Reforma do ensino médio aprovada pela Câmara é oportunidade de revisar o sistema
Ministro da Educação, Camilo Santana, acompanhou a votação no Plenário. Caio D’Arcanchy/Câmara dos Deputados
Nesta quarta-feira (20), a Câmara dos Deputados aprovou a nova reforma do ensino médio, após os protestos contra a reforma de 2017, que deixou enormes lacunas na formação pública. A redação consultou entidades estudantis e sindicais, que participaram da discussão do projeto e consideram o texto aprovado insuficiente, ainda. O projeto seguirá para análise do Senado.
A presidente da União Nacional dos Estudantes (UNE), Manuela Mirella, ressaltou a longa trajetória de luta pela revisão do atual modelo de Ensino Médio. Segundo ela, a falta de representatividade do sistema educacional vigente é evidente, com estudantes de escolas públicas recebendo uma formação inferior às instituições privadas. Ela ponderou a importância de trazer o debate sobre o novo Ensino Médio à tona e de envolver diversos atores. Manu comemorou a conquista da ampliação da carga horária para 2.400 horas, mas lamentou a proibição do chamado “notório saber” para a formação básica.
Brigadeiro caseiro
“É um absurdo os estudantes de escolas públicas terem aulas de brigadeiro caseiro, enquanto os alunos de escolas privadas têm acesso a disciplinas mais avançadas como ciência aplicada, química aplicada e robótica”, afirmou Manu, destacando a disparidade entre as oportunidades educacionais oferecidas.
A presidenta da UNE enfatizou que o novo ensino médio proposto não representa uma vitória para os estudantes, mas sim uma oportunidade de discussão e revisão do sistema.
A líder estudantil ressaltou que o texto apresentado pelo relator Mendonça Filho (União Brasil-PE) sofreu alterações significativas em relação ao projeto original, elaborado com a participação da sociedade. “Depois de muita pressão dos parlamentares e do movimento social, algumas mudanças foram feitas no texto do Mendonça Filho”, destacou. Entre as conquistas alcançadas, Manu citou a ampliação da carga horária para 2.400 horas, o que representa um avanço na qualidade da formação geral básica. No entanto, ela lamentou que o ensino do espanhol tenha sido mantido como opcional e que o notório saber tenha sido permitido apenas para a formação técnica.
“A nossa luta continua pela garantia do ensino do espanhol, pelo notório saber de forma completa e pela aprovação de um projeto de novo ensino médio que realmente atenda às necessidades do povo brasileiro”, concluiu Mirella, enfatizando a importância de um sistema educacional mais inclusivo e igualitário.
Denúncia do privatismo
Madalena Guasco, secretária-geral da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Estabelecimentos de Ensino (Contee), também reconheceu que a aprovação das 2.400 horas representa um avanço, mas destacou preocupações em relação ao rebaixamento da formação média profissional e à exclusão do “notório saber” do texto. Guasco ressaltou a importância de continuar a luta, especialmente com a tramitação do projeto no Senado, e destacou o papel fundamental do movimento estudantil em denunciar os interesses privatistas e em buscar uma educação de qualidade para a juventude brasileira.
Madalena destaca que a recuperação da carga horária para 2400 horas é um avanço parcial, pois representa uma maior ênfase na formação geral básica dos estudantes. “Podemos dizer que a aprovação representou em parte um avanço porque recuperou a carga de formação geral de 2400 horas, e os itinerários formativos serão de aprofundamento, e somente poderão ser relacionados às áreas de formação geral”, ressalta.
No entanto, a dirigente sindical alerta para aspectos preocupantes da reforma, destacando um possível rebaixamento na qualidade da formação média profissional. Segundo ela, o projeto aprovado retira do texto o conceito de “notório saber”, o que pode comprometer a qualidade da formação técnica oferecida aos estudantes. “O PL faz um rebaixamento da formação média profissional. Retira do texto o notório saber. Mas podemos dizer que a luta continua porque ele ainda irá para o Senado”, destaca ela.
