Montenegro da neoliberal AD celebra a vitória por estreita margem | Foto: Miguel Riopa/AFP

A Aliança Democrática, coalizão encabeçada pelo Partido Social Democrata (PSD), mais o Centro Democrático Social (CDS) e o Partido Popular Monárquico (PPM), venceu com 29,5% dos votos as eleições antecipadas de Portugal no domingo (10), por estreita margem, 0,8%, elegendo 79 deputados.

Poucochinho, diriam os portugueses: dois a mais que o governista Partido Socialista (PS), que obteve 77 deputados e 28,7% dos votos.

Nas eleições deste domingo, o comparecimento às urnas foi de 65%, melhor que os 51% de 2022. O PS reconheceu sua derrota e anunciou que estará na oposição. O presidente português, o conservador Marcelo Rebelo de Sousa, vai consultar os partidos a partir desta terça-feira até dia 20 para a formação do novo governo e definir o novo primeiro-ministro

O que exigirá o voto de pelo menos 116 deputados, ou uma coligação menor, mas com o compromisso do PS de não-veto. Assim, nos 50 anos da Revolução dos Cravos, os portugueses são convocados, novamente, a dar um trato nos fascistas, e isso se torna a linha de clivagem.

No pleito de janeiro de 2022 os socialistas haviam conquistado a maioria absoluta. Eleição que foi convocada por iniciativa do PS para romper a “Geringonça”, mecanismo pelo qual desde 2015 os partidos de esquerda apoiavam os socialistas em troca de melhorias nos salários, direitos e saúde pública, mesmo sem participar diretamente no governo.

A Geringonça permitira, na época, que o PS, ainda que minoritário, fosse governo em substituição exatamente ao bloco PSD/CDS, que foi o executor do feroz arrocho da Troika (FMI/Banco Central Europeu/Comissão Europeia) aos portugueses por cinco anos (2011/2015) pós crise financeira da União Europeia, aquela em que o país mais golpeado foi a Grécia.

O segundo governo de Antonio Costa teve fim após renúncia dele em novembro de 2023 devido a uma investigação de corrupção que o atingiria e a auxiliares, por parte do Ministério Público português. Depois da renúncia de Costa e com as eleições já convocadas, o MP se desculpou. Havia corrupção, mas o Costa investigado não era o primeiro-ministro, e sim um homônimo

Como antecipado pelas pesquisas, o pleito marcou a ascensão dos fascistas do Chega que, com 18% da votação, quadruplicaram para 48 o total de deputados, com uma campanha xenófoba, racista e cinicamente ‘antissistema’, sob o histrionismo de seu líder, o ex-locutor esportivo André Ventura.

A Iniciativa Liberal (IL) conquistou 8 deputados e 5,1% dos votos. O Bloco de Esquerda (BE) obteve 5 mandatos e 4,5%. A Coligação Democrática Unitária (CDU, comunistas mais os verdes) obteve 4 deputados e 3,3%. O Livre, que chega pela primeira vez ao parlamento, conseguiu 4 cadeiras e 3,3%. O PAN elegeu 1 deputado, com 1,9%.

O líder da AD, Luis Montenegro, em seu discurso da vitória, reiterou o compromisso de campanha de não se compor com os fascistas do Chega. “Seria tamanha maldade com o país, seria descumprir compromissos que assumi de forma tão clara”.

Montenegro apelou aos partidos da Assembleia portuguesa pelo diálogo, para que haja “governabilidade e estabilidade”, tendo como base “o programa sufragado” – e aí, no “programa sufragado”, é que mora o perigo.

Ventura, o candidato a “mito” lusitano, que se gabou de que o domingo foi “o dia que assinala o fim do bipartidarismo em Portugal”, sem se vexar asseverou que é hora “de um governo de dois partidos: da AD e do Chega”. Uma declaração muito antissistema, como se vê. Acontece que até aqui, por compromisso com a democracia, nenhum partido admite coligações com o Chega.

O apelo de Montenegro ao diálogo com a oposição se explica: a menos que quebre a palavra que deu aos portugueses, ou que os socialistas voltem atrás, o governo que ele se propõe a formar será, necessariamente, minoritário e, portanto, passível de instabilidade. O que poderia levar a novas eleições dentro de sete ou oito meses, por exemplo, pela não aprovação do orçamento.

