Os povos lutam para superar uma exploração de 500 anos, destaca Putin | Foto: Reprodução

A era em que as nações ocidentais podiam explorar outros países e pessoas no mundo inteiro está chegando ao fim, disse o presidente russo, Vladimir Putin em entrevista exclusiva ao canal russo Rossiya 1 e  à agência de notícias RIA Novosti. “Este baile dos vampiros está agora chegando ao fim”, destacou Putin.

“Esse chamado bilhão de ouro durante séculos – quinhentos anos – praticamente parasitou outras nações. Destruíram os infelizes povos de África, exploraram a América Latina, exploraram os países da Ásia. E, claro, ninguém se esqueceu disso”, sublinhou Putin.

Não apenas a liderança desses países que se identificam com os BRICS, mas seus cidadãos comuns “sentem nos seus corações o que está acontecendo e ligam nossa luta pela independência e verdadeira soberania” – ou seja, a resistência da Rússia à anexação da Ucrânia pela Otan – “às suas aspirações pela sua própria soberania e desenvolvimento independente”.

Putin denunciou as elites ocidentais por seu desejo muito forte de congelar a situação existente, “a situação injusta nos assuntos internacionais”, a ordem internacional prevalecente.

“Eles estão acostumados há séculos a encher a barriga com carne humana e os bolsos com dinheiro. Mas eles devem entender que o baile dos vampiros está chegando ao fim”.

HÁBITOS COLONIAIS DO OCIDENTE

Na entrevista ao jornalista Dmitry Kiselev, Putin revisitou declaração feita no mês passado à Assembleia Federal russa de que o Ocidente faria “tudo o que estivesse ao seu alcance para travar o desenvolvimento da Rússia” devido ao seu “hábito colonial de desencadear conflitos nacionais em todo o mundo, com o objetivo de fazer da Rússia, tal como a Ucrânia, um Estado falido e moribundo, com o qual pudessem fazer o que quisessem”.

Questionado por Kiselev sobre o porquê da máquina de propaganda ocidental, com todos os seus recursos e ferramentas colossais não ter conseguido, embora tenha tentado, isolar a Rússia e criar uma imagem falsa dela na cabeça de bilhões de pessoas, Putin assinalou que o que acabara de dizer “é mais importante para as pessoas, elas sentem isso em seus corações, nem sequer precisam de explicações pragmáticas sobre os acontecimentos”.

Ele observou que, porém, nos países ocidentais, “eles ainda enganam as pessoas, o que tem um efeito”.

CEGOS PELA RUSSOFOBIA

“Cegas pela sua russofobia, as elites ocidentais ficaram felizes quando nos levaram ao ponto a partir do qual passamos a conduzir uma operação militar especial para parar a guerra desencadeada pelo Ocidente na Ucrânia desde 2014”, disse Putin.

“Acreditavam que iriam acabar conosco, agora, sob esta barragem de sanções, praticamente uma guerra de sanções declarada contra nós, com a ajuda das armas ocidentais e da guerra nas mãos dos extremistas ucranianos, eles acabariam com a Rússia”. Foi daí – acrescentou – que veio o slogan: “infligir uma derrota estratégica à Rússia no campo de batalha”.

“Mais tarde, porém, perceberam que isso era improvável e, ainda mais tarde, que era impossível”, enfatizou Putin. E chegaram à compreensão de que “em vez de uma derrota estratégica, eles se deparavam com a impotência. Impotência, apesar de confiarem no poder dos todo-poderosos Estados Unidos”.

“Depararam-se com sua impotência perante a unidade do povo russo, perante os elementos fundamentais do sistema financeiro e econômico russo, a sua estabilidade e perante as capacidades crescentes das Forças Armadas da Federação Russa”, ressaltou Putin.

Sobre “negociações estratégicas” com os EUA, Putin lembrou que a Rússia nunca recusou negociações, citando o projeto de acordo em Istambul, que chegou a ser rubricado pelo chefe da representação ucraniana David Arakhamia, e que depois foi abandonado por Kiev após a conhecida viagem do então primeiro-ministro britânico Boris Johnson, que levou a ordem de não assinar e manter a guerra, como o próprio Arakhamia relatou em público recentemente. “Sim, estamos prontos para negociações que se baseiem nas realidades no terreno”.

Em segundo lugar, acrescentou Putin, “já nos foi prometido muitas vezes – eles prometeram não expandir a Otan para Leste – então os vemos nas nossas fronteiras. Prometeram que o conflito interno na Ucrânia seria resolvido por meios políticos pacíficos”.

Ele citou que três ministros das Relações Exteriores chegaram a Kiev [em 2014]: Polônia, Alemanha e França e prometeram que seriam fiadores desses acordos. “Um dia depois houve um golpe de Estado.”

“Prometeram cumprir os acordos de Minsk e depois anunciaram publicamente que não pretendiam cumprir essas promessas, mas apenas fizeram uma pausa para armar o regime de Bandera [o colaboracionista dos nazis] na Ucrânia”.