Além disso, Madalena enfatiza o protagonismo do movimento estudantil nesse processo, destacando a importância das mobilizações e denúncias feitas pelos estudantes. Ela ressalta que o movimento estudantil tem sido fundamental para expor os interesses das fundações privatistas que, por meio de convênios com estados, buscavam oferecer itinerários formativos desqualificados e prejudiciais para a formação da juventude brasileira.
Ponte para a universidade
Jade Beatriz, presidente da União Brasileira dos Estudantes Secundaristas (UBES), compartilhou o otimismo com a aprovação das 2.400 horas, mas destacou que ainda há muito a ser feito. Jade reiterou o compromisso do movimento estudantil em continuar mobilizado e pressionando por mais mudanças no Senado, visando alcançar um novo Ensino Médio que atenda verdadeiramente às demandas da juventude brasileira.
“A gente avalia que a aprovação das 2400 horas no dia de ontem foi uma vitória muito importante e um passo à frente para o que a gente realmente quer”, afirma Jade Beatriz.
A UBES tem sido uma voz ativa na defesa dos direitos dos estudantes e na busca por uma educação de qualidade, e a ampliação da carga horária é uma das pautas centrais desse movimento. Para Jade, as 2400 horas representam não apenas um aumento quantitativo. “Isso pelas 2.400 horas representar que os estudantes terão acesso a uma formação geral básica, robusta, justa, e fazer com que seja uma ponte para a universidade, para os vestibulares, além de representar também a formação do pensamento crítico, que é extremamente importante”, destaca a presidente da UBES.
No entanto, mesmo com esse avanço, a UBES enfatiza que ainda há muito a ser feito e que a luta não termina aqui. A mobilização continuará nas escolas e nas ruas, com manifestações e atividades para garantir que outras pautas importantes sejam contempladas.
“A gente avalia como uma vitória, mas ainda não é o suficiente. A gente vai continuar mobilizando nas escolas, vai fazer muita manifestação durante essas próximas semanas até a gente conseguir aprovar as outras pautas com o texto indo para o Senado”, conclui Jade Beatriz.
Como ficou
O Projeto de Lei 5230/23, de autoria do Poder Executivo, foi aprovado com um substitutivo do relator, deputado Mendonça Filho. A principal mudança é o aumento da carga horária da formação geral básica para 2.400 horas, distribuídas ao longo dos três anos do ensino médio, para alunos que não optarem pelo ensino técnico. A carga horária total do ensino médio permanece em 3.000 horas, com cinco horas por dia durante os 200 dias letivos anuais. Além da formação geral básica, os alunos devem escolher um dos itinerários formativos, com 600 horas adicionais focadas em áreas específicas.
O ministro da Educação, Camilo Santana, ressaltou que as 2.400 horas de formação geral básica foram fundamentais para o projeto, com base em uma consulta pública realizada em 2023, onde 80% dos estudantes apoiaram o ensino técnico profissional integrado ao ensino médio. Quanto à formação técnica e profissional, os alunos terão 1.800 horas de formação geral básica, 300 horas de aprofundamento em disciplinas relacionadas à formação técnica e 900 horas dedicadas às disciplinas do curso técnico escolhido.
O texto aprovado prevê que o ensino médio seja presencial, mas poderá ser mediado por tecnologia, mediante regulamentação. Também mantém a possibilidade de contratar profissionais de notório saber para ministrar conteúdos na educação profissional técnica de nível médio. Os sistemas de ensino devem garantir que todas as escolas ofertem o aprofundamento integral de todas as áreas de conhecimento, com pelo menos dois itinerários formativos diferentes.
O projeto destaca a importância da inclusão de estudantes em condição de vulnerabilidade social e grupos étnicos, além de defender os institutos federais de ensino como referência para um ensino profissionalizante consistente. A votação, que teve a presença de muitos estudantes no Plenário, reflete um debate intenso sobre o futuro da educação no Brasil e as medidas necessárias para uma formação de qualidade alinhada às demandas do país.
(por Cezar Xavier)