Manifestantes diante da sede da polícia de Chicago exigem punição aos assassinos de Dexter Reed | Vídeo

Um jovem negro de Chicago, de 26 anos, morreu depois que policiais atiraram quase 100 vezes contra ele durante uma abordagem no trânsito por falta de uso de cinto de segurança. O caso – que ocorreu em 21 de março – ganhou repercussão depois que imagens das câmeras corporais dos agentes foram divulgadas nesta semana pelo Escritório Civil de Responsabilidade Policial (COPA, na sigla em inglês).

O executado foi Dexter Reed, de 26 anos, no bairro de Humboldt Park, no lado oeste de Chicago, com as imagens das câmeras mostrando os policiais, à paisana, abordando-o já com armas sacadas, em razão de uma denúncia de não uso de cinto de segurança, e em 41 segundos ele foi baleado 96 vezes, enquanto um policial teria sofrido um ferimento a bala no pulso mas, conforme a corporação, “passa bem”.

A família de Reed liderou um protesto de 100 ou mais pessoas em frente à sede do 11º Distrito policial na noite de terça-feira (9) para exigir a responsabilização dos policiais envolvidos e a dissolução das equipes táticas.

A irmã de Reed, Porsha Banks, falou de seu irmão como uma pessoa gentil que amava sua família e o basquete. Reed levou a equipe de basquete Westinghouse College Prep a um campeonato em 2016.

“ISSO É UM ASSASSINATO”

Os familiares de Reed e seus advogados disseram que não conseguem entender por que os policiais – vários dos quais estavam vestindo roupas simples com seus coletes táticos – cercaram o carro do jovem portando armas.

“Dexter foi parado por não usar o cinto de segurança. Agora, isto deixa muitas, muitas perguntas,” disse o advogado Steven Hart. “Por que os policiais saíram de um carro da polícia sem identificação com suas armas em punho por uma simples violação de trânsito por não usar cinto de segurança?”

O tio de Reed, Roosevelt Banks, disse que entraria em pânico nesse cenário. “Se eu estivesse nessa situação, eu ficaria aterrorizado. Eu não saberia como… reagir para além de me proteger,” disse Banks depois de ver as imagens da polícia.

“Depois que ele foi baleado… você recarrega a sua arma? Isso não é nada além de um assassinato para mim.”

A indignação de Banks se deve à revelação, pela própria polícia, de que policiais chegaram a recarregar a arma para continuar atirando e disparam quando Dexter já estava caído fora do carro, e que tudo durou 41 segundos.  Três dos cinco recarregaram as armas.

Depois de fuzilado com 96 tiros, Reed foi declarado morto no hospital.

O QUE MOSTRA AS CÂMERAS CORPORAIS

No relato da CNN, em um vídeo, um oficial vestindo uma jaqueta com capuz, um boné de beisebol e um colete com um distintivo se aproxima do motorista de um veículo branco com janelas escuras e ordena que abaixe o vidro. O motorista inicialmente abriu a janela, mas muda de ideia e fecha novamente.

“O que você está fazendo?”, “não feche a janela, não feche a janela!”. A oficial puxa a maçaneta da porta do motorista – que parece estar trancada – e então saca uma arma. ‘Destranque as portas agora! Destranque as portas agora!’, a oficial grita, ao mesmo tempo que outro oficial grita as mesmas exigências. O motorista diz: ‘Estou tentando’”.

Segundos depois, um tiroteio começa e dezenas de tiros são ouvidos. “Outros vídeos mostram pelo menos dois outros policiais atirando contra o jovem, outro lado da rua, no bairro residencial. Ambos os oficiais pararam para recarregar suas armas”.

Após a sucessão de tiros terminar, o corpo de Reed é encontrado caído de bruços perto do veículo, após ter saído, cambaleado e desabado no solo.

Em um dos vídeos, um policial se justifica: “ele começou a atirar em nós”. Um minuto depois, um policial examina o carro do jovem com uma lanterna e diz que “a arma está bem ali”.

Os policiais envolvidos na execução foram identificados: a equipe tática do 11º Distrito, Alexandra Giampapa, Victor Pacheco, Thomas Spanos, Aubrey Webb e Gregory Saint Louis

Na descrição do Escritório Civil de Responsabilidade Policial de Chicago, que investiga todos os tiroteios em que policiais se envolvem, “relatórios preliminares indicam que a abordagem começou quando cinco policiais de Chicago designaram uma unidade tática do 11º Distrito para um caso de violação do uso de cinto de segurança”.