Também o presidente Rebelo de Sousa prometeu fazer o que estiver ao seu alcance para barrar a entrada do Chega no governo.

Dos 230 deputados, falta definir quatro mandatos que representam os eleitores que emigraram.

ARROCHO FAZ PS PERDER MEIO MILHÃO DE VOTOS E UM TERÇO DA BANCADA

Entre as duas eleições, a votação do PS encolheu 12,8 pontos percentuais (de 41,4% para 28,6%) – quase meio milhão de votos – e sua bancada, de 120 para 77. Perda de 43 deputados, mais de um terço.

Em suma, custou caro ao PS e aos portugueses a sofreguidão de Costa em 2022 – diante da perspectiva de generosos fundos comunitários pós-Covid – em deixar de lado a política de alívio das perdas da crise financeira de 2011 da União Europeia, rompendo com a esquerda bancando um arrocho consequência do apoio à guerra da Otan na Europa.

As sanções contra a Rússia e a guerra contra este país por procuração da Otan na Ucrânia causaram, como efeito colateral, aumento generalizado do custo da energia e consequente perda do poder aquisitivo – quando os salários de Portugal já estão entre os mais baixos no bloco europeu. Os aluguéis decolaram.

O que se soma a um acúmulo de ressentimentos contra quatro décadas de neoliberalismo; de deterioração da democracia, com partidos que se alternam no poder, mas no essencial, representando o rentismo; de exacerbação da desigualdade; e de levas de refugiados das guerras promovidas pelo império ou refugiados econômicos, tangidos, em botes, no Mediterrâneo, pelos austericídios impostos pelo FMI.  

Quadro em que os fascistas clamam à caça às bruxas contra os “imigrantes”, seus bodes expiatórios preferidos. Registre-se que, no caso de Portugal, em boa parte os “imigrantes” são os brasileiros.

As acusações de corrupção contra Costa também jogaram seu papel no desgaste do PS – era o primeiro premiê socialista desde a queda de José Sócrates, em 2011. Exatamente em um escândalo de corrupção. Aliás, no início do ano três juízes do Tribunal de Relação de Lisboa decidiram que ele irá a julgamento por 28 crimes, entre corrupção passiva, lavagem de dinheiro e fraude fiscal.

OS AUTOELOGIOS À POLÍTICA DAS “CONTAS CERTAS”

Quando da renúncia do primeiro-ministro Costa em novembro passado, o economista português Eugenio Rosa advertiu que “apesar dos enormes (auto)elogios à politica das “contas certas”, o governo do PS deixa um país com uma economia frágil a caminho da recessão (-0,2% no 3º Trimestre de 2023), com uma taxa de investimento, nomeadamente público, muito baixa e inferior à média da UE”.

E continua: “com uma Administração Pública degradada e sem meios, e incapaz de responder aos desafios que o país enfrenta; um país de baixos salários e de baixos custos de mão de obra muito inferiores à média dos países da UE, Portugal um país baseado em atividades de baixa produtividade”.

Rosa também apontou que “nos últimos 12 anos, a média do investimento público na UE foi de 3,1% do PIB enquanto em Portugal apenas 2,2% do PIB (-27,4%)”. Entre 2016 e 2019, ficara entre 1,5%/1,8% do PIB. “Em 2023, dos 753,4 milhões € de investimento previsto no Serviço Nacional de Saúde até julho só tinham sido executados 123,4 milhões € , ou seja, apenas 14,3%”.

Para Rosa, esse descalabro se repete na educação, com a média de gasto em educação por habitante entre 2014-2023 de Portugal sendo a metade (8,1%) da média da zona do euro, 17,6%, conforme o Eurostat. Nos sete anos do governo Costa, a despesa média por habitante com a educação em Portugal, que era 60,9% da média da zona do euro, caiu para 56,6%.

Ainda de acordo com Rosas, que cita dados do INE (equivalente ao IBGE), 10% dos empregados, 15,4% dos aposentados e 46,4% dos desempregados estavam “no limiar da pobreza” em Portugal.

