Mortes maternas saltaram 69% no Brasil nos dois primeiros anos da pandemia
Estudo liderado pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) revela que houve excesso de 69% nas mortes maternas no Brasil considerando a média dos dois primeiros anos da pandemia de Covid-19 — sendo 39% de aumento em 2020 e 100% em 2021.
Trata-se de mais uma dura constatação da irresponsabilidade e da omissão do governo de Jair Bolsonaro com a vida e a falta de investimento no Sistema Único de Saúde no período em que a população, em peso, mais necessitou dele.
Ainda que fossem esperadas perdas de vidas de grávidas ao longo da pandemia, os números excederam os prognósticos. Entre março de 2020 e fevereiro de 2022, foram notificadas 5.040 mortes maternas no Brasil, sendo 1.739 no Sudeste, 1.516 no Nordeste, 743 no Norte, 558 no Sul e 484 no Centro-Oeste.
De acordo com o epidemiologista Jesem Orellana, do Instituto Leônidas & Maria Deane (ILMD/Fiocruz Amazônia), um dos responsáveis pelo estudo, “não parece razoável duvidar dos impactos diretos da epidemia sobre a mortalidade por Covid-19 no Brasil, pois só nos dois primeiros anos foram contabilizadas cerca de 650 mil mortes pela doença, um número assustador e que comprova a negligência no seu enfrentamento”.
No entanto, acrescenta, “pouco se sabia sobre os efeitos indiretos da epidemia de Covid-19 e nosso estudo mostrou um grave impacto sobre as mortes maternas, forte o suficiente para comprometer as metas do Brasil relativas à Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável”.
A agenda, estabelecida pela Organização das Nações Unidas (ONU), busca, até 2030, reduzir a taxa de mortalidade materna global para menos de 70 mortes por 100 mil nascidos vivos. Como parte desse compromisso, o Ministério da Saúde havia assumido, em 2018, a meta de redução de 51,7%, o que corresponde a 30 mortes maternas por 100 mil nascidos vivos.
Falta de cuidado
De acordo com o estudo da Fiocruz, os “excessos substanciais na mortalidade materna estavam intimamente ligados às imensas dificuldades do sistema de saúde público no cuidado de mulheres grávidas e puérperas durante a pandemia”.
Os pesquisadores apontaram que houve “muitas barreiras ao acesso aos serviços obstétricos, tais como desigualdades raciais na prestação de serviços de cuidados maternos, cuidados pré-natais de má qualidade, recursos insuficientes para gerir cuidados de emergência e críticos e o colapso geral do sistema de saúde durante o período pandêmico”.
Ainda segundo estudo, o maior excesso de mortes maternas ocorreu de março a junho de 2021 entre mulheres de 20 a 34 anos e de 35 a 49 anos em quase todas as regiões, com comportamento explosivo no Sul (413%) e Centro-Oeste (400%) entre mulheres de 35 a 49 anos. “Isto coincidiu com o momento do pico de mortalidade devido à Covid-19 a nível nacional; no início de abril de 2021, cerca de 4.200 pessoas morreram da doença em um único dia”, aponta.
O documento afirma que os resultados colhidos sugerem que os efeitos indiretos da gestão falha da pandemia de Covid-19 “alteraram substancialmente os padrões de mortalidade materna no país, independentemente da região e da faixa etária”.
Segundo Orellana, “como estamos falando de mortes evitáveis, mediante o adequado acompanhamento da gestação e do parto, aumentos fortes e até explosivos como mostrados em nosso estudo, mostram o quão precário foi o gerenciamento da epidemia no Brasil e a urgente necessidade de aperfeiçoamento das políticas de saúde materno-infantil, sobretudo durante crises sanitária”.