“Muitas coisas nos foram prometidas, então as promessas por si só não são suficientes”, destacou o presidente russo. “Agora, negociar só porque estão ficando sem munição é um tanto ridículo da nossa parte. Estamos, no entanto, prontos para uma conversa séria e queremos resolver todos os conflitos, e especialmente este conflito, por meios pacíficos”.

BOTAS DA OTAN NO TERRENO

Indagado por Kiselev se Macron “ficou completamente louco e vai enviar tropas francesas para combater nosso exército”, Putin assinalou que o “fato é que os militares dos países ocidentais estão presentes na Ucrânia há muito tempo, estavam presentes mesmo antes do golpe de Estado, e depois do golpe de Estado o seu número aumentou várias vezes”.

Agora – assinalou- estão presentes “diretamente, na forma de conselheiros, estão presentes na forma de mercenários estrangeiros e estão sofrendo perdas”.

“Mas se estamos falando de contingentes militares oficiais de países estrangeiros, tenho certeza de que isso não mudará a situação no campo de batalha. Assim como o fornecimento de armas não muda nada”, acrescentou.

Putin também se referiu ao ingresso da Suécia e Finlândia na Otan, antes países neutros. “Não tínhamos uma única reclamação um contra o outro, especialmente territorial, sem falar em outras áreas. Nem tínhamos tropas, retiramos todas as tropas de lá, da fronteira russo-finlandesa.”

“Por que eles fizeram isso? Na minha opinião, com base em considerações puramente políticas, ser membro de um clube ocidental, sob algum tipo de guarda-chuva.”

“Por que eles precisam disso? Francamente, eu não entendo. Este é um passo absolutamente sem sentido do ponto de vista de garantir os seus próprios interesses nacionais.”

“Foi isso que eles decidiram. Mas não tínhamos tropas lá, agora teremos. Não existiam sistemas de destruição lá, mas agora existirão. Por que? As nossas relações econômicas eram muito boas. Eles usaram o nosso mercado, compramos muito deles. O que há de errado com isso? Mas agora a situação vai mudar. Eu não entendo”.

“PARA NÓS, VIDA OU MORTE; PARA EUA, STATUS”

“Sobre os EUA, que anunciaram que não iriam mandar tropas para a Ucrânia, Putin disse que os russos sabem “o que são as tropas americanas em território russo, intervencionistas. Trataremos desta forma, mesmo que apareçam no território da Ucrânia. Eles entendem isso”.

Eu disse – acrescentou – que Biden é um representante da escola política tradicional, e isso está confirmado. Lá, além de Biden, há muitos outros especialistas na área das relações russo-americanas e na área da contenção estratégica. “Portanto, não creio que tudo aqui esteja tão precipitado, mas estamos prontos para isso.”

“Já disse muitas vezes que para nós é uma questão de vida ou morte, mas para eles é uma questão de melhorar a sua posição tática em geral no mundo e na Europa em particular, mantendo o seu status entre os seus aliados. Isto também é importante, mas não tanto como é para nós”.

A MAIS MODERNA TRÍADE NUCLEAR

Em resposta à pergunta de se a Rússia está “realmente pronta” para uma guerra nuclear, Putin sublinhou que, do ponto de vista técnico-militar, “estamos, claro, prontos, constantemente em estado de prontidão para o combate”.

Ele assinalou que, como é internacionalmente reconhecido, “nossa tríade nuclear é mais moderna do que qualquer outra tríade. E essas tríades só existem entre nós e entre os americanos, na verdade”.

Fizemos muito mais progressos aqui, disse Putin, “mas isto não significa que devamos medir-nos pelo número de portadores e ogivas”.

“Eles [os americanos] agora têm a tarefa de aumentar essa modernidade, essa novidade, e têm um plano correspondente. Nós também sabemos disso. Eles desenvolvem todos os seus componentes. Nós também.”

“Mas isto não significa que, na minha opinião, estejam prontos para iniciar esta guerra nuclear amanhã. Bem, eles querem, mas por que fazer isso? Nós estamos prontos”.

Putin também se referiu a que a Rússia se viu obrigada, para manter a paridade estratégica, a retirar a ratificação do tratado internacional que proíbe testes nucleares. Como ele assinalou, infelizmente, os EUA não ratificaram este tratado, que não chegou a entrar em vigor porque não recebeu o número necessário de adesões.

“Sabemos que tais ensaios estão sendo considerados nos Estados Unidos”, ele destacou. Se os EUA retomarem os testes nucleares, o mesmo poderá ser feito pela Rússia.

Frente às repetidas acusações da mídia imperial sobre supostas “ameaças russas” de uso de armas nucleares na Ucrânia, Putin assinalou que tal pensamento “nunca lhe ocorreu, nunca houve tal necessidade”.

