Embaixadora dos EUA já vetou até resolução apoiada pelo Brasil pedindo “pausa humanitária” em Gaza | Foto: Reprodução

Enquanto o Conselho de Segurança da ONU se prepara para apreciar a resolução da Argélia, em nome dos países árabes, para reconhecimento da Palestina como Estado membro pleno, a embaixadora dos EUA na ONU, Linda Thomas-Greenfield, disse nesta quarta-feira (17) que “não vê” uma resolução recomendando que a Autoridade Palestina se torne um membro pleno da ONU ajudando a levar “a uma solução de dois Estados” para o conflito israelo-palestino.

“Não vemos que fazer uma resolução no Conselho de Segurança nos levará necessariamente a um lugar onde possamos encontrar uma solução de dois Estados no futuro”, disse Thomas-Greenfield.

A acintosa declaração foi feita numa conferência de imprensa em Seul, na Coreia do Sul, após ter sido questionada se os EUA estavam abertos a reconhecer o pedido da Autoridade Palestina para ser membro pleno da ONU.

A Palestina é observadora desde 1974 e desde 2012 tem o mesmo status do Estado do Vaticano. Em 1948, apesar de a ONU ter aprovado a criação de Israel ao lado de um Estado palestino, de fato apenas foi Israel que se impôs pela força das armas e do suporte ocidental; em 1967, após a Guerra dos Seis Dias, Israel ocupou à revelia do direito internacional Jerusalém Oriental, a Cisjordânia, Gaza e o Gola, mantendo sua ocupação até aqui, transcorridos 57 anos.

Thomas-Greenfield asseverou ainda que o presidente dos EUA, Joe Biden, apoia a solução de Dois estados e estaria trabalhando para implementá-la o “mais rápido possível”, o que já são 80 anos desde 1948 e 57 anos desde 1967.

Diz que “apoia”, mas só se Netanyahu ou eventual substituto também quiser. Em fevereiro, o Knesset aprovou um projeto apresentado pelo regime Netanyahu, por esmagadora maioria, proibindo o “reconhecimento unilateral” de um Estado Palestino.

Em meio ao genocídio em Gaza e aos pogroms na Cisjordânia, a ditadura israelense diz que não admite “ditames” e que o reconhecimento só negociado “livremente”, sem “pré-condições”, entre as “partes”. Um escárnio.

RESOLUÇÃO APRESENTADA PELA ARGÉLIA

A questão deverá ser debatida nesta quinta-feira (18) em uma reunião de nível ministerial do CS-ONU, com a Argélia, que representa o grupo dos países árabes, e é membro rotativo do órgão, tendo distribuído na terça-feira um projeto de resolução. O chanceler brasileiro Mauro Vieira vai defender reconhecimento da Palestina como membro pleno da ONU no Conselho de Segurança.

Um pedido para se tornar membro de pleno direito da ONU precisa ser aprovado pelo Conselho de Segurança, o que significa ter pelo menos ter 9 dos 15 votos e nenhum veto dos cinco membros permanentes – ou seja, os EUA podem barrar – e depois por pelo menos dois terços da Assembleia Geral de 193 membros.

137 países já reconhecem o Estado Palestino. Mais países já anunciaram a disposição de reconhecer o Estado Palestino, como a Espanha, Irlanda, Eslovênia e Bélgica.

Com o genocídio em curso em Gaza, ameaça de fome catastrófica e expulsão de 90% da população civil de suas casas, há um clamor no mundo inteiro para que haja, afinal, o reconhecimento pleno da Palestina como Estado.

ÁRABES APADRINHAM PEDIDO

Na terça-feira, o Grupo Árabe, sob a presidência da Arábia Saudita, expressou “seu apoio inabalável ao pedido do Estado da Palestina para a adesão plena às Nações Unidas”.

“Este é um passo há muito esperado que deveria ter sido dado não apenas em 2022, mas desde 1948”, diz o comunicado. [2002 é o ano em que a Arábia Saudita lançou sua Iniciativa, que oferecia o estabelecimento de relações de Israel pelos países árabes em troca da desocupação dos territórios ocupados em 1967, a chamada proposta de “paz por terra”, recusada por Tel Aviv até hoje].

O grupo pediu a “todos os membros do Conselho de Segurança” que votem a favor do projeto de resolução. “No mínimo, imploramos aos membros do Conselho que não obstruam essa iniciativa crítica”, claramente se dirigindo a Washington, Londres e Paris.

O comunicado disse ainda que a adesão à ONU “é um passo crucial na direção certa para uma resolução justa e duradoura da questão palestina, de acordo com o direito internacional e as resoluções relevantes da ONU”.

O grupo disse que é “mais do que tempo” de que o povo palestino “esteja plenamente capacitado para exercer todos os seus direitos legítimos no cenário global, como um passo importante para promover os direitos do povo palestino e a realização do consenso internacional sobre a solução de dois Estados nas linhas de 4 de junho de 1967”.

AINDA QUE TARDIA

Em 3 de abril, o secretário-geral da ONU, Antonio Guterres, enviou uma carta ao Conselho de Segurança da ONU pedindo a consideração do pedido da Palestina, apresentado pelo enviado palestino na ONU, Riyad Mansour, de adesão plena à ONU.

Em 8 de abril, o presidente do Conselho de Segurança da ONU encaminhou o pedido da Autoridade Palestina para se tornar membro pleno do organismo mundial ao seu comitê de admissão de novos membros.

“Esperamos sinceramente, depois de 12 anos desde que mudamos nosso status para um Estado observador, que o Conselho de Segurança se eleve a implementar o consenso global sobre a solução de dois Estados, admitindo o Estado da Palestina como membro pleno”, disse Mansour a repórteres após uma reunião realizada para considerar o pedido.

Foi em 1974 que o então líder da Organização pela Libertação da Palestina, Yasser Arafat, em uma cena histórica, dirigiu-se da ONU ao mundo – e aos israelenses – dizendo “Vim com um ramo de oliveira e um fuzil de revolucionário, não deixem que o ramo caia da minha mão”, abrindo um processo de reconhecimento internacional, que depois das Intifadas permitiria chegar aos Acordos de Oslo, inviabilizados pelo assassinato do outro signatário, Yitzak Rabin.

No lugar dos Dois Estados, desde então, cada vez mais se afirmou em Israel o fundamentalismo, apartheid e  limpeza étnica, resultante de distintas contribuições de Sharon, Begin, Kahame e Netanyahu, em última instância herdeiros da versão israelense do fascismo.

Recente artigo da revista Foreign Affairs registrou o “surpreendente” renascimento da ideia dos Dois Estados, tida em numerosos círculos ocidentais, depois dos Acordos de Abraão que Trump patrocinou, como definitivamente obsoleta.

Renascimento que é a resultante da “ofensiva do Tet” palestina de outubro e da percepção, pelo mundo, chocado com o genocídio transmitido ao vivo, de que Israel tornou-se um Estado Pária, desmascarando a cínica narrativa do “david” lutando contra o “golias” árabe, fabricada em 1967.

Fonte: Papiro