Empresa privatizada inglesa da água está à beira da falência e debate-se a reestatização
À beira da falência, com uma dívida de 14 bilhões de libras (R$ 88,2 bilhões) e em meio a uma lista imensa de “crimes ambientais”, a Thames Water, maior empresa britânica de água e esgotos, quer jogar o peso da sua crise sobre os ombros – os bolsos – dos consumidores. Sua proposta é continuar pagando confortavelmente os acionistas, enquanto aumenta as tarifas dos seus 16 milhões de clientes em Londres e no sudeste da Inglaterra.
Como se não bastasse a afronta, a Thames Water anunciou que não irá investir no controle do vazamento de esgoto, se recusando a participar de um plano de investimento de 180 milhões de libras (R$ 1,14 bilhão) para contribuir com a redução da poluição das águas inglesas. Desde 2020, apenas no rio Tâmisa, que banha Oxford e Londres e desagua no mar do Norte, a empresa despejou pelo menos 72 bilhões de litros de esgoto. O governo disse que a quantia será aplicada emergencialmente nos próximos 12 meses por seis empresas para evitar mais de 8 mil extravasões de esgoto bruto.
O prefeito de Londres, Sadiq Khan, criticou a empresa por seu envolvimento em vazamentos cloacais que fizeram com que a capital perdesse seu último rio “saudável e limpo”. Levantamentos da Prefeitura mostram que os casos de esgoto fluindo para os rios da capital entre abril e dezembro de 2023 foram quase cinco vezes maiores do que no mesmo período do ano anterior.
DESCALABRO SOCIAL E AMBIENTAL
Diante da situação de descalabro social e ambiental, Sarah Olney, do Partido Liberal Democrata, propôs ao Parlamento britânico que discuta a reestatização da Thames Water. A parlamentar denunciou que além de fazer lobby para aumentar as suas contas em 40% até 2030, a empresa quer adiar investimentos necessários e ver reduzidas as multas pelas inumeráveis infrações que cometeu. Na maior desfaçatez, a gigante privada do saneamento ainda pediu autorização para continuar pagando dividendos astronômicos aos seus acionistas.
Para a deputada liberal Munira Wilson, “a Thames Water está envenenando os rios enquanto o governo fica de braços cruzados”. O fato, observou, é que “essas empresas de água estão cometendo crimes ambientais, destruindo nossos rios e habitats de vida selvagem, ao mesmo tempo em que embolsam somas de dinheiro exorbitantes”. “Com quase todos os monitores de esgoto incapazes de medir os litros de esgoto descartados, este número provavelmente chegará aos trilhões. As empresas de água estão instalando monitores que simplesmente não estão à altura do trabalho e escondem os verdadeiros horrores de seus hábitos imundos de esgoto”, protestou.
Segundo o próprio Financial Times, por meio de mecanismos pouco convencionais, a empresa busca evitar uma intervenção do governo, na qual sua direção seria assumida por administradores especiais nomeados pelo judiciário.
De acordo com o levantamento do banco de dados Public Futures (publicfutures.org), coordenado pelo Instituto Transnacional (TNI), na Holanda, e pela Universidade de Glasgow, já somam 1.609 as reestatizações de serviços públicos ao redor do mundo, incluindo os de distribuição de água, entre os anos 2000 e 2023. Estudos apontam que essas reversões vêm sendo motivadas por problemas reincidentes em experiências de privatização e parcerias público-privadas (PPPs), como tarifas abusivas e investimentos insuficientes.
Entre os exemplos exitosos está a reestatização do fornecimento de Setúbal, em Portugal, onde as tarifas caíram 60% na tarifa social e 20% na geral. Na contramão vem Paris, com a privatização alavancando as tarifas em 174%, e em Berlim, com 24%.
Em dezembro passado, a controladora da Thames Water, Kemble Water Holdings, foi notificada pelos seus auditores que poderia sofrer um colapso de caixa se os acionistas não injetassem mais recursos. Diante da gravidade da situação, consultores foram acionados para uma injeção de capital antes do vencimento de uma dívida de 190 milhões de libras no final de abril.
Ao mesmo tempo em que comunica a falta de investimento na infraestrutura e nos serviços, a Thames Water assume ter pago um volume astronômico de dividendos aos seus acionistas, montante que atingiu 7,2 bilhões de libras (R$ 45,3 bilhões) de 1990 a 2023. O valor corresponde a mais de 50% da dívida da empresa.
Fonte: Papiro