AINDA AS “CONTAS CERTAS”

Para a socióloga e ex-deputada Ana Drago, o Partido Socialista tem uma reflexão a fazer. “Na campanha tem apresentado o seu legado: equilíbrio (excedente!) orçamental; redução da dívida pública; regresso de Portugal à classificação A- nas agências de rating; crescimento econômico acima da média europeia; baixo desemprego; e subida do salário médio, em parte insuflado pelos aumentos do salário mínimo. Mas isso significa que há um mistério. Porque é que em 2022, à saída da geringonça e com 6 anos de governo, o PS alcança a maioria absoluta; agora, apenas dois anos depois, sente-se um inegável cansaço com o seu Governo”.

“A aposta de Costa na estratégia das ‘contas certas’ – para além do que já se intuía como razoável – parece ter sido um erro”, acredita Drago.

“O ‘espaço midiático’, sempre disponível para acusar de ‘irresponsabilidade financeira’ os antigos governos do PS, ignora agora alegremente os seus brilharetes”, ela acrescenta.

“Não houve reconfiguração do eleitorado: os votantes do centro-direita afinal não acorreram a entregar-se nos braços dos socialistas; e a perda real de salário em segmentos intermédios, em particular nas carreiras públicas, desmobilizou parte do povo do PS. Costa maltratou uns, sem conseguir ganhar os outros. Era bom que os socialistas aprendessem algo com este percurso”.

Ela também conclamou ao “combate democrático contra a política do ódio” que busque “políticas de fundo que mudem as perspectivas no sentido de uma melhoria de vida, combatam as desigualdades que acicatam um sentimento de injustiça e com democracias em que não esteja já tudo decidido antes mesmo do voto ser expresso”.

ESQUERDA, VOLVER

Para a presidente do Bloco de Esquerda, Mariana Mortágua, a virada à direita nas eleições deste domingo “é o reflexo do fracasso de dois anos de uma política desastrosa da maioria absoluta do PS”.

Apesar disso, ela sublinhou, “o Bloco resistiu e aumentamos em votos, cerca de 30 mil. Manteve-se firme nestas eleições, mantemos todos os mandatos”. E é com essa força que “seremos parte de qualquer solução que afaste a direita do Governo”, prosseguiu.

“Quero que o povo de esquerda saiba que terá no Bloco a oposição mais combativa à direita”, afirmou a dirigente, prometendo contribuir para “erguer uma alternativa à esquerda para defender o nosso povo”.

O secretário-geral do Partido Comunista Português, Paulo Raimundo, assinalou que o resultado obtido pela AD nestas eleições constitui “um fator negativo para a resposta e solução de problemas com que os trabalhadores e o povo se confrontam, facilitando o caminho de retrocesso e de ataque a direitos e favorecimento do grande capital que marca o percurso de sempre de PSD e CDS e potenciando riscos sérios de empobrecimento democrático, já latentes em dimensões várias da vida nacional”.

O resultado obtido pela AD – ele acrescentou – é “inseparável” das opções da governação do PS. “A promoção da política de direita, ao longo destes últimos anos, e de forma particular a sua imposição pela maioria absoluta, com o que gerou de injustiças e legítimo descontentamento e insatisfação face ao acumular de dificuldades por parte dos trabalhadores e do povo, favoreceu o discurso demagógico, nomeadamente do Chega. A ausência de respostas a problemas cruciais foi aproveitada para esconder a ação passada do PSD e CDS”.

Raimundo saudou os ativistas da CDU, “que fizeram desta campanha eleitoral uma notável jornada de defesa dos interesses dos trabalhadores e do povo, e dos valores de Abril”.

Ele assinalou que o resultado da CDU “com a redução da sua representação parlamentar e uma percentagem abaixo de há dois anos”, significa um desenvolvimento negativo, mas não deixa de constituir “uma expressão de resistência com tanto mais valor e significado” levando em conta “a hostilidade e falsificação de posicionamentos do PCP para alimentar preconceitos anticomunistas e estreitar o seu espaço de crescimento”.

Chamando a “dar combate aos projetos reacionários, defender a liberdade e a democracia”, Raimundo concluiu enfatizando que “salários, pensões, habitação, saúde, direitos das crianças e dos pais, das mulheres, da juventude, o ambiente e a conservação da natureza, a Paz, serão alguns dos compromissos que levaremos da campanha eleitoral para a Assembleia da República”.

Fonte: Papiro