“Ao parar o Sr. Reed, vários oficiais cercaram seu veículo enquanto davam ordens verbais. Quando o Sr. Reed não cumpriu com esses comandos, os oficiais apontaram suas armas de fogo para ele e, finalmente, houve uma troca de tiros que deixou o Sr. Reed morto e um oficial baleado no antebraço”, disse o escritório.

“A revisão das imagens e relatórios iniciais indicam que o Sr. Reed disparou primeiro, golpeando o oficial e quatro policiais responderam a ação”, afirmou o escritório. A CNN registrou não poder confirmar quem disparou primeiro com base nas imagens divulgadas.

“As evidências preliminares disponíveis também confirmam que os policiais dispararam aproximadamente 96 vezes em um período de 41 segundos, inclusive depois que o Sr. Reed saiu de seu veículo e caiu no chão”, disseram as autoridades.

HOSTILIDADE À VIDA E AOS DIREITOS DOS CIDADÃOS

Segundo as autoridades de Chicago, que é a terceira maior cidade dos Estados Unidos, anunciaram que suas agências irão investigar se a ação dos policiais foi “justificada”.

Não está claro se algum dos policiais envolvidos no tiroteio enfrentará acusações criminais, disse o procurador estadual do Condado de Cook, Kim Foxx. “Será nosso trabalho, com base na totalidade das evidências, determinar se o uso da força neste caso estava além da permitida pela lei”, ele acrescentou.

Como registrou Kristina Betinis, a violência extrema da polícia norte-americana revela “um nível extremo de hostilidade à vida e aos direitos de todos os cidadãos”, característico de um “exército de ocupação”. É sabido – ela destaca – que muitas forças policiais dos EUA, incluindo a de Chicago, recebem há décadas treinamento regular de “contraterrorismo” com as Forças de Defesa de Israel (IDF) e que as forças policiais recrutam fortemente veteranos das ocupações neocoloniais americanas do Iraque e do Afeganistão.

Na semana passada, em uma carta ao superintendente da polícia de Chicago, Larry Snelling, a administradora-chefe da COPA, Andrea Kersten, levantou questões sobre o que torna uma rotineira inspeção de uso de cinto de segurança numa tragédia, em que compartilhou “sérias preocupações sobre a capacidade dos policiais de avaliar o que é um uso necessário, razoável e proporcional da força letal”.

“O incidente durou mais de 40 segundos, dando a três dos quatro policiais tempo para recarregar suas armas de fogo. Isso deu aos policiais ampla oportunidade de reavaliar a situação.”

Uma nota de rodapé da carta também cita que o órgão de supervisão já tinha uma “investigação aberta sobre outra parada de trânsito envolvendo os mesmos cinco policiais que ocorreu menos de um mês antes deste incidente e supostamente também foi baseada em uma violação do cinto de segurança”. Este relatório  – observa Betinis – não está disponível no site da COPA.

A carta, que circulou a líderes políticos e religiosos na semana passada, bem antes da divulgação do vídeo, também pede que os policiais envolvidos sejam afastados do serviço ativo.

Não é a primeira execução extrajudicial cometida pela polícia de Chicago, e provavelmente não será a última. Em 20 de outubro de 2014, o policial Jason Van Dyke disparou 16 tiros em 15 segundos contra Laquan McDonald, de 16 anos, que estava de costas e indo embora na 40th Street, no lado sudoeste da cidade. A execução de McDonald na rua foi falsificada pela polícia e acobertada por autoridades da cidade, incluindo o então prefeito Rahm Emanuel, com o conselho da cidade de Chicago pagando à família do adolescente indenização de US$ 5 milhões.

A reincidência do racismo no policiamento nos Estados Unidos é de tal ordem que passou a existir um termo “racial profile” para designar esse tipo de ação, com as famílias tendo que ensinar aos garotos a como se comportarem para não serem a próxima vítima, enquanto – a não ser que o ocorrido cause enorme comoção, como no caso de George Floyd – os agentes se safam impunes.

Fonte: Papiro