“Temos nossos próprios princípios”, e o uso de tal arma só é previsto em caso de ameaça à existência do Estado russo e a sua soberania e independência. “Tudo está escrito em nossa estratégia; não mudamos”,

15.000 SANÇÕES

Sobre o estado da economia russa, apesar dos milhares de sanções com que a tentaram asfixiar, vai bem.

“Aliás, um fato que não foi registrado por nós, mas sim por organizações econômicas e financeiras internacionais. Em termos de paridade de poder de compra, ultrapassamos a República Federal da Alemanha e assumimos o seu lugar como a quinta maior economia do mundo”, sublinhou Putin.

A economia alemã encolheu três décimos de um por cento durante o ano passado. E crescemos 3,6%. O Japão cresceu uma pequena percentagem. “Mas se tudo evoluir ao mesmo ritmo de hoje, teremos todas as hipóteses de tomar o lugar do Japão e de nos tornarmos a quarta economia do mundo. E no curto prazo, num futuro próximo”.

Putin assinalou, no entanto, que há muito a fazer não só em termos de paridade de poder de compra, mas também per capita. Primeiro. E segundo: que “a própria estrutura mude, para que se torne muito mais eficiente, mais moderna, mais inovadora”.

“É nisso que estaremos trabalhando. Quanto ao rendimento, em termos de paridade de poder de compra este é um indicador muito importante. Esse é o volume, o tamanho da economia. Isto significa que o Estado tem à sua disposição recursos através do sistema tributário em todos os níveis para resolver problemas estratégicos. Isso nos dá a oportunidade de desenvolver o que consideramos necessário para o nosso país.

Nas mudanças estruturais que estão sendo buscadas para a economia russa, está definido que as indústrias inovadoras devam crescer mais rapidamente do que a economia média.

Para Putin, “uma das principais tarefas hoje é aumentar a produtividade do trabalho, porque em condições de escassez de trabalhadores e de recursos laborais, só temos uma forma de desenvolver e aumentar eficazmente a produtividade do trabalho”.

“Isto, por sua vez, significa que devemos aumentar os princípios inovadores da economia. Bem, digamos, que aumente a densidade da robotização. Hoje temos dez robôs, creio eu, para dez mil trabalhadores. É necessário ter pelo menos mil robôs para cada dez mil trabalhadores. É assim que as coisas funcionam no Japão, na minha opinião.”

“E para que as pessoas possam trabalhar com essas novas tecnologias, enfim, não só usar a robótica, mas também outros meios modernos de produção, elas precisam ser treinadas. Surge outro problema: a formação de pessoal. Para isso, temos toda uma direção designada, incluindo a formação em engenharia”, continuou o presidente russo.

“Com certeza você já percebeu: já temos 30 dessas modernas escolas de engenharia em todo o país, este ano vamos lançar mais 20. E serão 50. E estamos planejando mais 50 nos próximos anos”.

HORIZONTE DE SEIS ANOS

Nesse sentido, o planejamento da economia – e do orçamento – passa a ter como horizonte seis anos, ao invés de três, como até aqui.

Outra decisão é distribuir a carga tributária de forma mais equitativa, uma reforma tributária progressiva, para permitir enfrentar os problemas nacionais e o combate à pobreza. Também ampliar os investimentos em infraestrutura.

Comparando com o período pós-dissolução da União Soviética e restauração do capitalismo, há 20 anos, quando 29% da população russa caíram abaixo do limiar da pobreza, ou seja, 42 milhões de pessoas, atualmente são 13,5 milhões as pessoas nessa situação, 9,3%.

“Claro, muito. É claro que temos de fazer tudo para reduzir para pelo menos 7%”, disse Putin.

Sobre a questão que ele mesmo alertou, evitar ser arrastado “para uma nova corrida armamentista”, como o governo Reagan tramou contra a URSS, Putin destacou os dados do Instituto Internacional de Pesquisa para a Paz de Estocolmo de que “no ano passado os gastos russos com defesa foram de 4%, e este ano – 6,8%”.

“Em princípio, este é um aumento notável, mas absolutamente não crítico. Bem, na União Soviética eram 13% e agora somos 6,8%”, registrou.

Quanto à imigração, Putin enfatizou que “é uma ferramenta importante na economia”. Não há mal nenhum em olhar para a experiência de outros países, ele sugeriu.

“Em primeiro lugar, é claro, precisamos falar sobre o repatriamento dos nossos compatriotas” e também apoiar a migração tradicional.

Para superação da crise demográfica que acompanhou a restauração do capitalismo, o que se tornou uma questão estratégica para o maior país do mundo em território, Putin assinalou que a Rússia está implementando um grande conjunto de medidas de apoio às famílias, como o subsídio a maternidades, as taxas de hipotecas mais baixas para as famílias numerosas e a implantação de mais creches públicas e outros serviços.

Ele também saudou o clima na sociedade russa, com “70% dos homens e 72% das mulheres querendo ter dois ou mais filhos” e, acrescentou, o Estado “deve apoiá-los”.

Fonte: Papiro