A perda de efetivo para atendimentos de manutenção, após a privatização, tem sido apontada como o principal motivo para a Enel não conseguir restabelecer a energia em São Paulo, após os apagões. Foto: Paulo Pinto/ Agência Brasil

O ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, anunciou a abertura de um processo administrativo para investigar a concessionária de energia Enel. A medida visa a averiguar as falhas e transgressões da empresa em relação às suas obrigações contratuais e à prestação de serviços. O anúncio foi feito pelo ministro em seu perfil na rede social X, antigo Twitter.

Segundo o ministro, o processo será conduzido com rigor, garantindo a ampla defesa da empresa. Ele destacou que as investigações podem acarretar, inclusive, a caducidade da concessão. Silveira ressaltou o compromisso do governo em garantir à população a qualidade dos serviços de energia.

Marcos Hahn Calvete, químico com duas décadas de trabalho no Departamento Municipal de Água e Esgotos (DMAE) de Porto Alegre, compartilhou suas preocupações e análises sobre a atual situação do fornecimento de energia elétrica e saneamento básico no país. Em uma entrevista, ele abordou diversos aspectos, desde a viabilidade técnica até as questões políticas envolvidas.

“Eu acho improvável que a caducidade da concessão da Enel seja decretada do ponto de vista político e técnico. Considero que o movimento do governo em fazer denúncias é mais político do que técnico. No entanto, estamos testemunhando um aumento na pressão popular não apenas em São Paulo, mas em vários estados onde os serviços foram concedidos. A situação está muito ruim”, destacou Calvete.

A decisão do ministro ocorre após a condenação da Enel pela Justiça de São Paulo a indenizar clientes que ficaram sem energia por longos períodos durante um apagão decorrente das fortes chuvas na região metropolitana de São Paulo, em novembro de 2023.

O profissional da DMAE ressaltou a interdependência entre energia elétrica e saneamento, apontando que interrupções no fornecimento de energia podem comprometer o abastecimento de água. Ele mencionou normas estabelecidas pela Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica), que determinam um limite máximo de interrupção de 7 horas, mas observou que em muitos casos essa limitação tem sido ultrapassada, chegando a dias e até semanas. Ele citou os casos, no Rio Grande do Sul, envolvendo a CEEE Equatorial, que nao conseguiu restabelecer a energia, após duas semanas, em cidades como Cerrito, Pelotas e Jaguarão,

“Existem normas que eles estão descumprindo, e as multas com certeza são aplicáveis. No entanto, o processo para aplicação das multas e os recursos subsequentes tornam o processo bastante lento. Estamos falando de mais de um ano para romper com uma concessionária”, explicou Calvete.

Ele também mencionou ações civis públicas de ressarcimento movidas pelo Ministério Público, que têm sido mais eficazes e rápidas do que a aplicação de multas pela Aneel. “A justiça vai lá com muito mais celeridade, e as indenizações estão ficando cada vez mais vultuosas”, afirmou.

Em três casos, a empresa alegou que a interrupção foi provocada pelas chuvas, porém, os juízes decidiram que a Enel deve pagar danos morais no valor de R$ 5 mil pela demora em restabelecer o serviço.

Além das ações judiciais, a Enel foi multada em R$ 165,8 milhões pela (Aneel) devido ao mesmo apagão. Na ocasião, cerca de 2,1 milhões de pessoas ficaram sem luz, e o fornecimento de energia levou uma semana para ser normalizado.

Ao comentar sobre a privatização do saneamento no Rio Grande do Sul, Calvete expressou preocupação com os impactos na qualidade dos serviços. Ele relatou uma redução significativa no efetivo de funcionários da empresa estadual, destacando que isso já está comprometendo a prestação de serviços.

“Os relatos que temos são de um desligamento muito grande do efetivo, especialmente em áreas críticas, e isso já está começando a ter consequências, como rompimento de tubulações de alto calibre. O que está acontecendo? Na verdade, eles estão usando como subterfúgio a desculpa de que os eventos climáticos estão se tornando mais intensos e frequentes”, revelou.

De acordo com o auto de infração da Aneel, a Enel não prestou serviços de forma adequada, demorando para acionar equipes de manutenção após o temporal que comprometeu o abastecimento na capital paulista e arredores.

Calvete também levantou preocupações sobre a qualidade da mão de obra contratada pelas concessionárias privadas, mencionando casos de falta de capacitação e até mesmo de fraudes na obtenção de certificados. Ele acredita que metas e margens estabelecidas para distribuir lucros e dividendos podem estar pressionando todo tipo de manutenção, comprometendo ainda mais a qualidade dos serviços.

“É uma situação preocupante que requer atenção urgente das autoridades competentes para garantir a qualidade e a segurança dos serviços de energia elétrica e saneamento básico em todo o país”, concluiu Calvete.

Em nota, a Enel afirmou que já pagou parte das multas aplicadas pela Aneel e que tem cumprido as obrigações contratuais. A empresa ressaltou ainda que está implementando um plano estruturado de investimentos, incluindo o fortalecimento e modernização da rede, digitalização do sistema e ampliação dos canais de comunicação com os clientes.

A Enel informou que pretende investir US$ 3,647 bilhões (R$ 18 bilhões) no Brasil nos próximos dois anos, sendo aproximadamente 80% desse valor destinado à distribuição de energia.

(por Cezar Xavier)