria está constantemente sendo bombardeada por Israel”, disse Nebenzia.

O embaixador russo também se referiu ao “óbvio desrespeito” demonstrado por Israel “a todos vocês que estão aqui nos assentos dos membros, e um completo desrespeito às decisões tomadas pelo Conselho de Segurança”.

Concluindo, Nebanzia disse que a Rússia pede “contenção” a todos os lados envolvidos. Ele exortou Israel a seguir o exemplo do Irã, que disse não querer uma nova escalada. “Observamos o sinal de relutância de Teerã em escalar ainda mais as hostilidades com Israel. Instamos Jerusalém Ocidental a seguir seu exemplo e abandonar a prática de ações provocativas e contundentes no Oriente Médio, repleto de riscos e consequências extremamente perigosos na escala de toda a região, já desestabilizada como resultado da escalada do confronto palestino-israelense”.

Com o apoio da Rússia e da China, a encenação de que o Estado genocida é que era a “vítima” não passou, como tentaram os países cúmplices, no CS.

CHINA PEDE MÁXIMA CONTENÇÃO

“Se as chamas do conflito de Gaza continuarem a grassar, então o contágio adverso deve se espalhar ainda mais, tornando a região ainda mais instável”, disse o embaixador da China na ONU, Dai Bing, pedindo às partes relevantes que exerçam “a máxima calma e contenção”.

“Também observamos que o Irã afirmou que sua ação militar foi em resposta à agressão de Israel contra suas instalações diplomáticas e o assunto pode ser considerado concluído”, acrescentou.

Por sua vez, o secretário-geral da ONU, Antonio Guterres, chamou a “desarmar e desescalar”, enfatizando que “nem a região nem o mundo podem se dar ao luxo de mais guerra”. “É hora de sair da beira do abismo”, declarou.

Como afirmou ao CS o embaixador do Irã, Amir Saeid Iravani, a ação de seu país contra Israel foi “necessária e proporcional” e feita consoante o artigo 51 da Carta da ONU, que assegura o direito de defesa, ainda mais em um caso tão extremo como o bombardeio de embaixada.

Ele advertiu que o CS da ONU “falhou em seu dever de manter a paz e a segurança internacionais” por não ter condenado o bombardeio israelense à missão diplomática iraniana na Síria – o que se deveu ao veto dos EUA, Reino Unido e França.

Teerã “não teve escolha”, afirmou Iravani, a não ser responder, acrescentando que seu país “não busca escalada ou guerra”, mas responderá a qualquer “ameaça ou agressão”.

“É hora de o Conselho de Segurança assumir sua responsabilidade e abordar a ameaça real à paz e à segurança internacionais”, disse o embaixador iraniano instando o organismo da ONU a “tomar medidas urgentes e punitivas para obrigar este regime [Israel] a parar um genocídio contra o povo de Gaza”.

MAIS APELOS À DESESCALADA

Governos como os da França e do Reino Unido reiteraram que iriam procurar demover Israel de nova provocação contra o Irã, embora ressaltando seu endosso a qualquer crime que Tel Aviv se disponha a cometer.

A China, que tem emergido como uma das principais mediadoras no Oriente Médio, através de seu enviado especial para a região, Zhai Jun, se reuniu com o embaixador de Israel em Pequim, Irit Ben-Abba Vitale, exortando pela desescalada.

Segundo a Xinhua, Zhai disse que a China acredita que o derramamento de sangue no conflito não serve aos interesses de nenhuma parte e que é preciso “máxima calma e contenção”.

A prioridade imediata – ele apontou – é alcançar um cessar-fogo já na Faixa de Gaza, garantir assistência humanitária, libertar todos os indivíduos detidos o mais rápido possível e alcançar uma solução política para a questão palestina baseada na solução de dois Estados, permitindo que Israel e Palestina coexistam pacificamente.

De acordo com a Associated Press, o porta-voz do Conselho de Segurança Nacional dos EUA, John Kirby, se recusou a dizer na segunda-feira se os EUA foram ou esperam ser informados sobre quaisquer planos de resposta israelenses. “Vamos deixar os israelenses falarem sobre isso”, disse.

“Não estamos envolvidos em seu processo de tomada de decisão sobre uma potencial resposta”, ele acrescentou. Por sua vez, o secretário de Estado americano, Antony Blinken, disse que os EUA não buscam uma escalada, mas continuarão a apoiar a segurança de Israel.

Enquanto o gabinete de guerra de Netanyahu parece encantado com o conto dos “99%” dos mísseis e drones iranianos abatidos, o líder oposicionista israelense Yair Lapid, afirmou que a dissuasão israelense foi “destruída” e classificou o atual primeiro-ministro como uma “ameaça existencial” a Israel. Ele esteve em Washington para consultas com o governo Biden.

Analistas observaram que o ataque iraniano foi cuidadosamente calibrado para não provocar uma escalada imparável no Oriente Médio, com requintes como avisar aos países vizinhos com 72 horas de antecedência que o ataque estava vindo e inclusive causando a maior parada de voos desde o 11 de Setembro.

É sabido que o Irã usou apenas uma quantidade muito pequena dos recursos de que dispõe, mas o recado de que a suposta invulnerabilidade de Israel acabou está dado, como percebeu o líder oposicionista israelense.

Aliás, foi preciso que os EUA, o Reino Unido e a França usassem todos os mecanismos disponíveis na região para que fosse possível a Israel alardear os tais “99%”. Mas os buracos na pista da base aérea do Negev estão lá.

O Irã também avisou que, daqui pra frente, quando for atacado por Israel, o troco vai vir. Essa foi a primeira vez, depois de incontáveis provocações israelenses, que Teerã responde diretamente.

Provocações de Israel à parte, com o total de mortos palestinos ultrapassando os 35 mil e com uma em cada três crianças no norte de Gaza já sob desnutrição, é preciso abrir os caminhos para salvar Rafah da insânia de Netanyahu e para arrancar o cessar-fogo, a entrada desimpedida da ajuda humanitária e a troca de presos.

Quanto a esse momento de euforia com o suposto desempenho do sistema antiaéreo israelense, segundo um ex-diplomata israelense ouvido pela Al Jazeera, Alon Liel, há que ser aproveitado para “ajudar a terminar a guerra em Gaza”. “Voltar para Rafah vai abrir tudo de novo e complicar ainda mais a situação. Muito difícil para Israel fazê-lo sem o apoio americano”, ele advertiu.

Fonte: Papiro