Naledi Pandor, ministra das Relações Exteriores e Cooperação da África do Sul | Foto: AFP

“Diante da violência em Gaza, como sul-africanos, sentimos que isso vai além do que nós vivenciamos no apartheid. Claro que nós tivemos assassinato, tortura, mas nunca tivemos a destruição indiscriminada de uma comunidade, a intenção de causar fome, a intenção de negar água e energia. As ações recentes de hostilidade, a matança e a destruição de propriedade são, na nossa visão, muito piores do que nós vivenciamos”.

Com esta afirmação a ministra das Relações Exteriores e Cooperação da África do Sul, Naledi Pandor, denunciou, em visita ao Brasil, que os crescentes ataques das tropas israelenses à Faixa de Gaza criaram uma situação ainda pior do que o regime de segregação racial que imperou entre 1948 e 1994 na África do Sul graças ao apoio dos sucessivos governos dos Estados Unidos e de Israel.

Por terem sentido na pele barbáries e atrocidades durante o regime de apartheid, os sul-africanos são hoje uma das mais decididas críticas ao governo de Netanyahu, e apresentaram uma denúncia na Corte Internacional de Justiça em Haia acusando Israel do crime de “genocídio em Gaza”. “Os atos e omissões são de caráter genocida”, esclareceu, “pois são acompanhados da intenção específica requerida de destruir os palestinos de Gaza como parte do grupo nacional, racial e étnico mais amplo dos palestinos”.

“Os recentes acontecimentos em Gaza e a ocupação dos territórios palestinos [na Cisjordânia] são uma terrível mancha para a história da humanidade. Não pode ser que nós, como seres humanos, assistamos ao genocídio em curso em uma parte do mundo e que essas pessoas não tenham apoio para se defender”, avalia Pandor, parlamentar desde 1994 pelo Congresso Nacional Africano, partido de Nelson Mandela, e que comanda a diplomacia sul-africana desde 2019.

Infelizmente, reitera, “são muito semelhantes” as formas de como as pessoas negras foram tratadas na África do Sul durante o apartheid e os palestinos o são atualmente.

“É por isso que hoje muitas pessoas falam de um apartheid em Israel. A prática de separação e confinamento de um grupo de pessoas a um território específico; a exigência de autorizações, de não poder mover-se entre uma área e outra sem se submeter a controles de identificação por forças de segurança… nós tivemos todas essas experiências sob o apartheid, inclusive a mais significativa: a desapropriação de terras sem compensação. Então há muitas práticas que imitam o que a África do Sul viveu durante o apartheid”, condenou.

Cumprindo uma extensa agenda em Brasília nesta segunda (22) e terça-feira (23), a chanceler sul-africana deu uma aula para alunos diplomatas no Instituto Rio Branco, participou de um jantar na embaixada da Palestina; fez reuniões no Itamaraty e com o presidente Lula no Planalto, onde estreitou laços.

Questionada por um repórter da Folha de São Paulo sobre o direito de Israel à autodefesa, a ministra foi enfática: “Não entendo como você se defende contra a população que está sob sua ocupação. Pessoas sem controle de forças de segurança, acesso a armas ou garantia de liberdade. Como você se defende contra pessoas indefesas?”.

De acordo com a chanceler, “o país que realiza uma ocupação tem a responsabilidade de proteger aqueles que estão sob sua ocupação. Elas [as pessoas que vivem no território] não se convertem em inimigo como resultado da ocupação. Não uma criança de 13 anos, uma menina de 9 ou um recém-nascido”. “Quando você olha para a natureza da resposta, ela tem sido muito além do ataque cometido pelo Hamas”, esclareceu.

Ex-ministra de Educação Superior, Ciência e Tecnologia, Assuntos Internos e Educação da África do Sul, com mestrado em Educação pela Universidade de Londres e em Linguística na Universidade de Stellenbosch, além de doutorado pela Universidade de Pretoria, Pandor destacou a importância da vida e de suas lições.

“Uma das lições que normalmente as chamadas grandes potências transmitem aos africanos é que precisamos respeitar a democracia e os direitos humanos. Mas quando defendemos esses valores, repentinamente nos acusam de estarmos associados com organizações terroristas. Não conseguimos entender: por que é aceitável o povo palestino não desfrutar de liberdade enquanto outros valorizam a liberdade de forma tão forte? Espero que nossa posição em defesa da liberdade não afete nossas oportunidades econômicas. Porque isso significaria que não podemos praticar direitos humanos, que deveríamos adotar outra rota. Acho que não gostaríamos de ir nessa direção. Somos um país que ama a liberdade, a paz e que acredita que todos os seres humanos são iguais – e igualmente merecedores de direitos humanos”, sublinhou.

Fonte: Papiro