Chade se soma a outros países africanos e exige a retirada de tropas dos EUA
O Chade – um país do norte da África que faz fronteira com Líbia, Sudão, Camarões, Níger e Nigéria – pediu às tropas norte-americanas – um contingente estimado em 100 soldados – que interrompessem as atividades em uma base aérea perto da capital N’Djamena, segundo informam RT, CNN e Blomberg.
Nos últimos dois anos, o que foi visto como o renascimento do sentimento anticolonialista no norte da África, sucessivos levantes cívico-militares em Burkina Faso, Mali e Níger levaram ao rompimento da subordinação à França, à retirada de tropas francesas e norte-americanas e a uma aproximação com a Rússia, em uma reedição dos vínculos entre a luta de libertação nacional na África e o destacado apoio soviético.
O pedido do Chade partiu do ministro das Forças Armadas do país, o chefe do Estado-Maior da Força Aérea, Idriss Amine Ahmed, e foi endereçado ao adido de defesa dos EUA.
As informações da Bloomberg falam que a ordem era de “parar” as atividades na base, enquanto a CNN, citando “fontes da inteligência”, disse que era para “sair totalmente da Base Aérea de Adji Kossei”. O Chade também teria ameaçado cancelar o Acordo de Status de Forças, documento que rege a forma como os militares dos EUA podem operar no país.
À Bloomberg, um porta-voz do Departamento de Estado asseverou que foi acordado entre os EUA e o Chade que o período após a próxima eleição presidencial chadiana seria o “momento apropriado para rever nossa cooperação de segurança”.
De acordo com a Reuters, o pedido do Chade foi feito depois que as tropas norte-americanas deixaram de fornecer documentos que justificassem sua presença lá. As autoridades chadianas não responderam aos pedidos de comentários da imprensa.
Os relatos surgem um mês depois de outro Estado africano, o Níger, ter rescindido um acordo militar de uma década com Washington, que permitia aos EUA manter um contingente de cerca de 1.000 homens no país, e duas bases, uma delas, a principal base de drones no norte da África. Em dezembro do ano passado, as tropas francesas completaram sua retirada do país, tudo muito a contragosto, claro.
Ao anunciar o rompimento, o governo nigerino disse que o acordo, assinado em 2012, havia sido “imposto unilateralmente” por Washington e que a presença americana era agora “ilegal”.
Na sexta-feira (19), em Washington, o vice-secretário de Estado Kurt Campbell se reuniu com o primeiro-ministro nigerino, Ali Mahamane Lamine Zeine, sobre a questão.
“O primeiro-ministro nos pediu para retirar as tropas dos EUA, e concordamos em fazer isso”, disse um alto funcionário do Departamento de Estado em entrevista ao Washington Post. “Eles concordaram que faremos isso de forma ordenada e responsável. E provavelmente precisaremos enviar pessoas para Niamey para sentar e fazer isso”.
Uma semana antes, milhares de nigerinos haviam se manifestado na capital, Niamey, exigindo americanos “go home”. No sábado (20), centenas de pessoas se manifestaram em Agadez, a cidade no norte do Níger que abriga a base de drones norte-americana, pela imediata retirada.
Há meses que as atividades dos norte-americanos vêm sendo mantidas em banho-maria, inclusive as operações de drones reduzidas a voos de monitoramento. Em dezembro, um militar norte-americano disse que Washington estava em negociações com outros países africanos para a transferência da base.
Desde que os bombardeios da OTAN destruíram a Líbia em 2011 e levaram ao poder grupos extremistas que haviam servido de “infantaria” para a aliança imperial, o norte da África e o Sahel foram desestabilizados, com bandos da Al Qaeda, Estado Islâmico e Boko Haram se estabelecendo na região, causando o caos e – com a deterioração econômica – ondas de refugiados. E servindo de biombo para justificar o ingresso de tropas europeias e dos EUA.
Foi esse confronto que acabou levando a sublevações no Mali, Burkina Fasso, Guiné e Níger, que deram origem a governos de salvação nacional, frente ao flagelo e a reincidência do neocolonialismo. Mais recentemente, a oposição venceu as eleições no Senegal, prometendo romper com o garrote vil francês.
A ex-potência colonial, graças ao chamado “franco das colônias”, o CFA, segue controlando na prática a economia das ex-colônias africanas, que jamais puderam deixar a condição de mercado cativo para a França e de fornecedores de commodities. Esses países da região, mais de meio século após nominalmente obterem a independência, seguem forçados a depositar no BC francês 50% das reservas.
Esse reencontro entre as forças africanas que retomam a busca da libertação nacional e a Rússia soberana, sucessora da União Soviética, tem como fator impulsionador o decisivo e eficaz apoio de Moscou à luta da Síria contra o terrorismo apadrinhado pelo Ocidente.
Os países que romperam com essa perpetuação da condição neocolonial estão sendo chantageados pelos europeus e por Washington com sanções, mas têm mantido com firmeza o leme, e inclusive constituíram uma aliança das nações do Sahel, após a assim chamada Comunidade Econômica dos Estados da África Ocidental (Cedeao) ameaçá-los com uma intervenção armada, de que acabou recuando.
Contra o Níger foram desencadeadas duras sanções, que incluem o congelamento das reservas do país em bancos nigerianos, o corte da energia elétrica e o fechamento de rodovias, interrompendo o fornecimento de alimentos e insumos.
Em outro desdobramento na África, o presidente tunisiano Kais Saied anunciou no sábado (20) pelo X que irá receber seus homólogos, o argelino Abdelmadjid Tebboune e o líder do conselho presidencial líbio, Mohamed Younes Menfi, visando a reativação da União do Magreb Árabe, que originalmente também incluía a Mauritânia e o Marrocos.
No mês passado, à margem da cúpula de países exportadores de gás na Argélia, autoridades dos três países do norte da África acordaram se reunir trimestralmente.
O presidente argelino Tebboune disse ao Alg24 News que o bloco “não é direcionado contra qualquer outro Estado, e a porta está aberta aos países da região”.
A Argélia cortou relações diplomáticas com o Marrocos em 2021, devido a “ações hostis”, após a normalização das relações entre Marrocos e Israel. Outro contencioso entre Argel e Rabat é o apoio argelino à independência do Saara Ocidental, que o Marrocos tenta anexar e cujo território ocupa em grande parte.
As relações da Tunísia com Marrocos também se deterioraram desde 2022, quando o presidente tunisiano Saied recebeu o líder da Frente Polisário, o grupo que busca a independência do Saara Ocidental. Rabat convocou seu embaixador na Tunísia e cancelou sua participação em uma conferência pan-africana de investimentos, chamando as ações da Tunísia de “ato sem precedentes”.
Fonte: Papiro